A Assembleia Geral da Galp decorre esta sexta-feira, com a coliderança -- agora definitiva -- a marcar o passo, numa altura em que temas como Namíbia, preços do petróleo e ESG são determinantes.
Esta sexta-feira decorre a Assembleia Geral de Acionistas da Galp, que contará com a presença dos co-CEO Maria João Carioca e Diogo Marques da Silva, agora como solução de liderança definitiva, deixando para trás o rótulo de interinos. Os especialistas em governança consultados pelo ECO/Capital Verde destacam a “estabilidade” que traz a recente decisão de manter a gestão até 2026.
Uma tranquilidade importante para abraçar desafios como a exploração de petróleo na Namíbia, que é apontada como a aposta de maior potencial para a cotada ou, por outro lado, preocupações de curto prazo como a quebra dos preços do petróleo, determinante para os resultados da cotada. Isto numa altura de transformação para o setor, na qual as questões de sustentabilidade são invocadas como importantes para garantir um futuro.
“A Namíbia possui capacidade para representar um dos pilares estruturantes de crescimento da Galp na próxima década”, afirma João Queiroz, responsável de Trading no Banco Carregosa, apontando esta descoberta como “o principal catalisador estratégico de médio prazo” da cotada, justificando o prémio de valorização face a pares como a Repsol ou a OMV da Áustria. Vítor Madeira, analista da XTB, afirma que este projeto poderá, no médio prazo, contribuir “de forma importante” para a geração de novos fluxos de caixa para a empresa e para a diversificação geográfica do portefólio da Galp, “com implicações positivas para os resultados da empresa que poderão traduzir-se também no comportamento das ações no longo prazo”.
Na última chamada com acionistas, a CEO Maria João Carioca afirmou que a busca por um parceiro “credível” para o projeto na Namíbia continua “sem pressas”, encontrando-se a negociar com “várias empresas”. “A nossa expectativa é de que uma decisão só seja tomada no final do ano, embora não estejamos a comprometer-nos com um calendário rigoroso”, indicou.
Queiroz considera “sensata” a decisão de adiar a entrada de um parceiro para obter mais conhecimento técnico sobre o ativo, podendo “ganhar poder negocial e selecionar com maior eficácia um parceiro com maior alinhamento estratégico e financeiro”. Também a XTB considera a abordagem “economicamente justificável”, dado que antecipar um movimento estratégico sem uma caracterização mais aprofundada do ativo poderia implicar “uma cedência de valor não devidamente compensada”. Em oposição, a Galp corre o risco que mais descobertas por parte de outras empresas aconteçam, e que a avaliação do petróleo seja inferior, contrapõe a mesma casa de investimento.
Mas há mais joias na coroa: o início de produção no projeto Bacalhau, previsto para o final de 2025, “deverá reforçar os volumes de produção e contribuir para a melhoria dos resultados em 2026”, prevê. Além disso, entende que a operação Downstream “deverá permitir uma otimização das margens num contexto de preços do crude mais ‘suaves’, funcionando como elemento de resiliência”. Assim, pode ser maximizado o valor da transação.
Olhando ao primeiro trimestre, Queiroz salienta “o robusto desempenho” do segmento Industrial & Midstream, que contrabalança a fraqueza no Upstream. Em paralelo, destaca a “sólida posição de liquidez” da empresa, com um nível de caixa “elevado” que permite reforçar operações de recompra caso avance a venda de uma participação no ativo da Namíbia.
Barril ‘pesa’ nas perspetivas da Galp
A pressão descendente sobre os preços do petróleo crude é um risco “relevante” que pende sobre a Galp, na avaliação de Queiroz. Os cenários de stress que apontam para uma descida aos 50 dólares por barril podem comprometer a “robusta” geração de caixa da empresa, alerta o mesmo analista. “O preço do petróleo e gás terão impacto direto nos resultados da empresa e, como tal, mais descidas no preço são uma ameaça à rentabilidade da empresa”, realça Vítor Madeira, o qual entende que as ameaças à Galp parecem vir mais do próprio setor (risco de mercado) do que da empresa em si.
Desde os máximos registados em 2022 (cerca de 107 dólares por barril), o petróleo já desvalorizou mais de 44%. Em 2025, as quedas têm ganho destaque, impulsionadas por uma revisão em baixa das perspetivas económicas globais (sobretudo nos EUA), afetando negativamente a procura. EM paralelo, tem-se registado um aumento da produção por parte dos países membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), contribuindo assim para um acréscimo da oferta.
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O cenário base para 2025 assume preços entre os 70 a 75 dólares por barril, suportados pela procura resiliente de países emergentes, e setores como a aviação e a petroquímica. A descida aos 50 dólares por barril pode verificar-se num cenário de escalada de guerras comerciais e caso se verifique uma quebra abrupta da procura.
Renováveis com impacto “marginal” mas serão “fundamentais”
O segmento de renováveis representa atualmente uma “fração marginal” das receitas, nas palavras de João Queiroz. Contudo, o crescimento composto esperado é “elevado” (22,5% a três anos), pelo que o segmento deverá ganhar maior representatividade na carteira de ativos da Galp.
Para o responsável de Trading do Banco Carregosa, “a importância estratégica [do segmento de Renováveis] supera, neste momento, o peso financeiro direto. É essencial para a sustentabilidade e valorização de longo prazo da empresa”. Vítor Madeira considera, em uníssono, que “a aposta nas energias renováveis é fundamental para o futuro da Galp, na medida em que representa uma transformação estratégica no sentido da sustentabilidade e da liderança na transição energética”.
A aposta nas energias renováveis, por parte da Galp, tem-se traduzido no investimento em projetos solares fotovoltaicos, de hidrogénio verde e de biocombustíveis. Negócios estes que têm o poder de reforçar a “competitividade e resiliência” da Galp, “tornando-a menos dependente dos combustíveis fósseis e mais preparada para enfrentar os desafios do setor energético global”, pontua Madeira. Ao mesmo tempo, a componente do preço das energias renováveis transacionado aumentou 23% no primeiro trimestre, face ao período homólogo, o que pode sugerir maior rentabilidade nesta área para a empresa no futuro.
Petrolífera com potencial em bolsa
O preço alvo médio dos analistas para os próximos 12 meses situa-se nos 18 euros por ação, refletindo um potencial de valorização entre 30% a 35% face à cotação atual de 13,80 euros. Esta subida é sustentada pela expectativa de recuperação gradual dos lucros por ação (EPS), que após uma descida estimada para 98 cêntimos em 2025, deverão subir para 1,19 euros em 2026, assinala o Banco Carregosa. Isto, tendo em conta um previsível aumento dos volumes de produção, pela entrada em operação do projeto Bacalhau no Brasil e pela recuperação progressiva das margens de refinação.
A maioria dos analistas – 60% – mantém uma recomendação de compra sobre o título, apesar do declínio em bolsa no último ano.
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As ações da Galp, desde o pico de maio de 2024, já desvalorizaram cerca de 35%, em oposição à maioria das empresas do PSI, assinala o analista da XTB Vítor Madeira. Para o responsável de Trading do Banco Carregosa, a execução operacional, especialmente no segmento Upstream, que vacilou no primeiro trimestre (o respetivo EBITDA caiu 32% para 385 milhões), será “determinante” para sustentar e renovar a confiança do mercado no curto prazo.
Os resultados mais recentes mostram uma quebra de 41% nos lucros da Galp, para 192 milhões de euros. No entanto, o analista da XTB ressalva que neste número não está refletido o item não recorrente da venda das operações em Moçambique, que é um item não recorrente, e que permitiu à empresa encaixar 881 milhões de dólares.
Por detrás dos lucros reduzidos está um resultado das operações negativo em 271 milhões de euros, o que suscita “preocupação” em relação às operações da Galp, afirma Vítor Madeira. As margens da Galp também decresceram, deslizando 53% até março. “Caso as perspetivas de abrandamento macroeconómico global persistirem e o preço do petróleo continuar a cair, estes devem ser considerados motivos de preocupação para os investidores, uma vez que pode ainda complicar mais as margens da Galp e, por sua vez, impactar o EBITDA”, observa Vítor Madeira.
Galp ganha “estabilidade” com coliderança até 2026
A vantagem de transformar a solução interina para uma solução definitiva é “passar uma mensagem de estabilidade”, entende Duarte Pitta Ferraz, já que “mitiga muito a situação de incerteza quanto à alteração da liderança”. Para o responsável de Trading do Banco Carregosa, João Queiroz, esta solução “garante continuidade operacional e estabilidade de liderança num momento sensível” e “reforça a confiança nos atuais responsáveis executivos, cujo desempenho tem sido bem acolhido pelo mercado”. Além disso, “sinaliza uma valorização do talento interno e da agilidade em responder a situações de transição inesperada”.
Pitta Ferraz afere que a experiência dos acionistas ao longo dos últimos meses de coliderança terá sido “certamente positiva”, de forma a sustentar a decisão. Uma aposta “que estava a correr bem e à qual os investidores responderam bem”, considera Maria João Guedes.
João Moreira Rato considera que a principal vantagem deste sistema de coliderança é a complementaridade em termos de capacidades que permite aos CEO terem diferentes responsabilidades. Queiroz acredita que a partilha de responsabilidades deverá permitir uma tomada de decisão mais “ponderada e multidimensional”, em particular “numa fase de elevada complexidade geopolítica e de transformação estrutural do setor energético”. Nuno Mello destaca que cada co-CEO pode dedicar-se com mais atenção a questões específicas.
Contudo, alerta o líder do IPCG, também há um certo risco de desresponsabilização, no sentido de passar a responsabilidade ao par. Deste modo, é importante “atribuir claramente” os temas a cada um dos CEO, para não haver uma diminuição da transparência a clareza. Caso contrário, alerta Nuno Mello, a liderança conjunta “pode impactar negativamente a eficácia da gestão em momentos críticos”.
“Faria sentido reportar-se aos investidores qual a necessidade de ter dois em vez de um CEO, porque tem vantagens mas também desvantagens”, defende o presidente do IPCG. No seu entendimento, seria importante responder a questões como quais os conhecimentos de cada um dos CEO, as complementaridades e as relações que cada um deverá manter com as partes interessadas [stakeholders].
Entre possíveis hesitações e dificuldades, mais tempo para encontrar um CEO
Os estatutos definem que o presente mandato, iniciado sob a égide de Filipe Silva, se prolongue até ao final de 2026, o limite que é dado à nova gestão. “Ainda temos pela frente dois anos de mandato, a que se soma o período de tempo que vai decorrer para a eleição do novo conselho de administração”, sublinha Pitta Ferraz.
Nuno Mello vê estes dois anos como “uma ponte” entre dois ciclos de liderança, motivo pelo qual considera que a decisão deve ser acompanhada de “uma comunicação clara sobre os objetivos da empresa neste período e sobre os critérios que orientarão a escolha de um novo CEO”. Estes dois anos são vistos por Maria João Guedes como suficientes para testar a solução de coliderança.
Acerca do futuro além de 2026, Pitta Ferraz olha com “naturalidade” tanto para a hipótese de os acionistas manterem a mesma solução ou decidirem alterar a presente estrutura. “Não há nenhum drama nisso, nem acho que os acionistas devessem ter uma decisão para além do final do mandato em curso”, pontua. Até porque a decisão deve ser tomada em função do desempenho da liderança.
Sobre se esta decisão sugere que a Galp estará a ter dificuldades em encontrar um novo CEO, Pitta Ferraz acredita que existam pessoas disponíveis e habilitadas para a função, e portanto toma a decisão pela coliderança como um sinal de que o modelo funcionou, aliás, “superou a expectativa” que existiria no momento de implementação desta solução em termos interinos.
Em oposição, o responsável de Trading do Banco Carregosa alerta que “a ausência de um horizonte mais longo para a liderança pode ser interpretada como um sinal de hesitação quanto à visão de futuro da empresa, criando algum espaço a dúvida sobre o rumo estratégico de médio e longo prazo”. Nuno Mello, analista da XTB, afirma que a manutenção prolongada de uma solução inicialmente interina “pode ser interpretada como falta de consenso interno ou como ausência de uma visão clara sobre o futuro da liderança”.
João Moreira Rato concede que a decisão pode mesmo “ser o reflexo de dificuldades em atrair um CEO de fora”. Dificuldades que podem advir de especificidades da estrutura acionista e o tipo de estratégia que a mesma pretende: “Descobrir um CEO que esteja alinhado com essa estratégia pode demorar tempo”.
“Ganham tempo para encontrar um novo CEO” e também para delinear um plano de sucessão, sublinha Maria João Guedes, o que “vai permitir uma transição mais pacífica”.
Novo CEO transformacional, com perfil internacional e ‘por dentro’ do ESG
Olhando ao perfil de um futuro CEO, Maria João Guedes aponta para alguém que tenha um conhecimento profundo do mercado de energia, que perceba como a Galp se movimenta no plano nacional e internacional, os desafios da sustentabilidade, mas que perceba também de regulação e de finanças. “Será essencial que tenha uma sensibilidade forte para os temas ESG, uma vez que o desempenho ambiental, social e de governança está no centro das expectativas dos investidores e da sociedade em geral”, reforça Nuno Mello.
Além disso, continua Maria João Guedes, o novo CEO deverá ter a consciência de que, apesar da grande dimensão da cotada, esta é uma empresa familiar, o que tem pautado a decisão de quem pode ser o CEO. O novo líder terá ainda de saber inspirar as pessoas e promover uma cultura de inovação e eficiência.
Por seu lado, João Queiroz acredita que o perfil ideal terá “equilíbrio entre solidez técnica e visão transformadora”, capaz de responder de forma proativa aos desafios da transição energética, à crescente complexidade regulatória. Nuno Mello acrescenta que a Galp “beneficiaria de um CEO com perfil internacional” e que é relevante a capacidade de relacionamento institucional, dado o peso das políticas públicas no setor da energia.
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Co-CEO da Galp levam “estabilidade” aos acionistas com olhos postos no petróleo, ESG e Namíbia
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