
O carrossel de alterações à Lei dos Solos
Ficaram, portanto, os particulares impedidos levar a cabo as operações urbanísticas que pretendiam, em virtude da inércia, durante dez anos, da Administração em atualizar os planos em vigor.
O Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT, ou como tem sido apelidada, “Lei dos Solos”), vertida no Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, introduziu alterações significativas nas regras de classificação e qualificação dos solos, destacando-se, desde logo, a eliminação das áreas urbanizáveis ou urbanização programada.
É consabido que o regime de uso dos solos se encontra vertido nos planos intermunicipais e municipais, em especial os Planos Diretores Municipais (PDM), circunstância que impunha que tais planos fossem atualizados em conformidade com as normas de classificação e qualificação dos solos prevista na “Lei dos Solos”, dispondo a administração de um prazo de cinco anos a contar da entrada em vigor do mencionado diploma para proceder a tal atualização.
Como consequência para a inércia da Administração, estabeleceu-se que se consideravam suspensas as normas vertidas nos planos que deveriam ter sido alteradas – circunstância que não gerou qualquer aplicabilidade prática.
Optou, portanto, o legislador por penalizar os particulares pela inércia da Administração ao suspender normas que, sem qualquer responsabilidade daqueles, não haviam sido alteradas, vedando a possibilidade de praticar operações que implicassem a ocupação, uso e transformação do solo.
Atendendo a que um número significativo – a maioria diríamos – de Municípios não procedeu, atempadamente, a tal alteração, procedeu-se à revisão, em 2021, das consequências que poderiam surgir da inércia da Administração, contemplando-se a possibilidade de ser suspenso o direito de candidatura a apoios financeiros comunitários e nacionais que não fossem relativos à saúde, educação, habitação ou apoio social.
Claro está que o prazo que os Municípios detinham para proceder à alteração dos seus planos, nomeadamente dos PDMs, foi sucessivamente prorrogado e, como tal, não se verificou, na prática, qualquer sanção para o incumprimento de tal obrigação – mantendo-se, grosso modo, a inadequação das regras vertidas nos planos.
Em dezembro de 2024, surgiu a badalada possibilidade de construção em solo rústico e com ela alterou-se, novamente, o “castigo” pelo incumprimento na atualização dos planos, o que passou despercebido aos mais desatentos.
Entendeu o legislador – fruto, quiçá, da necessidade de se executar os apoios comunitários – que a sanção pela inércia da Administração deveria passar pela suspensão automática das normas relativas às áreas urbanizáveis ou de urbanização programada, impedindo, sob pena de nulidade, a prática de atos ou operações que implicassem a ocupação, uso e transformação do solo.
Não nos debruçando sobre os impactos que tal medida acarretava, em especial em matéria de habitação, e considerando a crise habitacional que não é desconhecida por ninguém, facilmente se compreende que vários foram os procedimentos urbanísticos que foram suspensos ou indeferidos com fundamento na consequência vinda de mencionar.
Ficaram, portanto, os particulares impedidos levar a cabo as operações urbanísticas que pretendiam, em virtude da inércia, durante dez anos, da Administração em atualizar os planos em vigor.
Percebendo que esta medida afrontava sobremaneira a política de mais e mais construção que tem sido levada a cabo pelos últimos governos (em detrimento, inclusive das políticas de reabilitação que mereciam ser reforçadas, em especial para as construções detidas pelo próprio estado, mas que deixaremos para outra ocasião), surgiu uma nova alteração à “Lei dos Solos”.
Pouco mais de três meses depois da anterior alteração, estipulou o legislador que a suspensão não seria automática, carecendo de decretamento por parte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) territorialmente competente, após ouvir o respetivo Município, alargando, ainda, o leque de situações em que poderia não ser aplicada a suspensão e, bem assim, em que esta, sendo aplicada, poderia ser levantada.
Resta-nos aguardar para verificar se a CCDR vai decretar as suspensões ou se continuaremos apenas a aguardar pela atualização das PDMs às regras aprovadas e publicadas em 2015.
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