“É difícil” mudar lei da greve nos próximos tempos, antecipam advogados
Lei do trabalho tem sofrido dezenas de alterações nos últimos anos, mas artigos relativos à greve têm ficado intactos. Montenegro sinalizou vontade de mexer nessas regras, mas advogados têm dúvidas.
Luís Montenegro admitiu mudar a lei da greve de modo a equilibrar melhor a força dos protestos dos trabalhadores e o seu impacto na vida dos cidadãos. Os advogados ouvidos pelo ECO salientam, contudo, que já existe um mecanismo para esse fim — os serviços mínimos — e antecipam que “seria difícil” alterar as regras deste que é um direito fundamental nos próximos tempos. Do lado dos sindicatos, tanto a UGT como CGTP fecham a porta a qualquer mudança.
Esta é uma história que começa em abril. Mais de uma dezena de sindicatos que representam os trabalhadores da CP anunciaram a convocação de várias greves contra a imposição de aumentos salariais que “não repõem o poder de compra”, pela negociação coletiva de reforços remuneratórios “dignos” e pela “implementação do acordo de reestruturação das tabelas salariais”, que ficara fechado.
Estas greves arrancaram esta quarta-feira, dia 7 de maio, e com uma adesão de 100%, pelo que circulação dos comboios em Portugal ficou paralisada.
Ao segundo dia sem comboios a circular, o primeiro-ministro e candidato da AD à Assembleia da República subiu o tom da discussão.
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"O direito à greve não está em causa. Os efeitos da greve é que não podem ser de tal maneira desproporcionais que todos os outros cidadãos tenham uma compressão dos seus direitos.”
“Francamente, um dia vamos ter de pôr cobro a isto. Temos de ter um mecanismo que garanta que o efeito da greve… O direito à greve não está em causa. Os efeitos da greve é que não podem ser de tal maneira desproporcionais que todos os outros cidadãos tenham uma compressão dos seus direitos“, atirou o social-democrata.
Os advogados ouvidos pelo ECO realçam, porém, que esse mecanismo já existe na lei do trabalho: são os serviços mínimos.
“Os serviços mínimos têm esse mesmo objetivo“, frisa o advogado Gonçalo Pinto Ferreira, sócio da Telles. “Os serviços mínimos já visam [esse equilíbrio]“, concorda o advogado José Pedro Anacoreta, sócio da PLMJ. “A lei atual já contém todos os princípios e mecanismos“, corrobora ainda o advogado Pedro da Quitéria Faria, da Antas da Cunha Ecija & Associados.
Tanto Gonçalo Pinto Ferreira, como José Pedro Anacoreta reconhecem que esse mecanismo poderia ser afinado. “Se calhar, seria de encontrar uma forma menos casuística” de definir os serviços mínimos, sugere o sócio da PLMJ. Mas nenhum antecipa que haja condições para o fazer nos próximos tempos. “Tenho muitas dúvidas de que, nos temos mais próximos, se vá regular de forma diferente. Estamos a falar de um direito direito fundamental“, assinala o sócio da Telles.
Tenho muitas dúvidas que, nos temos mais próximos, se vá regular de forma diferente. Estamos a falar de um direito direito fundamental.
Já Pedro da Quitéria Faria vai mais longe e assevera mesmo que “não existe uma necessidade urgente” de alterar a lei, o que, de resto, seria difícil de fazer, avisa.
Em alternativa, destaca que a lei do trabalho prevê que os serviços mínimos fiquem definidos, à partida, no próprio instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, pelo que apela a que se promova “este caminho de diálogo social”. Desta forma, haveria mais previsibilidade e menor necessidade de estar permanentemente a recorrer ao tribunal arbitral, declara o advogado.
Por sua vez, a advogada Madalena Caldeira, sócia da Gómez-Acebo & Pombo, argumenta que há vários casos em que “o que se vê, na prática, é que os serviços mínimos não são cumpridos“, apesar de terem sido definidos. “O não cumprimento deve ser sancionado”, defende a advogada, que reconhece que “a breve trecho é difícil” mexer nestas regras. “É um tema politicamente muitíssimo complexo“, enfatiza.
Sindicatos fecham a porta a mudanças
Entre os muitos sindicatos que convocaram greves na Comboios de Portugal, constam estruturas afetas à CGTP, outras à UGT e outras independentes. Ambas as centrais sindicais já reagiram às declarações de Luís Montenegro, criticando-as duramente e fechando a porta a qualquer mudança à lei da greve.
Da parte da CGTP, o secretário-geral, Tiago Oliveira, afirmou que as declarações em questão constituem “um ataque do Governo ao direito à greve e às conquistas de abril“.
“Sabemos bem qual é o passado do PSD e do CDS. Conhecemos bem aquilo que têm sido as políticas, sabemos bem a quem é que eles respondem e para onde é que eles caminham. E o caminho que está a ser traçado pelo Governo está nas palavras do primeiro-ministro: é o ataque ao direito à greve, o ataque a uma conquista de abril, o ataque aos direitos dos trabalhadores“, afirmou o dirigente sindical, em Setúbal.
Já da parte da UGT, o secretário-geral adjunto, Sérgio Montes, atira em conversa com o ECO que “uma greve é para causar transtorno” e explica que os serviços mínimos já fazem o equilíbrio entre os protestos e os direitos dos demais cidadãos. Deixa ainda claro que, “para a UGT, está completamente fora de questão qualquer alteração à lei da greve“.
Para a UGT, está completamente fora de questão qualquer alteração à lei da greve.
E lembra que, sempre que as greves causam incómodos aos Governos, é comum ser levantada a possibilidade de ajustar a lei. Foi o que aconteceu em 2019, frisa Sérgio Monte, quando os motoristas de matérias perigosas pararam o país.
O então ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, defendeu que fazia sentido pensar nessa lei, que foi desenhada nos anos 1970. O governante viria, contudo, mais tarde esclarecer que, afinal, isso não estava nos planos do Governo.
Também Pedro Nuno Santos, então ministro das Infraestruturas e hoje secretário-geral do PS, admitiu rever a lei (nomeadamente, no que diz respeito aos serviços mínimos) nesse ano, de modo a evitar “situações limite“. Seis anos depois, mostra-se agora veementemente contra as mudanças sinalizadas por Luís Montenegro.
“Estamos a falar de uma greve que parou o país [em 2019], uma greve que impediu o abastecimento de infraestruturas críticas e em que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos. Portanto, estamos a falar de situações completamente diferentes“, esclareceu, entretanto, o socialista.
Como se definem serviços mínimos? E o que falhou na CP?
De acordo com o Código do Trabalho, em empresas ou estabelecimentos para “satisfação de necessidades sociais impreteríveis” (como é o caso dos transportes), os sindicatos devem assegurar a “prestação de serviços mínimos indispensáveis” para salvaguardar essas necessidades.
Esses serviços mínimos podem ser definidos por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores ou, na ausência desse entendimento, o serviço competente do Ministério do Trabalho convoca essas partes para a levar a cabo negociação.
Na falta de acordo (como aconteceu nestas greves na CP), os serviços mínimos são, então, definidos, tratando-se de empresa do setor empresarial do Estado, por tribunal arbitral.
No caso da CP, o tribunal arbitral considerou que a definição de serviços mínimos nas greves de 7, 8 e 9 de maio “corria o sério risco de colocar em perigo a vida e a integridade dos passageiros”, daí que não o tenha feito.
Isto tendo em conta que a CP assumiu que um número reduzido de comboios (nessas datas houve uma coincidência das várias greves, levando a uma paralisação geral dos comboios) “conduziria ao risco de acumulação descontrolada de pessoas nas estações e nos comboios“.
Entre domingo e quarta-feira (dias em que já não há coincidências das greves dos vários sindicatos), há serviços mínimos correspondentes a 25% da circulação, por decisão do tribunal arbitral.
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