“Modernizar, automatizar e eletrificar os portos seria um excelente investimento em Portugal”

Maior desafio para o crescimento da economia azul é o investimento, diz o presidente da The Ocean Foundation, Mark J. Spalding. Depois das obrigações verdes vêm aí as azuis.

A economia azul é a parte da economia dos oceanos que se pode intitular sustentável. Por agora representa cerca de um terço de toda a economia dos oceanos, mas o presidente da norte-americana The Ocean Foundation, Mark J. Spalding, aponta que esta deverá crescer “drasticamente” nas próximas duas décadas, embora veja o investimento como “o maior desafio” a esse desenvolvimento.

A The Ocean Foundation tem trabalhado junto de investidores para alargar o financiamento que é dirigido à economia azul, sendo que Spalding vê nas energias renováveis oceânicas, na pesca e aquicultura e no transporte marítimo o maior potencial. A maior parte do financiamento provém atualmente das próprias empresas, da parte das quais regista” um grande interesse”, ao mesmo tempo que vê nas obrigações azuis uma fonte de financiamento emergente que “pode tornar-se muito, muito importante num curto espaço de tempo”.

Sobre Portugal, vê um potencial “muito mais poderoso do que a dimensão física do país” e considera que seria um bom investimento modernizar e eletrificar os portos, a par da aposta nas energias eólica offshore e das marés. Deixa o recado: “deveria ser dada mais atenção” à economia azul neste canto da Europa.

Qual a dimensão e a maturidade da economia azul neste momento?

A economia azul é um subconjunto de toda a economia dos oceanos. É a parte da economia do oceano que procura ser sustentável. É um termo relativamente novo, que está a crescer. Estamos a tentar medir a sua dimensão e o seu crescimento, mas ainda não é fácil fazê-lo, por se tratar de uma ideia tão recente. Contudo, esperamos que possamos ter um transporte marítimo mais ecológico, portos mais ecológicos e uma pesca mais sustentável como resultado deste esforço.

Quão recente é esta ideia de economia azul?

Tem cerca de 15 anos, talvez 20 anos no máximo. Penso que as primeiras publicações são de 2010.

Qual a sua dimensão?

A dimensão da economia azul é de cerca de 1 bilião de dólares, aproximadamente um terço de toda a economia dos oceanos neste momento.

E como deverá evoluir?

Esperamos que cresça drasticamente nas próximas duas décadas, à medida que as pessoas, as empresas e os requisitos governamentais forem exigindo mais sustentabilidade. O seu crescimento será provavelmente o dobro do PIB [Produto Interno Bruto], o que é muito impressionante. Pensamos que, embora se possam perder alguns postos de trabalho, por exemplo, na prospeção e exploração offshore de petróleo e gás, devido a estas alterações de sustentabilidade, estes serão mais do que compensados pela criação de novos postos de trabalho, novas oportunidades e novos setores.

Quais são as principais áreas da economia azul, atualmente?

A maior área de desenvolvimento atual e de crescimento é a energia renovável nos oceanos. Eólica, de marés e térmica. Pensamos também que a aquicultura e as pescas terão de passar a ser mais sustentáveis, a fim de manterem a sua capacidade de garantir a segurança alimentar e a venda comercial de produtos do mar. Veremos também o transporte marítimo mudar e os portos mudarem, de forma a reduzir as emissões e a aumentar a sua capacidade, para serem mais capazes de fazer o que já estão a fazer, mas de uma forma menos prejudicial.

Então, no limite, a dimensão da economia azul deverá ser igual à economia dos oceanos? Transformando-a integralmente?

Fundamentalmente, sim, gostaríamos que toda a economia oceânica fosse sustentável. Obviamente, há alguns setores, como a exploração de fundos marinhos profundos, que neste momento não vemos qualquer forma de os tornar sustentáveis. Por isso, há algumas exclusões. Mas sim, espero que possamos, com o tempo, reformar e melhorar setores antigos da economia dos oceanos, uma vez que esta tem literalmente 1000 anos de idade. Que haja um desenvolvimento de novos segmentos sustentáveis e que as velhas práticas se tornem sustentáveis, ou, no caso do transporte marítimo, que se readotem as coisas sustentáveis que existiam antes. Quando os navios de Portugal navegavam à vela e ao vento, isso era bastante sustentável. E, ironicamente, estamos a assistir ao regresso do transporte marítimo à vela.

Quando os navios de Portugal navegavam à vela e ao vento, isso era bastante sustentável. E, ironicamente, estamos a assistir ao regresso do transporte marítimo à vela.

Mas pensa que é esse o caminho ou os combustíveis sustentáveis fazem mais sentido?

Idealmente gostaria de ver uma espécie de híbrido. Utilizarmos alguns combustíveis alternativos para entrar e sair do porto e depois, quando estivermos em alto mar, talvez possamos reduzir o uso de combustíveis fósseis ou de qualquer tipo de combustíveis e confiar no vento. Mas tem o sistema de reserva para quando o vento parar.

Quais são os principais desafios que a economia azul enfrenta atualmente para crescer?

O maior desafio para o crescimento da economia azul neste momento é o investimento. É preciso que os governos invistam em investigação e desenvolvimento de base. Precisamos de ver os bancos a pensar em como financiar estes novos projetos, assim como as companhias de seguros, e em como apoiá-los. São tecnologias com as quais não estão familiarizados, exigem que se ultrapasse a resistência, que se ultrapasse o que é familiar. É absolutamente fundamental ultrapassar a resistência à mudança. Mas diria que o investimento financeiro e a I&D [inovação e desenvolvimento] básica são absolutamente essenciais para o sucesso.

O maior desafio para o crescimento da economia azul neste momento é o investimento.

Quais as soluções de financiamento mais interessantes neste momento?

Há um grande movimento para criar o que agora se designa por obrigações azuis. Até à data, só foi lançada “uma mão cheia” destas, mas vão permitir o financiamento por instituições multilaterais, como o Banco Mundial ou o Banco Europeu de Desenvolvimento ou outros bancos, de forma a ajudar os países em desenvolvimento e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento a adotarem práticas de economia azul e de sustentabilidade dos oceanos. Estamos muito entusiasmados com essa via.

É essa a principal fonte de financiamento da economia azul neste momento?

Eu diria que não é a fonte principal, mas é uma fonte emergente. Pode tornar-se muito, muito importante num curto espaço de tempo. E estou muito esperançado quanto a isso.

E qual é a principal fonte? De onde vem agora a maior parte do financiamento?

A maior parte do financiamento provém atualmente das próprias empresas. Empresas cotadas em bolsa e empresas privadas que não são cotadas em bolsa, mas todas são incentivadas a investir em atividades sustentáveis relacionadas com a economia dos oceanos. É aí que estamos a ver um grande esforço neste momento. A minha organização tem aconselhado investidores nas diferentes categorias de financiamento privado e público. E estamos a ter uma receção muito boa. Por isso, penso que estamos a assistir a um grande interesse. O Governo dos EUA e outros governos estão a investir em novas tecnologias para a aquacultura, processamento de peixe, transporte marítimo, entre outras, particularmente algumas das fases iniciais de I&D para ajudar a reduzir o risco destes investimentos, de modo a que possam ser mais confortáveis para os bancos e para a indústria.

Ainda é difícil vender o argumento comercial [business case] da economia azul?

Penso que está a evoluir muito rapidamente. As diferentes partes do mundo são diferentes. A Europa é provavelmente uma das geografias mais avançadas na compreensão e aceitação do conceito de economia azul. A Ásia e o Sudeste Asiático estão lá, mas não tão avançados. Os Estados Unidos demoraram muito mais tempo a adotar o conceito, pelo que estão um pouco atrasados. Depois começamos a entrar nas Caraíbas, na América Latina ou em África, e vemos que está a ser adotada para o crescimento económico, mas nem sempre com o nível de sustentabilidade que queremos ver.

A Europa é provavelmente uma das geografias mais avançadas na compreensão e aceitação do conceito de economia azul.

Referiu que os EUA demoraram um pouco mais a identificar esta oportunidade. Além disso, sabemos que nos EUA, a atual Administração não é grande fã da sustentabilidade. Porque é que já estavam atrasados? E como é que o atual contexto afeta agora a ação dos EUA nesta área e as perspetivas futuras?

As perspetivas futuras continuam a ser boas. As empresas sabem que estão a operar na comunidade internacional e não apenas nos Estados Unidos. Sabem que os seus consumidores querem ver sustentabilidade. Parte da nossa obrigação é convencê-los de que é melhor para os seus resultados, para os seus lucros, fazer o seu trabalho e, ao mesmo tempo, procurar a sustentabilidade. Neste momento, não podemos contar com o Governo dos EUA para desempenhar um papel de incentivo através de regulamentação que ajudaria à sustentabilidade. Na realidade, a atual Administração está a revogar alguns regulamentos com os quais contávamos para a sustentabilidade dos oceanos.

A segunda parte da sua pergunta, sobre a razão pela qual os Estados Unidos demoraram mais tempo a adotar este sistema. Penso que a resposta é que houve tanto empenho por parte do nosso Ministério do Comércio e de outras partes do nosso Governo em apoiar o transporte marítimo e outras indústrias oceânicas que houve resistência em acrescentar uma nova interpretação, um novo aspeto.

O que pensa sobre a economia azul portuguesa? Está bem desenvolvida? Qual é o seu potencial?

Portugal, há uma década, estava muito concentrado em sair das recessões de 2008, estava à procura de um grande crescimento. A União Europeia fez investimentos em infraestruturas em Portugal que foram extremamente úteis — estradas e portos, entre outros. Penso que estes aspetos parecem ter melhorado a economia portuguesa ao longo do tempo, à medida que toda a economia mundial foi saindo das recessões e da pandemia. Penso que Portugal está bem posicionado para ter sucesso devido à sua localização estratégica entre o continente africano, a Europa e a América do Norte. Tem enormes recursos turísticos costeiros e, se a isso juntarmos a história cultural e a ligação às comunidades em que os portugueses se envolveram em todo o mundo, temos um potencial muito mais poderoso do que a dimensão física do país. E tenho a convicção de que é um local interessante para trabalhar no desenvolvimento desta economia, em parte porque há muitas pessoas em Portugal que são empreendedoras e procuram ter sucesso.

Não sei se usaria a expressão ‘estar adormecido’, mas deveria ser dada mais atenção [à economia azul em Portugal].

Qual seria o seu conselho para Portugal sobre a forma de desenvolver a sua economia azul? Em termos de áreas ou formas de o dinamizar?

Penso que Portugal está geograficamente muito bem adaptado e tem uma conectividade que lhe permite ser um porto comercial e um conjunto de portos comerciais. Por isso, modernizar, automatizar e eletrificar os portos seria um excelente conjunto de investimentos devido à localização de Portugal. Penso que a energia eólica e a energia das marés seriam também um ótimo conjunto de investimentos. A pesca industrial portuguesa já é muito grande. O que pode ser feito para o tornar o mais sustentável possível? Que alterações devem ser introduzidas nos navios, nas artes de pesca, nas práticas?

Portugal está a agarrar a oportunidade ou está um pouco adormecido?

A minha impressão é que tem havido muitas questões relacionadas com mudanças na direção política e nos partidos que lideram, à semelhança da nossa situação nos EUA. Felizmente, não é tão mau para Portugal como talvez para nós. E penso que estas coisas significam que o progresso pode ser interrompido. Não sei se usaria a expressão “estar adormecido”, mas deveria ser dada mais atenção. E penso que há outras distrações que impedem que a economia azul receba a atenção que merece.

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