Os partidos que compõem a atual solução governativa "têm revelado uma capacidade de engolir sapos notável atendendo ao que comunicavam e ao que acabaram por fazer", diz António Saraiva.
O presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal critica as reversões de medidas que chegaram ao terreno pelas mãos do Executivo de Passos Coelho, mas entende que o atual Governo já “corrigiu o tiro”.
António Saraiva defende uma maioria parlamentar sólida e acredita que que “as razões que suportam a atual maioria parlamentar” são “irrepetíveis”. E salienta que os partidos que suportam esta solução governativa “têm revelado uma capacidade de engolir sapos notável atendendo ao que comunicavam e ao que acabaram por fazer”. Já a oposição “tem estado muito errática e por vezes ausente da oposição”, adianta ainda.
Sempre que saem dados positivos do desemprego, os números são disputados. A quem podemos atribuir os louros? Esquerda ou direita?
Nisto, como noutras coisas, aos portugueses, não querendo ser político na resposta. Há medidas que não são de efeito imediato. A economia tem comportamentos próprios, desde logo a confiança dos mercados, maior volume de encomendas, maior procura, há um conjunto de fatores que legitimam estes indicadores económicos. Felizmente temos tido preço do petróleo e juros a níveis historicamente baixos, mesmo assim, lamentavelmente, não registamos crescimentos dignos dessa adjetivação.
O mérito é de um conjunto de fatores, uns que foram tomados pelo Governo anterior e outros por este Governo. Este Governo iniciou funções revertendo algumas medidas e provocando reações adversas do mercado no que à confiança respeita. Penso que a ‘Geringonça’ já ganhou credibilidade porque entretanto também corrigiu o tiro. E deixou de estar só focada no maior aumento de rendimento às famílias. Sempre defendemos que as variáveis-chave da economia são o investimento e o aumento das exportações e isto não se faz por estalar de dedos. Aumento as exportações se aumentar a capacidade instalada das minhas empresas, se lhes der condições para serem mais competitivas. Por isso, à sua pergunta, sem querer ser politicamente correto, diria que se deve aos dois. Que a guerra partidária queira chamar a si o mérito é legítimo, faz parte do jogo político. Agora se quisermos ser isentos na análise deve-se a um conjunto de políticas iniciadas no Governo anterior e algumas neste Governo.
Penso que a ‘Geringonça’ já ganhou credibilidade porque, entretanto, também corrigiu o tiro.
A reforma laboral de 2012 tem efeitos nos números, como defende a direita?
Algum terá, nas condições que foram dadas para a economia se desenvolver. Há alguma legitimidade do Governo anterior de dizer que se deve a si. Mas muitos fatores são externos a estas questões. A estabilidade que o país hoje tem, política e social, e a confiança que isso gera aos agentes económicos. E a confiança é palavra-chave para a economia. Há um conjunto de fatores que levam a que Portugal esteja na moda. A nossa afabilidade, gastronomia, clima, segurança, coloca-nos no radar. O boom turístico deve-se a políticas corretas no turismo ou estamos a ser beneficiados? As duas coisas. Há um conjunto de variáveis que se associam para que o emprego hoje seja este que nós temos. Ainda bem que assim é. Mas é mérito do acordo? Então se eu quiser chamar a mim, parceiro social, algum mérito, também digo que tem a ver com a excelente paz social de que somos possuidores.
Disse que o Governo começou por reverter medidas mas que já parece ir por outro caminho. Teme que, com a estrutura atual, tenda a desfazer mais medidas do Governo anterior? O que seria para si uma linha vermelha?
As que já definimos. É evidente que os partidos de esquerda que apoiam o atual Governo têm em pipeline parlamentar a reversão de tudo aquilo que foram as medidas de Pedro Passos Coelho e de alguma maneira plasmadas no acordo social de 2012. Não entendemos esta focalização, a economia portuguesa tem dado provas da sua vitalidade. Prejuízo todos tivemos. É legítimo os sindicatos falarem do prejuízo que os trabalhadores tiveram nos seus salários, condições, mas então e as empresas? O desaparecimento das empresas, o fecho da torneira de acesso a crédito? Não houve um ajustamento brutal? Às vezes os sindicatos e alguns partidos políticos quando falam dos empresários pensam que o país só tem cinco, os emblemáticos. Tomáramos nós que esses cinco, seis, multiplicassem por mil, teríamos outro país seguramente. Mas não. 97% das empresas que nos constituem são micro e pequenas empresas.
Algumas destas reversões foram feitas só para agradar aos partidos mais à esquerda? Para não perder apoio parlamentar?
Diria que no princípio algumas dessas reversões foram legitimadas pelo acordo que suporta este Governo. Mas o Governo em boa hora percebeu que as variáveis-chave, como sempre defendemos, são o investimento e as exportações, corrigiu o tiro, e de facto entre as reversões que se anunciavam e as reversões verificadas, lamentamos as que se fizeram porque as questionamos, mas acho que o Governo em boa hora geriu esse dossiê de forma correta.
Acredita que numa próxima legislatura os acordos de esquerda vão ser mantidos? Ou que o PS conseguiria maioria absoluta?
É difícil responder. As razões que suportam a atual maioria parlamentar diria que são irrepetíveis e os próprios partidos, por razões diversas, a vão mantendo, mas engolindo sapos de dimensão variável, em função dos dossiês. E de facto têm revelado uma capacidade de engolir sapos notável atendendo ao que comunicavam e ao que acabaram por fazer. Faz-me lembrar o Syriza na Grécia, obviamente aqui mais no Bloco de Esquerda do que no PCP. Mas essas condições são irrepetíveis, não sei em termos futuros se essa questão se vai manter.
As razões que suportam a atual maioria parlamentar diria que são irrepetíveis e os próprios partidos, por razões diversas, a vão mantendo, mas engolindo sapos de dimensão variável. E, de facto, têm revelado uma capacidade de engolir sapos notável.
Temos ainda dois anos legislativos pela frente, vai-se passar muita coisa, vamos ter um período autárquico, não creio que daí vá sair grande alteração das máquinas partidárias. Creio que é através dos candidatos independentes que se vai baralhar as lógicas partidárias. Isto para dizer que não vejo que das eleições autárquicas resulte grande fenómeno que catapulte as futuras legislativas. O que vai legitimar as legislativas será muito mais o comportamento dos partidos políticos até lá e aquilo que a sociedade portuguesa tiver de episódios: mais Pedrógão, menos Pedrógão, mais Tancos, menos Tancos, mais ou menos surpresas desagradáveis ou agradáveis, mais indicadores económicos positivos, mais rating que nos possam dar das agências e isso altere taxas de juro.
É mais por aí?
São mais estes fatores que condicionarão resultados legislativos do que propriamente acordos parlamentares desta ou daquela natureza. Estou convencido que o PS vai querer ter condições para não estar tão refém como está hoje de dois parceiros. Se puder só estar de um, independentemente de qual, tanto melhor, e se puder estar sozinho melhor ainda.
Avaliando estes dois anos de Governo e algumas matérias que têm de ser negociadas com PC e Bloco de Esquerda permanentemente, com o que isso leva de desgaste, de necessidade de conciliações, não sei se uma maioria que o PS tivesse obtido — ou o PSD, uma maioria de um partido — se não estaríamos melhor, porque mesmo a coligação anterior PSD/CDS, entre o que era público e silenciado, aquele Governo não teve vida fácil. O episódio Paulo Portas e o irrevogável, que é o que nos lembramos bem, aquela coligação também não teve tempos fáceis, houve necessidade de sapos engolidos por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas e seus ministros. As coligações não são fáceis e por isso não sei… As reformas que o país necessita exigem uma maioria parlamentar sólida. Venha ela do bloco central ou do partido único, que depois consiga conquistar os dois terços para as reformas. Se não tivermos essa estabilidade parlamentar há reformas que são adiadas e que minam o crescimento económico.
A direita tem sido boa oposição?
Acho que tem estado errática na oposição. Tem estado muito errática e por vezes ausente da oposição.
Mas porquê? Falha os temas, não comunica bem, não escolhe os timings adequados?
Tenho-os achado muito erráticos, mais obviamente o PSD. Foi o partido mais votado e por isso tem acrescidas responsabilidades. A discussão primeiro do Orçamento do Estado para 2016, o errático posicionamento que tem tido, e de que me recordo desde logo a TSU e que até hoje estou para perceber… Na minha avaliação, muito errática e ausente.
Olhando agora para as empresas, os bancos já estão a dar um nível sustentado de financiamento?
Não. Cupertino Miranda dizia que os bancos emprestam dinheiro a quem provar possuí-lo e isso não se alterou. As boas empresas, as que praticamente não precisam de acesso a financiamento têm-no. Fácil, barato. Porque não têm risco. Os bancos deixaram de ser um parceiro de risco. E a atividade empresarial é uma atividade de risco, o empresário arrisca todos os dias.
Mas não melhorou agora?
Não, a perceção de risco na banca é muito fina. Também tem regras diferentes, hoje há um conjunto de regras de supervisão, regulação bancária, que inibe algumas práticas que anteriormente existiam, acho que se foi longe demais nessas regras e nessa supervisão, que há um excesso de regulamentação como há noutras atividades. Na minha avaliação, a banca continua a ser um parceiro ausente no risco.
Está preocupado com a banca portuguesa em mãos estrangeiras?
Deixa-me apreensivo. Quando participo em reuniões com os meus congéneres desde logo espanhóis… Estive há dois meses numa cimeira ibero-americana e percebo que a banca espanhola — Santander, Bilbao — apoia de várias formas as empresas espanholas e vejo empresas portuguesas a serem dificultadas e às vezes preteridas nas garantias que não conseguem obter porque a banca portuguesa não é reconhecida, na dificuldade de obter linhas desta e daquela natureza, nos parceiros financeiros que não conseguem levar para determinadas obras onde é necessário levar algum financiamento.
Como se muda isto?
É a pergunta de um milhão.
Mesmo com a economia a melhorar esse caminho não está a ser feito?
A banca não arrisca nada. Não é um parceiro de risco, é um parceiro ótimo sem risco.
Não vê isso melhorar nos próximos tempos?
Não tenho visto melhorar e não tenho expectativas…
E olhando para o programa Capitalizar, cujo objetivo era precisamente capitalizar empresas…
É através dessas medidas que alimentamos alguma expectativa e por isso fomos dos que subscreveram uma instituição financeira de desenvolvimento, vulgo banco de fomento, porque desejávamos que através dessa entidade as pequenas e médias empresas pudessem ter um parceiro financeiro para, com algum risco, poderem desenvolver-se, mas o atraso enorme que tudo isso sofreu…
Que avaliação faz do programa?
A medida é virtuosa, apareceu com algum atraso, nos últimos tempos tem vindo a dar provas de dinamismo, ainda não podemos fazer uma avaliação criteriosa. Gostaria que rapidamente fosse encontrada uma solução para o malparado numa perspetiva de resolver os problemas das empresas em incumprimento sem as levar à insolvência, resolvendo também o problema da banca em relação a esse crédito. Estou espectável que também aí se encontre rapidamente uma solução, porque também vai salvar empresas no corredor da morte. Essas empresas são, algumas, projetos viáveis que merecem ser olhados com outros olhos e ter oportunidade para se viabilizarem até porque aquilo que levou ao incumprimento deve ser avaliado. Muitas vezes há dívidas de Estado que levaram a dificuldades de tesouraria e a partir daí é uma espiral.
Está a fazer pressão junto do Governo?
Estou.
Como avalia o papel do Presidente da República?
Pela positiva. Trouxe à sociedade portuguesa uma característica fundamental. O último tempo de governação de Pedro Passos Coelho, o programa de ajustamento que tínhamos sofrido, as medias da troika e depois a solução governativa e que gorou as expectativas de uns e baralhou os dados a outros — a sociedade portuguesa estava um pouco crispada, sem soluções, sem rumo, muito tensa, e o senhor Presidente da República, nesta política de afetos, veio descomprimir. A sociedade está hoje muito mais descomprimida, não há crispação. E esse papel é único e é dele. Depois tem gerido habilmente alguns dos dossiês e tem contribuído para a estabilidade política e social de uma forma louvável com uma característica pessoal única: concorre com Deus, está em todo o lado ao mesmo tempo, com uma energia invejável, não sei como consegue esta performance mas avalio positivamente.
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A direita “tem estado muito errática e por vezes ausente da oposição”
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