Funcionários falam em “família”. Autoeuropa em “crescimento”
Os trabalhadores da Autoeuropa queixam-se das mudanças de horário propostas e de piores condições de trabalho. A empresa, ao ECO, garante que está a melhorar as condições de trabalho.
Anabela está há 20 anos na Autoeuropa, e encolhe os ombros a trabalhar ao sábado esporadicamente. “Eu já passei por quatro lançamentos”, explica a trabalhadora ao ECO. “Sempre se fizeram carros, e sempre se trabalharam sábados e domingos se necessário”. Então porquê a greve inédita que, pela primeira vez na história da fábrica, paralisa o campo industrial de Palmela contra a proposta da administração? Para Anabela, a questão é clara: “Eu tenho quase 50 anos. Não me imagino a trabalhar para sempre obrigatoriamente aos sábados”.
Ao ECO, quatro trabalhadores da Autoeuropa que já têm anos de casa afirmaram ter visto uma deterioração das condições de trabalho nos últimos anos, e não quiseram falar de ingerências políticas de sindicatos ou partidos no que acreditam ser uma questão da empresa. A Autoeuropa responde com o crescimento da empresa e a chegada do novo modelo, e diz que está a investir para melhorar as condições de trabalho.
“Para qualquer trabalhador, perder um dia de trabalho não é bom. A qualquer um de nós nos custa”, continua Anabela, sobre a greve. “Ao longo de 25 anos que a fábrica existe, é a primeira vez que vai fazer uma greve por motivos internos”. E o que a empurra a tal? Para a trabalhadora, a Comissão de Trabalhadores agora demissionária fez um trabalho fraco a defender os interesses dos funcionários. “Acabaram por ir só ao encontro das exigências da empresa”, acrescenta.
Em poucas palavras, resume Filipe, que está na Autoeuropa desde 1994, “o sindicato sempre, desde o primeiro dia, existiu na Autoeuropa. Eu no final do primeiro ano sindicalizei-me e durante muitos anos fui sindicalizado”. No entanto, os sindicatos serviam de pouco visto que a Comissão de Trabalhadores foi, durante todo este tempo, a principal ligação com a administração. Liderada pelo bloquista António Chora até janeiro deste ano, a Comissão de Trabalhadores mudou de direção com a reforma de Chora e passou a negociar com a administração um plano de mudança de horários e turnos que obrigaria a todos os trabalhadores a trabalhar ao sábado, com um aumento de 175 euros mensais, assim como a trabalhar em três turnos, com um novo turno à noite. O pré-acordo conseguido por essa Comissão de Trabalhadores foi reprovado por uma grande maioria dos trabalhadores, e a CT acabou por se demitir.
“A Comissão de Trabalhadores não nos ajudou como deveria”, explica Maria, que está há 17 anos na fábrica. “Tentou mas não conseguiu. E está mandar para cima dos sindicatos aquilo por que ela própria foi responsável, já que foi a CT com os sindicatos que fez o pré-aviso de greve”.
Os sábados para 300 famílias
Quais os principais problemas que os trabalhadores identificam com o pré-acordo que foi rejeitado? Para Maria, é o trabalho aos sábados. “Tenho o meu marido também a trabalhar na Autoeuropa, onde fazemos turnos separados para podermos cuidar do nosso filho pequeno. Também pago ATL para o poder ir buscar no fim da escola, e ao fim de semana já não tenho onde o deixar”, explica a trabalhadora ao ECO. Maria vê o marido apenas ao fim de semana, e se começarem a trabalhar ao sábado “as folgas que o meu marido irá ter não vão bater certo com as minhas”. E resume: “Eu com os novos horários deixo de ter família”.
Maria diz que não é a única. “São mais de 300 famílias nesta situação, em turnos trocados para podermos cuidar dos nossos filhos”, disse. O ECO tentou confirmar este número com a Autoeuropa, mas não obteve resposta.
"São mais de 300 famílias nesta situação, em turnos trocados para podermos cuidar dos nossos filhos.”
Questionada sobre se haveria planos para acomodar as situações deste tipo de famílias, fonte da Autoeuropa respondeu: “A Volkswagen Autoeuropa está a analisar todas estas situações e a procurar a melhor solução para cada caso juntamente com os colaboradores afetados. Neste sentido, foi lançado um endereço de correio eletrónico denominado “Sabermais” precisamente para responder a dúvidas e preocupações dos trabalhadores sobre o novo modelo laboral”.
Os trabalhadores que falaram ao ECO ressalvaram que “não se recusam a trabalhar ao sábado ou ao domingo quando for necessário”, como explica Anabela, mas pedem “a não obrigatoriedade constante e uma compensação justa por esse trabalho excessivo”.
As condições de trabalho deterioraram-se?
Para Ana Cruz, que está na Autoeuropa há 25 anos, as condições de trabalho têm ficado piores, o que exacerba os ânimos dos trabalhadores. “Da linha de produção ao bebedouro de água são dois metros, e eu não estaria a mentir se lhe dissesse que as pessoas estão na linha de produção e não têm tempo de ir beber um copo de água. Ou bebemos água ou fazemos o carro”, afirma. “Estamos neste ponto”.
Outros dos trabalhadores que falaram ao ECO confirmaram estas dificuldades de trabalho, que consideram estar a ficar pior. “Não temos condições”, diz Anabela. “Queremos ir à casa de banho, temos que estar à espera que alguém da equipa substitua. Temos sete minutos para lanchar, comer e voltar ao trabalho antes de a linha começar a andar. Tens meia hora para almoçar — disto ninguém fala”.
Contactada pelo ECO, a Autoeuropa respondeu que “as pausas dos trabalhadores durante os turnos de trabalho estão regulamentadas entre a administração da Volkswagen Autoeuropa e a Comissão de Trabalhadores, e são as mesmas desde o início de laboração da fábrica. O período dessas pausas decorre durante o turno, para além do horário de refeição”.
Anabela e Filipe, ambos trabalhadores com mais de duas décadas de experiência na Autoeuropa, disseram ao ECO que identificavam o maior ritmo de trabalho — e menores condições para repouso — com a vinda do atual administrador da Autoeuropa, Miguel Sanches, que “fez isto já no México”, diz Anabela. Para Filipe, “deixou de haver a disciplina alemã e o rigor económico alemão e que até então era o estilo da fábrica. A partir dessa altura começou a descambar”.
"A Volkswagen Autoeuropa tem vindo a investir continuamente em ergonomia e na melhoria das condições de trabalho.”
Para a Autoeuropa, confrontada com estas acusações, a chegada do novo administrador tem outro significado. “A chegada do novo director-geral à Volkswagen Autoeuropa coincide com o período de maior crescimento da fábrica e de lançamento do novo modelo“, escreveu ao ECO fonte oficial, sobre o modelo T-Roc que vai ser fabricado em Palmela. E acrescentou: “A Volkswagen Autoeuropa tem vindo a investir continuamente em ergonomia e na melhoria das condições de trabalho“.
A paz social sempre esteve na Autoeuropa. A que custo?
Anabela diz que a paz social pela qual a Autoeuropa é conhecida sempre incluiu acordos em que os trabalhadores aceitavam menos regalias em troca de outros benefícios: “pelo bem da empresa, pelo bem do trabalho da região”. Para Filipe, “uma das bandeiras da empresa era estar dois ou três anos sem aumentos em prol do emprego, metendo mais pessoas. Agora continua a mesma conversa, que é o emprego de mais 2.000 pessoas”. A Autoeuropa garantiu que prevê contratar 2.000 novos trabalhadores para a fábrica de Palmela, incluindo 750 que já foram integrados.
Os trabalhadores têm saudades do líder histórico António Chora, que à frente da Comissão de Trabalhadores nunca convocou qualquer greve? Para Ana Cruz, “António Chora era mais imparcial. É claro que sabemos que numa comissão de trabalhadores não podia abrir guerra com a administração. Mas esta comissão de trabalhadores agora, fez o contrário: a administração diz [qualquer coisa] e eles acenaram a cabeça, ‘sim senhor’. Mas sem nós, não há carros”.
Também para Filipe, na Autoeuropa desde 1994, “António Chora era um bom falante e um bom negociador, apesar de algumas pessoas incluindo eu não estarmos de acordo com ele. Mas a paz social sempre existiu”, acrescentou. E será que as coisas teriam sido diferentes com Chora nas rédeas, como o próprio afirmou? “Se me faz a pergunta diretamente acredito que sim, mas não acredito muito”, responde Filipe.
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