A autarquia do PS (quase) sem dívida criticada pelo PSD e BE
Há praticamente 30 anos gerida pelo Partido Socialista, a Mealhada é o município com o menor índice de dívida. A oposição critica a opção, acusando o executivo de prejudicar os serviços públicos.
A Mealhada é o município com o melhor índice de dívida total, segundo o Anuário Financeiro dos Municípios de 2016. O atual executivo socialista quer ir ainda mais longe, atingido zero euros de dívida, tal como já registou em 2013 e 2014. No entanto, não é imune às críticas da oposição: os oponentes às autárquicas elencam outros tipos de custos que os cidadãos tiveram de comportar derivado da inexistência de dívida.
Este município do distrito de Aveiro é ainda o que tem menor passivo por habitante. A média nacional é de 654 euros. Contudo, nesta autarquia do distrito de Aveiro, se todos os habitantes (mais de 20 mil, segundo os Censos de 2011) forem chamados a pagar o passivo, cada um teria de pagar 50,4 euros. Porquê? O atual presidente eleito pelo PS, Rui Marqueiro, justifica a decisão ao ECO: “A determinada altura, num mandato que não o meu, percebeu-se que Portugal ia entrar numa crise difícil, o que abria muitas restrições ao crédito. Iniciou-se uma estratégia de não depender de financiamentos bancários que eram cada vez mais caros dado que também passou a haver mais travões ao endividamento municipal”.
Fonte: Anuário Financeiro dos Municípios 2016
O objetivo de zero euros de dívida só não é atingido, refere Marqueiro, por causa de compromissos de entidades onde o município tem participações. “Há dívidas que são do setor local, nomeadamente da Associação Nacional de Municípios, que nós temos (legalmente) de relevar nas nossas contas”, assinala o socialista. Não há empréstimos bancários. O executivo camarário garante ainda que paga a horas e admite haver uma potencial dívida que ainda está em litígio, mas para qual diz já ter constituído uma provisão.
O que diz a oposição? Tanto a coligação PSD/CDS como o BE estão unidos nas críticas à estratégia da câmara socialista: o município ficou parado nos últimos quatro anos devido à imposição de dívida zero. “A câmara municipal não pode estar constantemente a fazer uma campanha de propaganda a favor de uma ausência de dívida quando ela é provocada pela falta de investimento público no município“, afirma, ao ECO, Dilan Granjo, o candidato bloquista à câmara. O BE aponta como pontos fracos os transportes, o ordenamento do território, os serviços de saúde, a falta de um canil municipal e os edifícios em ruínas.
Já Hugo Silva, o candidato da coligação PSD/CDS/MPT/PPM, acusa o executivo municipal de estar “capturado por uma única bandeira pública que é terem zero euros de dívida e zero euros de custos de financiamento”. “Estamos reféns como município de uma bandeira que, na prática, nos afasta do desenvolvimento”, considera o social-democrata, ao ECO, apontando várias falhas: parque industrial subdesenvolvido, inexistência de mercado de arrendamento, pouca capacidade de atração de novos residentes e empresas, os serviços de saúde e a mobilidade.
A questão dos transportes é levantada por ambos os candidatos como uma das principais falhas do atual executivo. “A câmara diz que qualquer serviço de transportes não seria rentável. É um facto, mas acima da questão da rentabilidade está a qualidade de vida dos munícipes“, argumenta Hugo Silva. Dilan Granjo refere que “só há uma carreira pública de transporte (escolar) para a qual o município paga 1.400 euros por dia no contrato de concessão com a Transdev. Não é, de todo, um bom serviço para os munícipes”.
Apesar de reconhecer que a qualidade de vida do ponto de vista ambiental e acessibilidades mantém-se, Hugo Silva aponta o dedo a Rui Marqueiro por apostar numa “máquina de comunicação” com eventos que “não trazem desenvolvimento económico”: “Vendemos a cara do presidente em vez do destino turístico”, atira, referindo que apostará no turismo e na atração de novas empresas se chegar à presidência. “Historicamente, o PS tem afastado grande investimento”, acusa. O BE vai mais longe: “Se não tivéssemos fundos europeus, não investíamos de todo e o município estaria ainda pior do que está”, conclui Dilan Granjo.
Tanto PSD como BE reconhecem que é necessário manter as contas saudáveis, mas recusam-se a manter a estratégia do atual executivo. “Não entrarei numa competição pelo menor valor de dívida”, promete Hugo Silva, assinalando que essa “guerra” não acrescenta nada à população. A promessa do Bloco é que não irá promover uma “política irresponsável”: “Embora o BE queira mais investimento público, não nos pomos à parte da responsabilidade de manter as contas municipais sãs”, garante Dilan Granjo.
Em 2016, o município tinha 469.473 euros de dívida e cerca de 12 milhões de euros de receita média. Qual a receita? Rui Marqueiro aponta os baixos custos com pessoal — “não há luxos”, garante –, a estratégia de gastar consoante o que se tem e ainda a diversidade de fontes de receita. E, claro, os fundos comunitários ajudam. “A nossa estratégia é não fazermos mais do que aquilo que podemos”, resume. O atual presidente, que se recandidata, admite que “é sempre possível criticar ou elogiar isso”, mas tem uma certeza: “Depois os munícipes é que pagam as más contas”.
O ECO contactou a candidata da coligação CDU, Isabel Lemos, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
O índice de dívida total é o rácio entre a média da receita corrente e a dívida total.
Quem são os outros melhores?
Não é só a Mealhada que regista índices de dívida baixos. Pampilhosa da Serra tem um índice semelhante, acompanhada de perto por outros municípios de pequena e média dimensão.
Fonte: Anuário Financeiro dos Municípios 2016
Entre os municípios de grande dimensão, Sintra foi o município que menor índice de dívida registou em 2016. A autarquia tem uma dívida total de 22 milhões de euros, mas receitas na ordem dos 146 milhões de euros. A dívida total era de 73 milhões de euros em 2014. No caso dos sintrenses, se cada habitante (mais de 377 mil, segundo os Census 2011) fosse chamado a pagar o passivo da autarquia, cada um teria de pagar 68,5 euros.
Na lista dos 50 municípios com menor índice de dívida só aparece mais uma autarquia de grande dimensão. É o caso do Porto onde a dívida total diminuiu de 98 milhões de euros em 2014 para 43 milhões de euros em 2016. No mesmo período, a média da receita corrente continuou estável nos 156 milhões de euros.
Quem são os piores?
Em Portugal, o município que regista o pior índice de dívida é Fornos de Algodres, do distrito da Guarda, que tem menos de cinco mil habitantes. Apesar de a dívida estar a diminuir gradualmente, esta autarquia continua com uma dívida total superior a 28 milhões de euros face aos 4,9 milhões de euros de receita média. Este município, que é de pequena dimensão, é o que tem mais passivo por habitante: cada cidadão teria de pagar 5.717 euros para amortizar o passivo da autarquia.
Fonte: Anuário Financeiro dos Municípios 2016
Entre as autarquias de média dimensão, o Cartaxo, do distrito de Santarém, é o que regista o pior índice. A dívida total é de 46 milhões de euros face a 11 milhões de euros de receita média. O mesmo acontece em Portimão e no Fundão.
Gondomar e Vila Nova de Gaia são os dois municípios de grande dimensão cujo índice é superior a 1,5. Ou seja, a dívida total é 1,5 vezes superior à média da receita corrente. No caso de Gondomar, em 2016, a dívida estava nos 95 milhões de euros face a uma receita média de 57 milhões de euros. Já Vila Nova de Gaia registou 166 milhões de euros de dívida face a uma receita média de 106 milhões de euros.
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