Como os locais: Cidade do Cabo como destino
Isabel Pinto mudou-se há seis anos para a Cidade do Cabo, na África do Sul. Na bagagem levou a família... e a máquina fotográfica.
Se há coisa que, desde o primeiro dia marca a vida de Isabel Pinto na Cidade do Cabo, África do Sul, é variedade cultural. “É para mim uma fonte de inspiração diária”, conta a fotógrafa, em entrevista ao ECO. Seis anos depois de aterrar, de armas e bagagens, na cidade sul-africana, Isabel parece manter o entusiasmo do primeiro dia. “Novas ideias e inspirações têm-me alimentado e feito crescer pessoal e profissionalmente, de modo que não consigo agora imaginar a nossa vida de outra forma”, garante.
À chegada, a família mudou-se para um apartamento mesmo em cima de um restaurante chinês. Ao choque da mudança de paradigma a que Isabel e os filhos estavam habituados em Portugal juntou-se uma autêntica revolução. Foi a construção de toda uma nova vida, novos hábitos, novas pessoas, amigos. Mais tarde, uma casa nova, e todo este mergulhar noutra cultura tem sido uma viagem de adrenalina que ainda não parou”, conta.
Ao mosaico da vida juntou-se uma cidade-mosaico que, de uma simples ida ao supermercado se transforma numa “experiência que alimenta o imaginário, as sensações e a cultura rica pela diversidade”. “Este ecletismo dá uma riqueza e colorido emocional ao quotidiano”, explica, sem explicar bem do que se trata.
Cape Town — a Cidade do Cabo — conta, é assim: é um mosaico cultural, diverso, rico, mas bastante estanque e muito “correto” nas interligações. “A herança do apartheid continua bastante presente e, presumo, levará bastante tempo a mudar uma mentalidade de “entitlement” da parte caucasiana, uma espécie de presunção de que a ordem natural do Universo ilumina mais uns que outros”.
África como regresso às origens
Tendo crescido em Moçambique, voltar era um objetivo para Isabel. “Sempre acalentei o desejo do regresso aquela liberdade, que só quem de lá veio entende. Sempre que tento explicar o que África tem de mágico e envolvente, percebo que só tendo a experiência se entende. Caso contrário é muito difícil perceber, sentir cores, cheiros e sensações que não estão na nossa memória sensorial”, explica, em conversa com o ECO.
"Queria sobretudo que os meus filhos soubessem do que a mãe falava, dessas memórias de liberdade e fantasia, e estava no limite de lhes dar essa vivência, pois o meu filho mais velho estudava já em França.”
A oportunidade não surgiu propriamente, nem por convite nem por uma chance imperdível. Mas o desejo de ir, conjugado com a crise vivida na Europa, serviu de rastilho à aceleração de toda a mudança. “Alguns clientes meus foram à falência, deixando a minha empresa numa situação muito injusta, e percebi que era a porta aberta para finalmente concretizar aquele desejo de mudança que vivia comigo desde que a família tinha vindo para Portugal em 1975”, esclarece.
“Tornou-se óbvio para onde queria ir, qual era o destino desta nova fase das novas vidas. E Cape Town, além de ser uma cidade com uma vibração criativa extraordinária, é também um super destino de service para a Europa, sendo a grande parte dos catálogos da maior parte das marcas de roupa fotografados na cidade”, adianta.
Beleza, não. Educação é que é fundamental
No processo que levou da decisão à mudança, pesou também a existência de um sistema de ensino à medida das necessidades dos dois filhos de Isabel.
“O meu filho mais velho veio de França, onde tinha acabado a licenciatura em Biologia. A namorada tinha acabado hotelaria, e os dois prosseguiram os estudos na universidade de Cape Town. O Francisco tornou-se virologista e continua a trabalhar em parceria com a Universidade enquanto a namorada Lise trabalha num operador de viagens francês. A minha filha, amante dos animais e da Natureza, fez um ano de mato, a viver numa tenda, enquanto tirava o curso de guia de safaris. Voluntariou-se em vários campos de reabilitação animal e esta experiência africana redefiniu-lhe completamente a orientação profissional”, acrescenta Isabel.
Novas ideias e inspirações, tem-me alimentado e feito crescer pessoal e profissionalmente de modo que não consigo agora imaginar a nossa vida de outra forma.
Como, na altura da mudança, o filho mais novo tinha 14 anos, Isabel conta uma “experiência escolar bastante dura”, graças ao sistema escolar “ainda muito vitoriano.
Mas uma das experiências mais marcantes foi poderem assistir às cerimónias de celebração da vida de Nelson Mandela. “Continuam a ser das memórias mais fortes que tenho da nossa nova vida, viver a história é sempre muito forte e, aquele mês, foi extremamente marcante”, recorda.
Talvez porque os últimos seis anos tenham sido uma experiência forte, Isabel conta que desde o início se sentiu em casa. “Para os meus filhos levou o seu tempo, mas penso que, ao fim de um ano, se sentiam já em casa. Fizeram amigos novos e encontraram novas rotinas, novos gostos e o exercício de abertura cultural necessário à integração só os tornou adultos mais livres e abertos à diferença”, assinala.
"A beleza cénica de Cape Town é absolutamente única, “The Mother City”. E ninguém sai igual depois de aqui estar.”
E se Cape Town continua “bastante conservadora” por oposição a Joanesburgo — onde há uma movimentação cultural, social e racial extremamente rica e dinâmica –, “por outro lado há uma nova geração, nascida após 1994, que sintetiza toda uma variedade de referências culturais , num caldo de bastante liberdade, e que está a dar origem a uma geração bastante interessante — diria mesmo única –, pelo sentido de liberdade de espírito que África dá, ligação aos grandes espaços e natureza extremamente poderosa. Enfim, esta nova geração cresce com toda esta riqueza, num espírito de maior abertura e curiosidade à diferença do ‘outro’”.
Agora, se é para ficar? Isabel não sabe, pelo menos por agora. Os preços acessíveis, os mercados alternativos, as quintas vinícolas e a troca de sorrisos com quem passa são fatores que pesam e determinam a continuidade, pelo menos por agora. “Para já, é a nossa casa”.
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