Desigualdade em Portugal? Este indicador faz a prova dos 9
Portugal é um país desigual em rendimentos por território? O senso comum diz-nos que sim, mas agora, graças a um indicador desenvolvido para o prémio Pordata Inovação, há um número que o resume.
Vai de Lisboa? Pode passar por Vendas Novas, Montemor-o-Novo e Arraiolos no caminho para Évora, o município onde os economistas Gertrudes Saúde Guerreiro e António Bento Caleiro trabalham há vários anos no Departamento de Economia da Universidade. O salário médio nestes municípios será muito diferente? E entre o município de Évora e o de Lisboa, ou Lisboa e Freixo de Espada à Cinta? Há 278 municípios no continente, e estes dois economistas desenvolveram um indicador — premiado esta sexta-feira pela Pordata — para medir as desigualdades.
Porquê as desigualdades? Gertrudes Saúde Guerreiro explicou ao ECO que o tema tem estado sempre com ela. “Comecei a trabalhar este tema da desigualdade territorial durante a minha tese de doutoramento”, acrescenta. Este indicador — o Índice de desigualdade territorial nas remunerações médias, para o Portugal continental — foi desenvolvido juntamente com António Bento Caleiro. “Costumamos trabalhar juntos. Eu até sou mais da área da economia regional, o professor Bento Caleiro mais da área da macroeconomia, e juntamos aqui o interesse dos dois”. Quando surgiu o prémio da Pordata, os dois decidiram propor este índice.
Qual é este prémio? O prémio Pordata Inovação serve para procurar indicadores novos, de maneira a “promover e aprofundar o conhecimento da sociedade portuguesa e reforçar a articulação entre a Pordata e os agentes de produção de conhecimento,” de acordo com o que se lê no site oficial. Os investigadores Gertrudes e António levam o prémio deste ano, a terceira edição, pelo indicador que serve para a desigualdade dos rendimentos, entre municípios, num simples número, permitindo analisar a sua evolução ao longo do tempo.
“É um índice que, à partida, as pessoas podem pensar que serve para comparar as regiões, mas não é assim”, explica Gertrudes. “O que é mais importante é a evolução. Dá-nos um panorama da desigualdade territorial”.
Evolução do índice de desigualdade territorial nas remunerações médias
Dados: Pordata.
O índice só se aplica ao continente e a série, que é possível consultar a partir desta sexta-feira no site da Pordata, ainda é curta, mas já permite fazer algumas análises interessantes. Se o índice estiver no zero, significa que todos os municípios portugueses têm o mesmo rendimento médio. Quanto mais o valor aumenta, mais desigualdades existem entre os rendimentos médios.
“É uma síntese”, explica ao ECO a diretora da Pordata, Maria João Valente Rosa, que exemplificou algumas das diferenças que eram visíveis. “Independentemente dos anos, as diferenças são superiores no caso dos homens por comparação às mulheres”, realça, como é visível no gráfico acima. “E com um dado, também me diz se essa diferença está a aumentar ou a diminuir”.
"A crise não teve um efeito óbvio sobre as desigualdades de remuneração no território, nem atenuou nem acentuou.”
“A evolução dos três é muito semelhante”, acrescenta Gertrudes, olhando agora para o tempo, entre 2010 e 2013, em que é possível aceder aos dados no Pordata. “Aquilo que se nota é uma nítida quebra do índice já no pós-2010, pós-crise, e depois subiu entre 2011 e 2012, e agora apresenta novamente uma tendência ligeiramente decrescente”. Para Maria João Valente Rosa, a “pequenina série” permite concluir que “a crise não teve um efeito óbvio sobre as desigualdades de remuneração no território, nem atenuou nem acentuou”.
E para ir mais longe nos dados? “Isso já é um patamar à frente”, explica Maria João Valente Rosa. “E pode levar a explorar os dados que já estão na Pordata”. Numa secção dedicada exclusivamente aos municípios, é possível ver por exemplo que em 2013 o município com a mais alta remuneração média era Oeiras, seguida de Alcochete, Lisboa, Sines e Amadora — todos municípios na Grande Lisboa, o centro.
Onde são mais baixos os salários? Os cinco municípios com a remuneração média mais baixa são Freixo de Espada à Cinta (Bragança), Lousada (Porto), Aguiar da Beira (Guarda), Sátão (Viseu) e Fornos de Algodres (Guarda) — manifestamente mais periféricos. E enquanto em Oeiras, o primeiro, a remuneração média mensal dos trabalhadores por conta de outrem era de 1.404,7 euros, em Fornos de Algodres, o último, era de 593,3 euros.
É a terceira edição deste prémio Inovação
O prémio Pordata Inovação está na sua terceira edição. Nas duas anteriores foram premiados indicadores de vários backgrounds diferentes — desde o emprego nas Administrações Públicas, em 2016, até a um indicador que permitia usar o coeficiente de Gini para medir o desequilíbrios no acesso às consultas médicas.
Maria João Valente Rosa, a diretora da Pordata, explica que o prémio está no centro daquilo que é a missão da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Incentivamos os investigadores, e não só, a contribuírem com indicadores que de algum modo possam acrescentar algo àquilo que já sabemos”, explicou. Um dos critérios é que os indicadores propostos estejam sustentados em dados que já estejam disponíveis na Pordata.
O prémio pode chegar até 2.500 euros por indicador premiado para quem desenvolva indicadores inéditos para concorrer. Gertrudes Saúde Guerreiro e António Bento Caleiro receberam-no esta sexta-feira em Lisboa.
Notícia corrigida às 16.30: Corrige a disciplina de estudo da professora Gertrudes Saúde Guerreiro, que é Economia Regional.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Desigualdade em Portugal? Este indicador faz a prova dos 9
{{ noCommentsLabel }}