O líder do maior sindicato do Ensino Superior afirma que o papel do investimento estatal é insubstituível para uma maior inovação, e preocupa-se com a crescente precariedade no setor.
O maior sindicato do Ensino Superior em Portugal é independente de centrais sindicais e liderado pelo professor Gonçalo Velho, da área da Arqueologia e a doutorar-se, já pela segunda vez, no tema do financiamento do Ensino Superior e da Investigação.
É com preocupação e interesse que o líder do SNESup olha para o que aí vem no Orçamento do Estado para 2018, enquanto decorrem medidas para diminuir a precariedade no Ensino Superior e aumentar o investimento na inovação. O professor no Politécnico de Tomar falou ao ECO sobre a sua visão para um país que é o membro da OCDE que menos investe do seu PIB na Ciência, e os seus receios com uma economia que não está preparada para integrar os doutorados nos seus quadros.
Que tipo de medidas para o Ensino Superior gostaria o SNESUP de ver contempladas no Orçamento do Estado para 2018?
Duas medidas fundamentais: o reforço do financiamento do Ensino Superior e Ciência e o desbloqueio imediato das progressões de carreira. O último relatório da OCDE veio, novamente, a apontar Portugal como o pior país em termos de investimento no Ensino Superior. São precisos 300 milhões de euros para recuperarmos os níveis de há sete anos, sendo que estamos mesmo muito longe das médias europeia e da OCDE.
É também fundamental premiar o mérito. Os docentes e investigadores têm sido verdadeiros heróis a captar financiamento em projetos altamente competitivos. Algumas universidades apresentam já excedentes orçamentais (deverão ser dos poucos organismos públicos em que tal acontece), mas as condições de contratação continuam assentes numa lógica de desvalorização. Isto não pode continuar.
Como antevê que o Orçamento do Estado para 2018 acomode as várias soluções propostas para procurar diminuir a precariedade no Ensino Superior português?
As pessoas ficariam espantadas por saber quão pouco custa terminar com a precariedade. O acréscimo de 20 milhões de euros necessário para converter todas as bolsas de pós-doutoramento em contratos de trabalho é recuperado logo no mesmo ano em contribuições e impostos. Bastaria o excedente orçamental da Universidade de Coimbra para fazer face a esse valor, sendo logo recuperado.
O PREVPAP possui também custos pouco elevados, pois as pessoas já estão nos organismos, permitindo clarificar despesa estrutural. Estamos a falar de dar dignidade a mais de 7.000 pessoas, com custos verdadeiramente mínimos. É vergonhosa a desvalorização promovida pelos dirigentes destes organismos face aos custos. É pactuar com o mal que se faz ao Ensino Superior, à Ciência e ao país.
Qual lhe parece ser a opção mais indesejável que o Governo poderia tomar?
Não apostar efetivamente o investimento no Ensino Superior e Ciência. No ano passado houve uma redução de 1,5% do Orçamento do Ministério, quando o Orçamento previa um aumento de 4%. É inadmissível. Há organismos com sérias dificuldades. Qual o aluno que acredita na valorização do Ensino Superior quando vê docentes e investigadores precários e mal pagos?
O que pode ser mudado para uma melhor absorção dos doutorados na economia?
Há um estudo da European Science Foundation que demonstra que há debilidades nas economias do sul da Europa que fazem com que haja a famosa fuga de cérebros, ou brain drain, para o norte da Europa. E esse estudo da ESF afirma que a razão disto é que a economia do sul da Europa é essencialmente uma economia de serviços. A economia do norte da Europa é uma economia industrializada. Isso faz com que haja estes processos de transferência.
Em Portugal, há um ou dois setores que se conseguiram ligar com o Ensino Superior. Mas quando nós olhamos para o crescimento de um setor como o turismo, em relação à questão de conseguir absorver aqueles que são estes altamente qualificados, doutorados, não consegue criar essas dinâmicas. Há aqui uma diferença entre a realidade económica e a realidade do ensino superior que explica muitos dos problemas que nós temos.
Poderia ajudar se houvesse uma maior relação de proximidade entre a indústria e a Universidade?
Penso que é o contrário. No seu livro O Estado Empreendedor, a economista norte-americana Mariana Mazzucato demonstra que sítios como Sillicon Valley não existem se não houver um desenvolvimento tecnológico que parta essencialmente do sistema científico nacional de cada país. O capital para construir Sillicon Valley não é um capital imediato, tem de ser um capital que ela designa como um “capital paciente”. Tem de ser um capital que saiba que tem espaço para falhar, e é preciso falhar muito [para alcançar grandes sucessos].
"É preciso que o Ensino Superior consiga abrir aquilo que é o novo. E isso requer o tal “capital paciente” e uma estratégia de inovação que é muito diferente daquela que nós seguimos até aqui.”
As empresas não devem orientar o Ensino Superior, porque isso pode fazer efeitos perniciosos como vemos hoje em dia, que é o financiamento ser orientado para aquilo que já existe e não se sai daquilo que já está. É preciso que o Ensino Superior consiga abrir aquilo que é o novo. E isso requer o tal “capital paciente” e uma estratégia de inovação que é muito diferente daquela que nós seguimos até aqui.
Então o papel do Estado é insubstituível?
O Estado tem capacidades que mais nenhum agente tem e deve ajudar o Ensino Superior a transformar a sociedade. Sem o investimento do Estado, sem os fundos públicos, não tínhamos ciência. Éramos absolutamente muito débeis. Sem o Estado, não teríamos o Ensino Superior que temos — a qualidade é reconhecida no setor público. Portugal tem debilidades no setor privado. Essas debilidades só se conseguem ultrapassar se tivermos mais pessoas qualificadas, com uma outra visão e que trabalhem de uma forma diferente…
Na sua opinião, é possível continuar a financiar o Ensino Superior e a investigação e ao mesmo tempo resolver os problemas de precariedade que são tão profundos tanto na docência como na investigação?
Neste momento, o sistema está financiado por 35% custos das famílias, diretos, propinas. Depois temos ainda uma percentagem que é considerável, à volta dos 5 ou 7%, que tem a ver com alojamento e alimentação, que as universidades recebem. Depois temos uma verba muito importante, cada vez mais importante, da União Europeia, de fundos estruturais ou outro financiamento, as bolsas do European Research Council, etc, que estão em subida. Em algumas Universidades podem compor até 20% do orçamento. O restante é o que vem do financiamento do Estado. Olhando para este bolo, Portugal é aquele em que as famílias suportam o maior custo na União Europeia, 35%.
A percentagem é maior porque as nossas universidades estão menos financiadas?
Também é verdade, e também influi, mas a verdade é que ninguém faz tanto pagar as famílias como Portugal. Se olharmos para a questão de quanto estamos a gastar do Estado, em termos de despesa pública, é mínimo. Estamos a gastar 0,8% do OE com o ensino superior. Se olharmos para um gráfico redondo, a fatia do Ensino Superior é mínima, é um cabelinho. Somos os piores de toda a OCDE neste valor. E piores numa escala que, na liga dos últimos, os que ficam ao pé de nós têm 1,5%, que é o dobro. Isto demonstra, quando falamos do subfinanciamento das instituições, por um lado temos esta dinâmica de uma economia baseada em serviços, que é conhecida, e por outro lado temos um subfinanciamento extremo.
A maior parte das pessoas devia ter noção, quando veem agora alguns investigadores muito conhecidos do público em geral a manifestarem-se acerca da questão dos custos, devem ter a ideia como a produção daquela ciência está tão assente sobre bolseiros. Newton escreveu no Principia, “eu sou um anão sobre os ombros de gigantes”. Diria que temos aqui anões sobre os ombros de bolseiros e investigadores precários.
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Sindicato: O maior erro do OE seria não investir no Ensino Superior
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