Empresas portuguesas condenadas a indemnizar trabalhadores na Irlanda cria precedente
O caso de três empresas portuguesas condenadas na Irlanda por pagarem salários abaixo do contratado e descontarem por alojamento e lavandaria é um precedente que desencoraja situações semelhantes.
“Depois de este julgamento estar confirmado e registado, vai ter implicações para outras empresas porque não será preciso ir a julgamento, estabelece um precedente judicial”, disse Maria Manuela Silva, presidente da Associação Portuguesa da Irlanda, à agência Lusa.
O Tribunal de Recurso confirmou a 4 de outubro a sentença do Tribunal Superior [High Court] de março de 2016, quando as empresas Amândio Carvalho SA, Rosas Construtores SA e Gabriel Couto SA, que formavam o consórcio Rac Eire Partnership para uma autoestrada na Irlanda entre 2007 e 2009, condenadas a pagar cerca de 1,2 milhões de euros a um grupo de 27 de trabalhadores portugueses.
Estes tinham-se queixado que as empresas não registavam todas as horas que trabalhavam e que o valor estava abaixo do previamente acordado, além de descontarem automaticamente um serviço de lavandaria e para alojamento que os trabalhadores consideravam inadequado.
A sentença determinou na altura o pagamento de indemnizações, adicionando juros, mas as empresas recorreram por discordar da taxa de juro determinada de 8%, e da obrigação de devolver o custo com alojamento, alegando que estas eram funcionais e tinham um investimento associado.
Na semana passada, um coletivo de três juízes reiteraram que o valor dos juros, cuja taxa de referência oficial baixou em janeiro desde ano para 2%, deveria manter-se por ser aquela aplicável em 2016.
O mesmo tribunal admitiu que as empresas poderão recorrer da parcela relacionada com o alojamento, mas que terão de indemnizar os trabalhadores pelas condições em tiveram de viver durante dois anos.
A acomodação, feita de estruturas pré-fabricadas temporárias, foi descrita como estando sobrelotada e com problemas em termos sanitários.
Na sentença de 4 de outubro, o juiz Gerard Hogan comenta que as situações em causa se assemelham às condições de trabalho precárias impostas durante a Revolução Industrial.
“As questões apresentadas neste recurso têm laivos notoriamente vitorianos e o substrato factual do caso – alegações de deduções ilegais feitas por empregadores de trabalhadores estrangeiros e em geral de baixa educação – seriam familiares aos juízes do final do século XIX”, comenta.
Maria Manuela Silva acompanhou todo o processo nesta última década e recorda as condições precárias de alojamento em que encontrou os trabalhadores portugueses, com esgotos a céu aberto. “O cheiro? Nunca tinha visto, nem em filmes!” – deplorou.
Até agora, as empresas têm protelado o pagamento das indemnizações devido aos recursos consecutivos, mas o próximo julgamento deverá ser o epílogo desta longa batalha judicial. Para já, o resultado é que não há construtoras portuguesas a operar na Irlanda e empresas estrangeiras que ganhem um contrato serão mais cautelosas.
Contratos como este, com valor acordado no país e depois outro aqui, sem entregar cópia na língua nativa, não acredito que existam. Com descontos para lavandaria e alojamento não tenho conhecimento de situações iguais”, garantiu.
A próxima luta, vincou, será a de garantir que os advogados Tom O’Regan & Co e David McGrath, que trabalharam sem cobrar aos trabalhadores, sejam compensados pelo seu trabalho, o que deverá ser garantido pelo pagamento das custas judiciais atribuído às empresas portuguesas.
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