Do OE2005 até ao banco social: a economia por Santana Lopes
Qual é o pensamento económico do candidato à liderança do PSD? Com este mote, o ECO foi à procura das declarações de Santana Lopes que dão pistas sobre o que quer para o país.
É este domingo que Pedro Santana Lopes apresenta a sua candidatura à presidência do PSD. Depois de se ter despedido dos funcionários da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) na sexta-feira, o ex-primeiro-ministro passa a ter como missão convencer os militantes sociais-democratas a votarem em si nas diretas. O ECO reuniu as ideias que marcam o pensamento económico de Santana Lopes.
Um almoço com Marcelo Rebelo de Sousa deu base aos rumores. Um dia depois, Santana Lopes anunciou que seria candidato à liderança dos sociais-democratas, após seis anos à frente da Santa Casa. Mas este foi só o último cargo público que Santana Lopes assumiu — já foi presidente da Câmara de Lisboa e da Figueira da Foz, primeiro-ministro, líder do PSD, presidente do Sporting entre 1995 e 1996, entre outros cargos públicos. Atualmente, é sócio da Global Laywers, ainda que não exerça — segundo o site da Ordem dos Advogados, está inativo.
Através dos seus comentários na SIC Notícias — que partilhava com António Vitorino –, das entrevistas que foi dando ao longo dos anos, das opiniões que assinou e do que já fez no passado, o ECO reuniu as ideias e traçou o pensamento económico de Santana Lopes. Depois de ter sido sondado como um dos candidatos às eleições presidenciais do ano passado, é agora candidato à liderança do PSD. Caracterizado como sendo de centro-direita, o discurso económico de Santana Lopes centra-se no aumento da competitividade e produtividade, na presença do Estado na área da saúde e nas dúvidas relativamente ao euro.
Orçamento do Estado para… 2005 e 2018
Foi pouco o tempo em que Santana Lopes esteve no Governo, mas coincidiu com a elaboração do Orçamento do Estado para 2005, na altura da responsabilidade do ministro das Finanças, Bagão Félix. Ao longo de um discurso que fez no Parlamento, o então primeiro-ministro classificava o OE com “rigor”, mas também “esperança”. Os portugueses tinham passado por um “tratamento de choque” e naquele momento era preciso trabalhar para o futuro, disse.
Santana Lopes queria colocar um ponto final no ciclo de “correção orçamental”, ainda que mantendo-a, iniciando um novo: “o ciclo do crescimento”. Já nessa altura apontava o aumento da produtividade como um “desígnio” de Portugal, mas também já destacava a necessidade de investimento, da qualificação dos portugueses e da modernização dos serviços públicos. Nesta altura, o Governo previa um défice de 2,8% e um crescimento do PIB de 2,4% em 2005.
É essencial que o Orçamento do Estado não assuste os investidores e, logicamente, os investidores externos.
O então líder do Governo criticava a evolução do endividamento das famílias, uma das preocupações que está patente no relatório do OE2005. Classificava, por isso, o documento como um dos mais difíceis dos últimos anos, dado que tinha de “manter a despesa controlada e diminuir gradualmente as despesas extraordinárias”. “Não quero pedir sacrifícios excessivos aos portugueses”, afirmou, para a seguir dizer que iríamos “ultrapassar a crise”.
Doze anos depois, enquanto comentador, Pedro Santana Lopes aproveita a sua análise ao OE para o próximo ano para criticar a quase certa subida da derrama estadual para as empresas com mais de 35 milhões de euros de lucros tributáveis. “É assustador”, classificou num artigo de opinião no Jornal de Negócios, referindo que a medida pode “esmorecer a confiança” e o “entusiasmo” da economia portuguesa. “É essencial que o Orçamento do Estado não assuste os investidores e, logicamente, os investidores externos”, argumenta.
O candidato criticou ainda as alterações que o Governo quer introduzir ao regime simplificado utilizado pelos trabalhadores a recibos verdes. Contudo, também deixou elogios. “Daria nota positiva porque prossegue o esforço de consolidação orçamental. Mas é um Orçamento com sinais muito errados”, sintetizou no seu espaço de opinião na SIC Notícias. “Os trabalhadores portugueses ganham mais com o investimento, a criação do emprego e o crescimento económico do que as meras devoluções de alguns euros às pessoas”, apontou.
Os trabalhadores portugueses ganham mais com o investimento, a criação do emprego e o crescimento económico do que as meras devoluções de alguns euros às pessoas.
Santana Lopes queria ver um saldo primário mais expressivo, superior a 3% (o Governo prevê que seja de 2,6%), para diminuir mais a dívida pública. “Portugal precisa de investimento como de pão para a boca”. O candidato argumentava que a taxa de IRC portuguesa, em comparação com a de Irlanda, por exemplo, dificulta a atração de investidores para o país. “Estamos a caminhar num sentido que me parece errado”, disse, criticando alteração do modelo do crescimento económico da procura externa para a procura interna com foco no consumo interno.
Banca: a entrada da SMCL no Montepio
Enquanto provedor da Santa Casa, Santana Lopes esteve envolvido nas mais recentes decisões nacionais sobre o sistema financeiro. Assim que se soube dos problemas internos do Montepio, começou a especulação com a entrada da Santa Casa no capital do banco controlado pela Associação Mutualista.
“Seria mais aliciante se estivéssemos a construir um verdadeiro banco da economia social”, afirmou Santana Lopes, no final de junho, numa entrevista à Rádio Renascença, referindo que a construção de um projeto desses demoraria um ano. Mas admitiu que “para ser só uma entrada da Santa Casa e de algumas outras misericórdias no Montepio acho muito pouco aliciante, muito pouco aliciante, ou nada mesmo”.
Posteriormente, em declarações ao Expresso, Pedro Santana Lopes afirmou que não há nenhum negócio onde não entre, “desde que venha de fontes legítimas”. “Qualquer atividade económica legítima pode interessar à SCML”, defendeu, referindo que o financiamento até pode vir do petróleo. Na opinião do provedor, “é má gestão não rentabilizar devidamente as disponibilidades financeiras”.
Novo Banco
O social-democrata foi um dos defensores do Novo Banco continuar a ter uma “matriz portuguesa”. Num artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios, Santana Lopes afirmou que o caso do ex-BES “não pode ser nem o Banif nem o BPN”. “O Novo Banco é muito mais importante do que qualquer um desses dois e é essencial para a economia portuguesa”, argumenta, defendendo que a “economia portuguesa, as empresas portuguesas, o setor social português, precisam de um Novo Banco de matriz portuguesa”.
Apesar de reconhecer que não existe capital em Portugal, “se for para comprar o banco pelo dinheiro que outros querem pagar por ele, garanto que há muito quem o possa comprar em Portugal”, considerou na altura. Ainda assim, não era claro se preferiria uma nacionalização, ainda que temporária, em vez da venda ao Lone Star — uma ideia defendida pelo seu principal adversário às diretas, Rui Rio. Mais tarde. Santana Lopes pediu ainda que o banco não fosse “esquartejado” e, por isso, era “melhor não haver venda do que haver uma venda qualquer”. Pedro Santana Lopes chegou a admitir uma nacionalização, caso não houvesse uma alternativa melhor.
A atuação do Banco de Portugal
Santana Lopes tem sido crítico da atuação do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, a começar pela resolução do BES, onde acusa os europeus de utilizarem Portugal como cobaia. “O sistema de supervisão tem funcionado pessimamente e onde ele tem estado é no Banco de Portugal”, afirmava numa entrevista ao DN.
Portugal tem sido recordista nessa matéria, como sabemos, em bancos a irem abaixo.
“Não vou dizer antes dele, porque foi já com Vítor Constâncio e agora com Carlos Costa que começaram a acontecer os desastres no sistema financeiro. Por razões não só nacionais, mas também internacionais, sabemos. Agora, Portugal tem sido recordista nessa matéria, como sabemos, em bancos a irem abaixo”, criticou.
União Europeia, o euro e o BCE
Mas as críticas não se ficam por Portugal. O agora candidato tem uma opinião negativa da União Europeia: “Faz muita asneira, tem feito muito erro, tem adotado soluções regulamentares e outras muito coxas, que têm levado à desgraçada — como sabe, no Tratado de Maastricht e tudo, o que provocou –, com uma moeda única para economias com tão diferentes níveis de desenvolvimento”, sintetiza. “Não podemos abdicar desses poderes, nessa matéria, nem o Banco Central Europeu é capaz de fazer, também, essa supervisão como deve de ser, ao contrário do que muitos podem pensar, que lá por serem estrangeiros — nós temos sempre esta mania que os estrangeiros podem”, chegara a comentar, mostrando as suas dúvidas relativamente à perda de soberania.
É, por estas razões, contra o federalismo e defende que Portugal não se deve entregar aos “braços da ‘bela e sedutora’ Europa, muitas vezes sem sabermos as condições exatas do que aí vem”. Em 2016, no congresso do PSD, dizia mesmo que a “União Europeia está débil e fraca, e por isso precisa de começar um ciclo novo”. E quanto à reestruturação da dívida? Pedro Santana Lopes não se comprometeu quando 75 personalidades defenderam a reestruturação da dívida. Discorda de alguns pontos, concorda com outros, mas admitiu na altura que a posição do Governo não podia ser essa. Em entrevista ao Público, Santana Lopes refere que “os países não se endividaram às escondidas da Europa” e, por isso, diz ser a favor de que a dívida superior a 60% seja mutualizada.
"[A moeda única foi] dar uma bicicleta pior a quem parte de trás e exigir-se que chegue ao mesmo tempo à meta.”
Isso não o impede de criticar muitas vezes a opção de Portugal entrar no euro. “A minha questão é o pecado original de Maastricht — a moeda única. Dar uma bicicleta pior a quem parte de trás e exigir-se que chegue ao mesmo tempo à meta. Disse isto em 2000, com esta mesma imagem da bicicleta”, argumentava. Criticou, assim, a “receita que levou a Europa à crise de hoje” e insiste num ponto a que volta recorrentemente: “Ninguém em Portugal fala do que é o nosso maior défice: a produtividade, que é o outro lado da moeda para ganharmos competitividade“.
As funções do Estado
O ex-Provedor da Santa Casa compreendeu o ajustamento feito ao Estado social nos últimos anos — “é preciso aligeirar o peso do Estado social, não há condições para sustentar o que tínhamos até aqui”, chegou a dizer –, mas continua a ser um defensor da presença do Estado no setor dos cuidados de saúde. “Sou um defensor muito mais acérrimo da presença do Estado na Saúde do que, por exemplo, na educação. Na Saúde o Estado tem de estar lá, não pode falhar”, disse. Por exemplo, em 2004, já enquanto primeiro-ministro, defendeu o pagamento de taxas moderadoras em função dos rendimentos.
"Sou um defensor muito mais acérrimo da presença do Estado na Saúde do que, por exemplo, na educação.”
Santana Lopes concorda com Passos Coelho na ideia de que o país viveu acima das suas possibilidades, muito por culpa do aumento dos salários e do endividamento excessivo. “Tínhamos poupado tanto, tanto, tanto se o país não endeusasse asneiras”, afirmou Santana, aproveitado por criticar em várias intervenções as Parcerias Público-Privadas e as scuts. Ainda assim, considera que “a carga fiscal é muito pesada nos portugueses”.
Para além da saúde, também é visível no discurso do agora candidato uma aposta na cultura. “Temos de apoiar a cultura, não podemos ter os artistas parados”, chegou a dizer.
Os militantes do PSD vão escolher o seu próximo presidente a 13 de janeiro em eleições diretas. O congresso acontece um mês depois em Lisboa.
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