O Orçamento do Estado visto pelo turismo, do 8 ao 80: “inaceitável”, “insuficiente” ou “positivo”?
O aumento do imposto do alojamento local é uma das principais medidas no turismo. Enquanto uns a veem como necessária para acabar com a concorrência desleal, outros consideram-na "inexplicável".
São várias as medidas que o Orçamento do Estado para 2017 reservou para o setor do turismo: desde a reposição do IVA na restauração em 13% — ainda que não para todos os serviços — ao agravamento do imposto sobre o alojamento local, medida que veio gerar grande polémica entre os operadores deste segmento.
As reações não se fizeram esperar. A Confederação do Turismo Português (CTP), a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) e José Theotónio, presidente executivo do Pestana Hotel Group, a maior cadeia hoteleira nacional, têm opiniões muito diferentes sobre o que aguarda do setor no próximo ano.
O IVA a 13%, quando renasce, não é para todos
Ainda não é certo quando (ou se) avança a reposição integral do IVA da restauração nos 13% para todos os serviços de bebidas. Desde 1 de julho deste ano que a reposição abrange os serviços de alimentação e os artigos de cafetaria; de fora continuam os serviços na generalidade das bebidas (bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas com gás), onde o IVA se mantém a 23%.
A proposta de Orçamento do Estado para 2017 faz depender a decisão das conclusões que saírem do grupo de trabalho que está a acompanhar o impacto económico da reposição parcial do IVA nos 13%, mas, para já, não há garantia de que a redução venha a abranger na íntegra todos os serviços da restauração. Mas a mera janela de possibilidade já agrada à AHRESP.
“No que toca à reposição na taxa intermédia do IVA dos serviços de alimentação e bebidas, a AHRESP saúda a possibilidade consagrada no OE, via autorização legislativa, no sentido de virem a ser tomadas medidas complementares que permitam avançar para a inclusão na taxa intermédia de IVA das bebidas ainda não abrangidas, mediante as conclusões do grupo de trabalho responsável pela monitorização dos impactos económicos e sociais dessa tão justa e relevante medida fiscal”.
Esse grupo de trabalho vai apresentar os primeiros resultados da avaliação no primeiro trimestre de 2017.
E o adicional ao IMI, quando nasce, também não
Os prédios destinados à atividade turística, desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino, estão isentos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis, que vai incidir sobre o valor patrimonial tributário global superior a 600 mil euros.
É de saudar a decisão de não aplicar o adicional ao IMI aos imóveis afetos à atividade turística.
Uma exceção que é bem recebida pelo setor. “É de saudar a decisão de não aplicar o adicional ao IMI aos imóveis que estejam afetos à atividade turística“, refere a CTP, na posição relativamente ao Orçamento do Estado para 2017 que enviou às redações. A organização liderada por Francisco Calheiros aplaude, ainda, as “medidas que se destinam a apoiar o crescimento e a capacitação financeira das empresas, nomeadamente, a disponibilização de verbas destinadas ao investimento e a créditos financeiros, a seguros de crédito, caução e os benefícios fiscais para reforços e aumento de capital próprio”.
A confederação considera, por outro lado, que as medidas que visam o corte de despesa do Estado, “condição essencial para o crescimento económico e para uma verdadeira reforma do Estado”, são “insuficientes”. Mais grave para o setor, “lamenta o aumento dos impostos indiretos, que irá refletir-se na procura, levando a uma retração no consumo e ao agravamento dos custos de contexto”.
Alojamento local. Um ataque, ou o fim da concorrência desleal?
Quando ainda não se conhecia a proposta de Orçamento do Estado, o ECO perguntou a 58 empresários o queriam e não queriam ver nesse documento. José Theotónio, presidente executivo do Pestana Hotel Group, foi um dos empresários que o ECO ouviu e, na altura, salientou a necessidade de “medidas que reduzissem a concorrência desleal dentro de setores de atividade”.
Agora que o Orçamento está cá fora, e que já é oficial que a tributação do alojamento local vai passar a incidir sobre 35% dos rendimentos de exploração desta atividade, como se sente José Theotónio? É uma boa medida, mas sabe-lhe a pouco.
É um facto que existe concorrência desleal em matéria fiscal. E essa, com este Orçamento, terminará.
“É um facto que existe concorrência desleal em matéria fiscal. E essa, com este Orçamento, terminará. Mas a questão fiscal não é a única, e muito menos será a principal fonte de concorrência desleal”, começa por dizer ao ECO. Para o CEO do grupo Pestana, a pergunta deveria ser outra: terá sido esta a medida urgente e estrategicamente ideal? “Preferíamos que o nivelamento se tivesse feito por uma redução da carga fiscal para aqueles que mais pagavam e que, obviamente, permitiria um reinvestimento no setor a longo prazo”, sublinha. “Mas, na atual conjuntura, essa redução é um cenário em que tinha muito pouca esperança”, reconhece.
O gestor tem a AHRESP do seu lado, que “regista positivamente” o aumento do imposto. “Essa medida é da maior relevância para manter os incentivos à sustentabilidade das empresas, à legalidade do mercado, à concorrência leal e à complementaridade e diversificação da nossa oferta turística, constituindo ainda um forte estímulo à regeneração urbana“, comenta a associação, que considera que o aumento do imposto, que não chegou aos níveis que foram noticiados, permite que “a tributação incidente sobre o [alojamento local] se mantenha diferenciada da do arrendamento urbano”.
Esta proposta assenta numa visão completamente errada e distorcida desta atividade turística.
Visão bem diferente tem a ALEP. Numa nota publicada no seu site, a associação considera a proposta como “inaceitável”, já que “assenta numa visão completamente errada e distorcida” do alojamento local. “Comparar o alojamento local, que é uma atividade empresarial de prestação de serviços de turismo, ao arrendamento, que é um rendimento passivo de um imóvel, trará um prejuízo tão grande ao setor como o próprio agravamento substancial do imposto”, refere a associação.
O presidente, Eduardo Miranda, diz mesmo que este “será talvez o primeiro caso na Europa onde os particulares e microempresas que estão nesta atividade são alvo de uma concorrência desleal em termos fiscais em relação à hotelaria e aos restantes empreendimentos turísticos”.
Para a ALEP, é “inexplicável” que outros empreendimentos turísticos mantenham um coeficiente de 0,15 no IRS e 0,04 no IRC, enquanto o alojamento local passa para 0,35. “Isto quer dizer, por exemplo, que uma empresa que tenha um apartamento em alojamento local no regime simplificado irá pagar quase nove vezes mais impostos do que uma empresa nas mesmas condições que tenha um apartamento turístico, quando ambas têm uma atividade em tudo similar”, considera.
A ALEP defende, assim, que o alojamento local “deve estar na mesma categoria e coeficiente que a hotelaria e similares“, razão pela qual “vai lutar para que este erro fiscal seja corrigido”.
E tudo o resto que está por resolver
Para José Theotónio, o Orçamento do Estado deixa por resolver “as matérias que mais importam ao setor”. Especificamente, “as condições legais atuais impostas à hotelaria e que não são impostas a outras formas de alojamento turístico”.
O gestor considera que essas condições legais são “excessivamente regulamentadoras” e algumas até “factualmente obsoletas“, retirando a “flexibilidade para a inovação”. Por isso, não é mais legislação para o alojamento local “ou fenómenos equiparados” que defende. O que quer é “uma desregulamentação parcial e uma atualização urgente da atual legislação aplicada à hotelaria”.
“O setor deve ser regulado, não regulamentado“, conclui.
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