Do IRS às contribuições: muda tudo para os recibos verdes?

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 5 Novembro 2017

O Governo quer apresentar este ano o novo regime contributivo dos recibos verdes. E o Orçamento do Estado prevê introduzir mudanças no regime simplificado. O que vem aí?

2018 vai ser o ano de todas as mudanças para os recibos verdes? O novo regime contributivo já está prometido há algum tempo mas ainda não chegou ao terreno. O Governo já disse que quer apresentar as novas regras ainda este ano, mas não há pormenores quanto a prazos de entrada em vigor. As mudanças estão em negociação e pretendem aproximar os descontos destes trabalhadores aos seus rendimentos mais recentes e ajustar a proteção social.

Mais recentemente, os recibos verdes ficaram a saber que também haveria mudanças no regime simplificado de IRS. Elevanta já em janeiro, uma vez que a medida está prevista no Orçamento do Estado para 2018. Se as alterações avançarem como estão há trabalhadores independentes que terão de apresentar despesas para garantir o atual nível de dedução. Mas, entretanto, o primeiro-ministro já admitiu fazer alterações à proposta, reconhecendo que a formulação atual levanta problemas.

O Governo garante que nenhuma destas medidas pretende aumentar os encargos dos trabalhadores independentes. Enquanto o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defende que não haverá aumento de impostos, o ministro do Trabalho garante que “tudo” fará para que “não aumente a carga contributiva”. Já a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, admite que “é completamente impossível dizer que não há aumento para alguns”. Uma constatação que marcou grande parte do primeiro dia de debate que antecedeu a aprovação do Orçamento do Estado na generalidade.

O que muda então? Nada está fechado, mas há linhas gerais que já são conhecidas.

Regime contributivo

O Orçamento do Estado para 2016 já admitia mudanças no regime contributivo dos trabalhadores independentes, que não chegaram ao terreno. Este ano, a lei prevê uma autorização legislativa que o Governo já disse que quer concretizar.

O desenho específico das mudanças ainda não está fechado mas, há um ano atrás, o Bloco de Esquerda revelava que tinha chegado a acordo com o Governo num conjunto de alterações. O que já se sabe?

Contribuições. Os descontos dos trabalhadores independentes deverão ter por base um rendimento relevante mais recente. “O que está equacionado neste momento é olhar para os últimos três meses — os três meses anteriores determinem a contribuição dos três meses seguintes”, afirmou a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, em entrevista ao ECO.

Atualmente, o desconto baseia-se em rendimentos mais distantes. No final do ano, os trabalhadores independentes são enquadrados em escalões contributivos que têm por base o rendimento relevante do ano anterior — em regra, corresponde a 70% do valor total das prestações de serviço ou a 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens (no caso de trabalhadores com contabilidade organizada, corresponde ao lucro tributável quando este é inferior). Conhecido o valor, a Segurança Social posiciona os trabalhadores em escalões que correspondem ao duodécimo daquele rendimento.

A taxa contributiva aplica-se ao valor do escalão. O desconto é de 29,6% para a generalidade dos trabalhadores independentes, 34,75% para empresários em nome individual e 28,3% para produtores agrícolas.

Reduzir descontos. Os trabalhadores independentes têm hoje três oportunidades ao longo do ano para descer ou subir até dois escalões face àquele que lhes foi fixado, descontando assim menos ou mais. Além disto, quando o rendimento relevante anual é inferior a 12 IAS (cerca de 5.055 euros), o trabalhador passa a descontar oficiosamente sobre 50% do IAS (aproximadamente 210 euros), uma espécie de escalão ‘zero’. É sobre este valor que incide depois a taxa.

Dados apresentados pelo ministro Vieira da Silva no Parlamento dão conta de que cerca de 100 mil independentes descontavam, em 2016, pelos dois escalões mais reduzidos e que, por isso, têm direito a uma proteção social “de mínimos”. Cláudia Joaquim já tinha dito, no ano passado, que mais de metade dos trabalhadores independentes estavam enquadrados no escalão ‘zero’.

A opção legislativa é criticada pelo Governo, mas o ministro do Trabalho também já defendeu a existência de “alguma flexibilidade”. De acordo com o Público, a proposta do Governo prevê que o trabalhador possa optar, na declaração trimestral, por aumentar ou diminuir em 20% o valor total da prestação de serviços ou das vendas dos últimos três meses.

Meses sem rendimento. Nos meses sem rendimento, os trabalhadores deverão poder descontar um valor reduzido, até 20 euros, com o objetivo de evitar interrupções na carreira contributiva. Atualmente, os trabalhadores independentes mantêm o nível de desconto (no mínimo cerca de 62 euros) mesmo no período em que não há rendimentos, a não ser que suspendam atividade.

Isenções. Os trabalhadores independentes estão isentos de contribuir num conjunto de situações, nomeadamente quando acumulam recibos verdes com trabalho por conta de outrem em determinadas condições. O Bloco já disse que quer acabar com esta isenção quando estão em causa rendimentos elevados de trabalho independente. A autorização legislativa também prevê novas regras de isenção e de inexistência da obrigação de contribuir, mas ainda não são conhecidos detalhes.

Proteção social. O Governo já disse que quer melhorar a proteção social deste grupo. Atualmente, os trabalhadores independentes só têm direito a subsídio de doença, em regra, após 30 dias de espera e as prestações de desemprego têm regras restritivas.

Entidades contratantes. Atualmente, as chamadas entidades contratantes — responsáveis por 80% dos rendimentos dos trabalhadores independentes não isentos de contribuir — são chamadas a descontar 5% sobre o valor total dos serviços prestados. E estes trabalhadores têm direito a proteção no desemprego em determinadas condições. O Bloco quer aumentar o esforço contributivo das entidades contratantes para que a taxa dos trabalhadores possa recuar. A revisão do regime está na mesa, falta saber em que sentido.

Tendo em conta a nova lógica do regime — que aproxima os descontos ao rendimento relevante mais recente — a secretária de Estado da Segurança Social já afirmou que “é completamente impossível dizer que não haverá aumentos para alguns trabalhadores independentes porque cada caso é um caso”.

Regime simplificado

O regime simplificado de IRS também vai mudar, mas não se sabe exatamente como. Atualmente, e no caso específico dos recibos verdes, o imposto incide sobre 75% do rendimento, sendo os restantes 25% assumidos como despesa (as percentagens variam para outros casos).

Esta lógica deverá mudar. A norma prevista no Orçamento do Estado para 2018, mas que o primeiro-ministro admitiu na quinta-feira alterar, mantém os coeficientes mas, obriga a que nos casos em que é possível conseguir uma dedução superior a 4.104 euros, se apresentem faturas. A redação da norma tem levantado dúvidas, o Governo até já se tinha mostrado disponível para que a redação ficasse mais clara, em sede de especialidade, mas as garantias de só seria necessário apresentar faturas que cobrissem a diferença entre 4.104 euros e 25% do rendimento bruto, para conseguir atingir esta dedução, não chegaram. Fonte oficial das Finanças já revelou que as novas regras só têm efeito em rendimentos acima de 1.600 euros, o que abrange apenas 10% dos poucos mais de um milhão de contribuintes do regime simplificado.

No debate da votação do Orçamento na generalidade ficou clara a oposição tanto da esquerda como da direita à alteração do regime proposto pelo Executivo já que vai implicar um forte agravamento de impostos para alguns grupos de trabalhadores como por exemplo os agricultores. António Costa acabou por admitir que existem problemas abrindo a porta a alterações.

Até aqui, o Governo tinha dito que não haveria aumento de impostos. Em entrevista à TSF, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais questionado sobre os casos em que os trabalhadores não conseguem eventualmente reunir as despesas necessárias respondeu: “Volto a dizer que não acredito que os trabalhadores a recibo verde não tenham 25% de despesas“. Caso contrário, “teríamos vivido uma fraude durante anos”, notou.

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