• Entrevista por:
  • Cristina Oliveira da Silva e Paula Nunes

“É completamente impossível dizer que não haverá aumentos de descontos para alguns” trabalhadores com recibos verdes

O Governo quer apresentar este ano o novo regime contributivo dos recibos verdes. A secretária de Estado da Segurança Social admite que a contribuição pode subir em alguns trimestres e baixar noutros.

Quando o novo regime entrar em vigor, as contribuições dos trabalhadores independentes para a Segurança Social irão aproximar-se dos rendimentos mais recentes. Quer isto dizer que a contribuição deixará de ser a mesma durante todo o ano, como acontece agora quando estes trabalhadores são colocados, anualmente, em escalões contributivos.

Neste novo modelo também está prevista uma contribuição mínima de 20 euros, quando atualmente é de 63 euros, frisa a secretária de Estado da Segurança Social. Por tudo isto, os descontos podem subir ou descer. “Não é possível concluir porque dependerá de cada uma das situações e admito que em alguns trimestres a contribuição apurada seja inferior, que noutros trimestres já seja superior, precisamente porque se fez uma aproximação ao rendimento mais recente”, diz Cláudia Joaquim em entrevista ao ECO.

Paralelamente, o Orçamento do Estado também avança alterações ao regime simplificado de IRS, mas estas distinguem-se do novo regime contributivo que está a ser trabalhado pelo Ministério do Trabalho.

O Governo já disse que quer apresentar este ano o novo regime contributivo dos trabalhadores independentes. Os recibos verdes vão pagar mais?

Há aspetos que ainda não estão fechados. Ainda estamos a fazer simulações e cálculos que influenciam essas questões. A revisão deste regime tal como está pensado é estruturalmente muito complexo porque muda tudo. Houve um primeiro trabalho muito intenso e moroso de estabilização de um modelo. Depois existe um conjunto de outras questões. Temos a questão da adequação da contribuição ao benefício. Porque também é preciso ter presente que a taxa contributiva de equilíbrio está determinada. São os 34,75%.

É o que cobre todas as eventualidades?

Os trabalhadores independentes que são empresários em nome individual têm essa taxa contributiva.

E os restantes não porque não têm subsídio de desemprego…

Os que não são empresários em nome individual têm 29,6% porque é a desagregação da taxa correspondente ao subsídio de desemprego.

Depois há a taxa das entidades contratantes para trabalhadores independentes economicamente dependentes…

Exatamente. Portanto, se olharmos para a desagregação da taxa contributiva, o maior peso tem a ver com uma proteção que é igual nos trabalhadores independentes e restantes trabalhadores.

Está a falar das pensões…

Sim. De invalidez, velhice e morte. E, portanto, uma revisão da taxa a aplicar aos trabalhadores independentes… Vou dar um exemplo: no caso do subsídio por doença, porque a proteção na doença não é a mesma…

Porque só começa aos 30 dias?

Exato. Também estamos a estudar essa parte das prestações sociais, mas vamos admitir, por hipótese, o regime que está neste momento em vigor: a desagregação da taxa por doença é muito baixa. Qualquer ajustamento numa taxa de subsídio por doença não tem impacto significativo na taxa contributiva. Mesmo que se admita que a proteção não é exatamente a mesma. Isto para dizer o quê? Há uma taxa de equilíbrio também para os trabalhadores independentes que não podemos diminuir porque é a sustentabilidade do sistema que está em causa. É claro que isto tem de ser visto em paralelo com outra questão: a proteção que os trabalhadores independentes estão a ter neste momento é mínima.

Estamos a fazer uma aproximação [aos rendimentos reais dos trabalhadores independentes]. O que está equacionado neste momento é três meses – os três meses anteriores determinem a contribuição dos três meses seguintes.

Cláudia Joaquim

Secretária de Estado da Segurança Social

A maior parte desconta pouco…

Mais de 50% é 0,5 do IAS. Estamos a falar de 200 e poucos euros de registo de remunerações. E isto também tem de ser tido em conta. Talvez por isso tenha deixado de haver contestação…

Porque baixou a contribuição?

Houve, de facto, uma diminuição da contribuição, porque passou a ser enquadrado oficiosamente no escalão zero, mas isso tem essa consequência, de uma proteção social que para esses trabalhadores independentes é mínima.

Mas o que diz faz intuir que haverá um aumento do impacto. Pode ser pela base de incidência?

Agora, a base de incidência é o rendimento relevante: os 70% do volume de negócios, não mudam. Mas em função do rendimento relevante, [os trabalhadores independentes] são enquadrados num escalão. O objetivo que se pretende a partir de agora é que uma vez apurado o rendimento relevante, a taxa seja aplicada ao valor.

70% do rendimento mais próximo e não do ano anterior?

Sim, e estamos a fazer uma aproximação. O que está equacionado neste momento é olhar para os últimos três meses — os três meses anteriores determinem a contribuição dos três meses seguintes.

E para que não estejam tão desprotegidos na velhice ou noutras eventualidades, isso não implica descontar mais ao longo da vida?

Sim, mas depois temos mecanismos que temos que equacionar também de modelação, ou seja de opção do próprio trabalhador independente, que até agora se enquadrava num escalão e podia diminuir ou subir o seu escalão.

E poucos seriam os que subiam, pagando mais…

Tendencialmente, diminuíam. Neste mecanismo, há um modelo que não está fechado e, por isso, preferia não avançar muito mais. Mas esta opção de poder diminuir ou aumentar o rendimento relevante de incidência é também uma margem que importa ter em conta.

Vai continuar a haver margem para subir ou descer?

O nosso objetivo é que sim. Ou seja, há um fixo, mas o objetivo é que possa haver uma margem para subir ou descer…

Esta opção de poder diminuir ou aumentar o rendimento relevante de incidência é também uma margem que importa ter em conta.

Cláudia Joaquim

Secretária de Estado da Segurança Social

Mas não descer tanto…

A lógica é diferente. Já passa a ser um valor de remuneração sobre o qual incide uma taxa. Um verdadeiro trabalhador independente pode ter uma grande volatilidade e pode, de facto, optar por, num determinado trimestre — próximos três meses apurados com os três meses anteriores –, fazer contribuições sobre um valor mais baixo e no trimestre seguinte fazer sobre um valor superior. Ou seja, no fundo, permitirmos que haja estas opções em quatro trimestres mas que tenham como consequência aproximar mais aos rendimentos realmente auferidos, com limites, porque há também uma carreira contributiva que importa salvaguardar.

Mas o Governo não está em condições de dizer que não haverá aumento de contribuições para os recibos verdes?

É completamente impossível dizer que não haverá aumentos para alguns trabalhadores independentes porque cada caso é um caso. Até mesmo um trabalhador independente que neste ano está no escalão zero, no próximo pode estar num escalão superior.

Mas num cenário em que nada mudaria no rendimento desta pessoa, o novo regime pode trazer um aumento de contribuições?

Passamos a ter — isso está na autorização legislativa — uma contribuição mínima de 20 euros. Neste momento, a contribuição mínima são 63 euros, para quem está no escalão zero. A aplicação de um modelo que tem uma lógica diferente determinará, até porque passará a haver um pagamento, que pode diferenciar de três em três meses. Portanto, não há uma lógica de durante um ano o pagamento ser exatamente o mesmo.

Não é possível concluir…

Não é possível concluir porque dependerá de cada uma das situações e admito que em alguns trimestres a contribuição apurada seja inferior, que noutros trimestres já seja superior, precisamente porque se fez uma aproximação ao rendimento mais recente.

As entidades contratantes [chamadas a descontar por serem responsáveis por 80% dos rendimentos de um trabalhador independente] vão contribuir mais?

A questão das entidades contratantes ainda está a ser avaliada.

Vão acabar as isenções para quem acumula recibos verdes e trabalho por conta de outrem?

É completamente prematuro falar nisso.

Passamos a ter, isso está na autorização legislativa, uma contribuição mínima de 20 euros. Neste momento, a contribuição mínima são 63 euros, para quem está no escalão zero.

Cláudia Joaquim

Secretária de Estado da Segurança Social

Sobre os incêndios que fustigaram recentemente o país, os apoios têm chegado à população? Ou há alguma coisa que tenha vindo a falhar? Presumo que tenha havido um aumento dos pedidos de prestações…

Tem havido um trabalho no centro distrital de Leiria — estou a falar de Pedrógão Grande –, um trabalho muito forte no terreno que agora se está a replicar noutras situações, através do levantamento de necessidades. O que houve em Pedrógão foi, depois dos primeiros dias de emergência, um acompanhamento das famílias que teve várias ações. A resolução do Conselho de Ministros que se aplicou àquela região em particular permitiu a atribuição de subsídios eventuais adaptados às necessidades, atribuídos por um período maior, apoio até por exemplo a arrendamento. Depois houve os apoios às empresas através de isenções de taxa contributiva, reduções, etc. O que tem vindo a ser feito é uma prioridade na atribuição de prestações sociais, associadas por exemplo a subsídios de funeral ou por morte — situações que estavam sinalizadas — mas também aquelas prestações que têm a ver com situações pobreza: RSI, CSI, abono… houve um trabalho intenso naquele centro distrital para que as decisões fossem o mais céleres possível. Sentimos a determinada altura que poderia haver algumas pessoas em aldeias isoladas e tivemos durante dois meses duas carrinhas que fizeram os percursos pelas aldeias e penso que foi um trabalho de proximidade importante.

Agora, com a vaga mais recente de incêndios, há uma questão diferente que o Governo já assumiu, que é uma abrangência maior.

Muito maior. Foi uma situação em que as respostas nunca são as suficientes mas conseguimos ter uma resposta na generalidade dos concelhos afetados e naquelas horas. Em muitas zonas do país não havia comunicações, na própria noite de domingo não conseguíamos contactar com alguns diretores de centros distritais mas o que verificámos na segunda-feira é que todo o processo — que também foi uma aprendizagem com Pedrógão, de formação a técnicos, de orientação numa situação de catástrofe — teve de facto um efeito. Os técnicos e os serviços da Segurança Social abriram os postos de atendimento, foram preenchendo as fichas de sinalização. Acho que houve um processo que reconheço que provavelmente não foi o suficiente por parte da Segurança Social mas houve uma atitude logo e uma proximidade.

  • Cristina Oliveira da Silva
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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