Lopes Pereira, candidato a bastonário da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) defende uma racionalização de custos da Ordem e diz que a dívida de 10 milhões de euros tem que ser paga.
O candidato a bastonário quer uma relação de maior proximidade com a Autoridade Tributária e defende penalizações para quem incorra em incumprimento da lei. Promete arrumar a casa a nível interno, com um corte de custos, e quer que o bastonário seja contido nas suas aparições, para que fale apenas quando é de “facto importante“. As eleições para a liderança da OCC decorrem a 20 de dezembro e contam com quatro listas.
O que é preciso mudar na Ordem? A sua eleição é de continuidade?
Não é de continuidade, embora o nosso lema seja “honrar o passado, construir o futuro”. Não é rutura completa, porque a leitura que fazemos é a de que, se analisarmos o que era a profissão antes e o que é agora, os atos próprios que não tínhamos e os atos próprios que temos, o prestigio que tínhamos e o que temos, temos que concluir que houve muitas coisas bem feitas. Não podemos apagar esse passado, também não há futuro sem termos a história do passado.
Quais os maiores problemas que a Ordem enfrenta?
A Ordem tem problemas internos e externos. Na questão interna, temos que racionalizar meios, acabar com custos ociosos e dar uma dinâmica diferente sem esquecer aquilo que é o objetivo principal de uma Ordem, e que é servir bem os seus membros. É isso que temos que fazer e para isso temos que pagar a dívida que temos e que é muito grande: são cerca de 10 milhões de euros.
Qual é o orçamento da Ordem?
Para o exercício de 2017, foi cerca de 20 milhões de euros, e os custos são quase equivalentes. Este orçamento comprometeu cerca de seis milhões de euros para formação e isto conduz-nos a um outro problema e a um outro desafio, e que é acabar com os lóbis da formação que estão instituídos.
Mas considera que os seis milhões de euros foram mal gastos?
Não são muito bem afetados. Desses seis milhões, cerca de quatro eram afetos a formação daquilo a que chamam um contabilista público, e que eu insisto em dizer que é um contabilista certificado em funções públicas. Parece a mesma coisa, mas não é. Foi um gasto previsional de retorno muito duvidoso, é um gasto sem retorno direto para os contabilistas certificados inscritos na Ordem.
Este orçamento comprometeu cerca de seis milhões de euros para formação e isto conduz-nos a um outro problema e a um outro desafio, e que é acabar com os lóbis da formação que estão instituídos.
Defende, portanto, um corte de custos? Como é que isso se faz?
Há muitas maneiras de racionalizar os gastos da Ordem porque há muitos gastos ociosos. E há um facto indesmentível: a dívida tem que ser paga. Sabemos bem onde cortar. Foi feita recentemente uma formação a nível nacional; costumava fazer-se no centro de exposições de Braga, que está em obras, então alugaram-se salas num hotel, durante três dias seguidos, pagou-se a três formadores, e eu pergunto, porque é que não se fez no Multiusos de Guimarães? Mas há mais, há parcerias, há subsídios que são pagos a escolas, há eventos que se fazem com outras instituições que são de muito duvidoso retorno para a profissão.
Acha que a profissão tem vindo a perder qualidade ou prestígio?
No último ano, sim, por ausência de liderança.
Mas é reversível?
Claro que é, não é um ano que destrói uma reputação de anos.
E porque é que acha que essa qualidade ou esse prestígio se tem degradado?
Porque as pessoas não estavam preparadas para o exercício de funções de liderança. O maior problema do bastonário Domingues de Azevedo foi não ter sabido responder aos apelos que lhe foram feitos nas últimas eleições, e digo isto com todo à-vontade porque disse-lhe, na altura, que era preciso começar a preparar um elenco capaz de dar sequência ao trabalho na Ordem. Não gosto de ter razão por estes fatores, mas a verdade é que acabei por ter razão. Faz algum sentido que a vice-presidente que assumiu o lugar de bastonária, por via da morte [de Domingues de Azevedo], agora concorra como vice-presidente da assessora? Não faz sentido nenhum, só faz sentido porque as pessoas não estavam preparadas.
Concorda com a teoria de que é preciso elevar a qualidade dentro da Ordem e da profissão?
Claro, há duas coisas que temos que separar. Um primeiro patamar, uma liderança forte é uma liderança que tem projeto e que não se verga aos grupos de interesses, venham eles de onde vierem. Que tem uma atitude serena e firme com a Autoridade Tributária (AT).
Mas acha que é preciso ter uma relação mais próxima com a AT?
A relação tem que ser próxima, mas tem que ter este binómio: serena e firme. A AT é a tutela e ninguém vence uma guerra com a AT, ninguém ganha, nem os lóbis cá de fora ganham. Então a única atitude inteligente é ser capaz de dialogar no gabinete, no silêncio dos corredores. E essa proximidade faz-se ganhando confiança entre as partes.
Quais são as linhas programáticas do seu programa para os próximos quatro anos?
Temos duas áreas distintas, uma é a restruturação interna, doa a quem doer, não estou a falar de despedir pessoal, nada disso, estou a falar de alocação mais inteligente dos meios e dos quadros técnicos que temos.
Mas haverá lugar a saídas?
Não. Todos ainda não somos suficientes para prestar um bom serviço. Temos um problema de relação com a AT que, como já vimos, tem que ser serena, mas tem que haver uma relação mais firme. Propomos ao nível interno uma melhoria significativa do consultório interno, porque hoje é difícil colocar uma questão técnica à Ordem. Ou são os telefones, ou são os técnicos, há sempre uma razão para não haver uma resposta pelo menos tão célere. Nesta profissão os problemas são sempre novos, a contabilidade tem que se ajustar e a fiscalidade é uma panóplia de leis.
Diz também que os honorários são um problema.
Há um problema que temos, que tem a ver com os honorários. Há de facto um nível de honorários muito baixos na profissão. Um resulta da qualidade da prestação de serviço, que não é igual para todos. De facto, ainda há um grupo muito significativo que não cumpre com o nosso estatuto e que acaba por fazer concorrência desleal. Os preços devem ter a ver mais com a responsabilidade que se assume quando se é contabilista certificado de uma empresa, seja ela grande ou pequena. Há desde logo um grau de responsabilidade, e esse grau de responsabilidade tem que ser pago, e depois naturalmente há um trabalho que se tem que prestar. E é aqui que há um grau de divergência e que permite que haja quem pratique um preço muito baixo, porque não cumpre.
A relação [com a Autoridade Tributária] tem que ser próxima, mas tem que ter este binómio: serena e firme. A AT é a tutela e ninguém vence uma guerra com a AT, ninguém ganha, nem os lóbis cá de fora ganham, então a única atitude inteligente é ser capaz de dialogar no gabinete, no silêncio dos corredores. E essa proximidade faz-se ganhando confiança entre as partes
Quem não cumpre a lei devia ser mais penalizado?
Naturalmente, um dos grandes problemas que a Ordem teve até hoje, e nesse particular, nessa questão concreta, foi nunca ter sido capaz de aplicar sanções aos incumpridores sistemáticos e reiterados que nós próprios, no controlo de qualidade, encontrávamos.
Portanto está disposto a penalizar…
Estou disposto a reformular o controlo de qualidade, adequá-lo a uma realidade nova com toda a experiência colhida ao longo destes quase dez anos, mas naturalmente aplicar a lei no caso dos incumprimentos reiterados, sobretudo devido a duas razões. A primeira razão é porque um mau serviço, uma fraca qualidade, faz com que os contabilistas não consigam atingir o grau de notoriedade pública que devem ter, e por outro lado, provocam concorrência desleal, e por isso mesmo são eticamente responsáveis.
A questão do preço de que falava não tem também a ver com o facto de existirem contabilistas a mais?
Esse é um problema muito sério e até complicado. Estamos metidos num mercado global. Para ser contabilista profissional tem que estar inscrito na Ordem, nós temos cerca de 70 mil inscritos. É muito, é. A exercer estamos cerca de 35 mil, mas nós estamos no mercado e o mercado tem regras. Não podemos ultrapassar as regras, porque senão, a Autoridade da Concorrência penaliza-nos como já foi o caso. O que é que temos que fazer? Temos que alertar os jovens e até as próprias escolas que isto tem limites, se isto não for feito, vão muitos jovens para o desemprego. As escolas também têm aqui um papel muito importante, eu sei que é fácil fazer cursos de esferográfica, bloco de notas e computador, mas o problema não se coloca nestes termos, mas sim em separar o trigo do joio, a qualidade é outra coisa diferente.
O que pensa do regime simplificado de IRS que está no Orçamento de Estado?
Enquanto candidato a bastonário a minha posição é muito simples e muito clara. As matérias de natureza fiscal são da competência dos governos e à Ordem não compete em público manifestar-se. É isso que eu faço.
E sobre o aumento da derrama para as grandes empresas?
Não discuto, discuto é de que forma é que isso vai ser aplicado e de que forma é que os contabilistas vão ter que dar resposta. Isso é que eu discuto.
Mas os contabilistas vão ter que dar resposta a estas duas situações?
Vamos ver qual vai ser a forma como vai ser exigido o tratamento disto, e é bom que todas as pessoas percebam que as matérias de orientação de política fiscal competem aos governos. Hoje é o Partido Socialista, ontem era o PSD: temos que dialogar com todos. Podemos é fazer outra coisa, temos um gabinete de estudos e este pode produzir estudos sobre esta matéria.
Está confiante na vitória?
Claro. Penso que ninguém ganha à primeira volta. Os órgãos nacionais, à exceção do bastonário e do conselho diretivo, são eleitos à primeira volta com maioria simples; o conselho diretivo e o bastonário são eleitos com pelo menos 50%. Ora eu vou à segunda volta e vou ganhar na segunda volta. Uma das diferenças que temos face às outras listas são os custos comedidos com a campanha. Requisitamos as instalações da Ordem, fizemos tudo na nossa casa, e é lá que fazemos a nossa apresentação. Gostamos muito da nossa casa, e damos um sinal claro de corte no despesismo porque estas instituições são a nossa casa, e nós não temos dinheiro, não temos dezenas de milhares de euros para gastar.
A sua vida muda se se tornar bastonário?
Claro que sim, muda e pensei muito nisso porque tenho três netos. Não irei para Lisboa, uma direção colegial como tem que ser, não vai ocupar a vida toda às pessoas. Neste primeiro ano, para consolidar as posições na casa e para lançar as bases de uma boa gestão, ocupar-nos-á de facto dois a três dias por semana. Não presumo que seja mais, mas mesmo em termos de representações temos que ser muito comedidos com isso. O bastonário tem que ser comedido nas suas aparições públicas porque quando for ouvido, quando falar, é porque alguma coisa muito importante se passa e para que não se banalize o discurso.
Como é que olha para a Ordem daqui a quatro anos, se ganhar?
O que eu gostaria de ver, comigo ou sem mim, era uma Ordem internamente mais arrumada, com mais simplicidade quer na sua apresentação pública, quer nos seus gastos. Mais virada para o foco que é a sua existência, que são os contabilistas certificados, porque a Ordem só existe porque existem contabilistas. O foco tem que ser: todos os gastos têm que ser medidos muito corretamente. Somos 72 mil e 35 mil a exercer, o que acontece se aqueles que não exercem deixarem de pagar quotas? Nós vivemos das quotas e portanto é preciso preparar a Ordem para esta verdade, porque isto não vai durar sempre. É muito importante e é também por isso que digo que é preciso racionalizar todos os gastos da Ordem.
Somos 72 mil e 35 mil a exercer, o que acontece se aqueles que não exercem deixarem de pagar quotas? Nós vivemos das quotas e portanto é preciso preparar a Ordem para esta verdade, porque isto não vai durar sempre. É muito importante e é também por isso que digo que é preciso racionalizar todos os gastos da Ordem.
E já fez estimativas de quanto é que é possível cortar?
Não é fácil porque não temos acesso a toda a informação. Mas sei por exemplo que se fizer uma pequena mudança de procedimentos, vou cortar um milhão de euros quase de um dia para o outro. É tão simples quanto isto. O problema é que às vezes olhamos só para as coisas grandes e não pode ser, as coisas pequenas todas juntas é que fazem coisas grandes. Externamente, queria ver uma profissão muito mais credível, muito mais respeitada por todos os agentes, quer sejam as associações empresariais, quer seja a Autoridade Tributária, quer seja a estatística nacional e europeia.
Estas questões que têm vindo a lume de empresas como a PT, o caso do BES, não colocam em causa o papel do contabilista?
Claro que colocaram. Mas nessa matéria gostava que se visse o seguinte: enquanto presidente da comissão de controlo de qualidade, já fomos a quase todas as instituições financeiras deste país, e posso dizer que no meio de uma grande instituição financeira, a nossa equipa que lá foi, depois de analisar um conjunto de procedimentos, concluiu que havia ativos cuja valorização em balanço não estavam de acordo com as normas contabilistas em vigor. Basicamente não estavam refletidas as imparidades resultantes da desvalorização desde 2007. Todos sabemos que não contabilizar as imparidades embelezava a noiva, porque não demonstrava as mazelas que tinha. O contabilista confrontado com a situação, chamou a diretora para esta área, e a diretora veio dizer que aquelas imparidades não estavam refletidas no balanço porque a administração do banco assim o entendeu. Agora vamos ver: o contabilista tem responsabilidades? Claro que tem, não devia ter assinado aquelas contas, claro que não. Mas quem era o contabilista de uma instituição financeira que dizia que não à administração? Era bom se tivéssemos uma sociedade em que isso era possível.
E vocês que estavam a fazer o controlo, o que fizeram?
Pusemos isso no relatório. Um relatório que foi para a comissão, tendo esta reportado a situação e o conselho diretivo… Bola.
O conselho diretivo arrumou na gaveta, foi isso?
Não teve consequências.
Portanto, o controlo de qualidade ir ou não ir é indiferente, é isso que está a dizer?
Não foi bem a mesma coisa. Ficou o alerta, a instituição ficou a saber que tínhamos conhecimento, também não houve grande tempo. Mas isto para lhe dizer que estes casos afetaram grandemente a reputação dos contabilistas. Repare no que se passou com os revisores oficiais de contas que passaram a ver mitigada a sua capacidade e a sua idoneidade porque a CMVM passou a controlar também os revisores. É esse duplo controlo que os revisores têm que não quero para os contabilistas. Não quero um duplo controlo por terceiros, prefiro que sejam os pares, mas com rigor e com consequências. Temos que graduar as inconformidades que se verificam. Há inconformidades que são insanáveis, mas há consequências que são perfeitamente sanáveis e que nós damos um tempo, fazemos recomendações e depois vamos ver se foram corrigidas ou não.
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“Temos cerca de 70 mil contabilistas inscritos na Ordem. É muito”
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