Desorganização do Banco de Portugal deu razão a Ricardo Salgado em tribunal
O antigo banqueiro acusou o Banco de Portugal de querer "inviabilizar" a sua defesa. O tribunal concordou: preparar uma defesa para a acusação que foi feita pelo regulador seria uma tarefa "hercúlea".
“Apresentar os meios de prova coligidos como fez o Banco de Portugal, ou nada enunciar, equivale na prática ao mesmo”. A conclusão é do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que anulou o processo de contraordenação aplicado pelo Banco de Portugal contra Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires, e resume a razão pela qual o antigo banqueiro venceu este processo em tribunal: a acusação apresentada pelo Banco de Portugal não era “sistemática, coerente e organizada” e isso inviabilizou o direito de defesa dos acusados.
As conclusões constam da decisão deste tribunal, datada de 16 de novembro e conhecida esta quinta-feira, a que o ECO teve acesso. Em causa está o processo de contraordenação em que o Banco de Portugal acusa o antigo Banco Espírito Santo (BES), Amílcar Morais Pires, António Souto e Ricardo Salgado de não implementarem medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, nas sucursais e filiais do BES em Angola, Cabo Verde, Miami e Macau.
Ricardo Salgado, condenado a pagar uma multa de 350 mil euros, e Amílcar Morais Pires, condenado a pagar 150 mil euros, foram os únicos a contestar estas acusações do Banco de Portugal, pedindo a nulidade do processo junto do Tribunal da Concorrência, em Santarém. Os dois arguidos argumentaram que o processo interposto pelo Banco de Portugal violou o “Direito de audição e defesa do arguido”, que consta do Regime Geral das Contraordenações e Coimas. O artigo 50.º deste diploma refere o seguinte:
"Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”
Salgado e Morais Pires argumentam, precisamente, que o Banco de Portugal não indicou “os concretos elementos de prova que sustentam os indícios” da acusação, com um “propósito bem claro: dificultar ao máximo, senão mesmo inviabilizar, o efetivo exercício do direito de defesa” dos arguidos e, assim, “formalizar o prejuízo condenatório de forma mais célere e menos incómoda”.
Os arguidos apontam ainda que o Banco de Portugal lhes deu apenas 30 dias úteis para preparar a defesa de um processo com mais de 13 mil páginas, a que acrescia um suporte digital com 32 pastas. Isto sem indicar onde se encontravam, nestas 13 mil páginas, os factos em que baseava as acusações. “A única referência à prova que constou da acusação veio no final desta peça, através de uma remissão genérica para todos os documentos e depoimentos escritos (em rigor, ‘resumos’), que constam do processo. No entanto, fazer esta remissão vaga e genérica ou não indicar os elementos de prova em que a acusação assenta é, exatamente, o mesmo”, salientaram.
O juiz Sérgio Martins Sousa, que assina a decisão, não só concordou com estes argumentos, como sublinhou que esta acusação não teria defesa possível, mesmo que o prazo concedido fosse maior. “Pouco importa salientar que aos arguidos foi concedido 30 dias úteis para preparar a defesa, porquanto, fosse qual fosse o prazo a conceder, não se pode pedir o cumprimento do irrazoável e do desproporcional, estremando com a consecução de diligências hercúleas”.
"Pouco importa salientar que aos arguidos foi concedido trinta dias úteis para preparar a defesa, porquanto, fosse qual fosse o prazo a conceder, não se pode pedir o cumprimento do irrazoável e do desproporcional, estremando com a consecução de diligências hercúleas.”
Para que a defesa fosse possível, conclui o juiz, o Banco de Portugal deveria ter apresentado “a prova de forma sistemática, coerente e organizada, tudo de molde a que a consulta dos autos pelos arguidos se processasse com suficiência e cabal compreensão dos elementos probatórios existentes”.
Não tendo isso acontecido, o tribunal decidiu anular o processo de contraordenação e determinou “que o Banco de Portugal formule nova acusação, desta feita contendo a enunciação da prova dos autos de forma sistemática, coerente e organizada”.
Acusação de “gestão danosa” em risco
Este é apenas um dos vários processos em que Ricardo Salgado está envolvido. O de maior dimensão é o da Operação Marquês, onde o antigo banqueiro é acusado pelo Ministério Público de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Há um outro processo de contraordenação, também aplicado pelo Banco de Portugal, que ainda está a decorrer no Tribunal da Concorrência, uma vez que Ricardo Salgado também pediu a anulação deste processo.
Neste processo de contraordenação, o Banco de Portugal acusa Ricardo Salgado de prática de atos dolosos de gestão ruinosa, prestação de falsas informações e violação das normas sobre conflito de interesses. Por estas contraordenações, o regulador condenou o antigo banqueiro a pagar uma coima de quatro milhões de euros.
Os argumentos de Salgado para pedir a impugnação deste processo são os mesmos já apresentados anteriormente. A “dimensão de gigante” do processo, constituído por 67 volumes e 240 anexos, num total que ultrapassa as 76 mil folhas, sem que o Banco de Portugal indique em que partes estão os factos em que baseia a acusação, torna “a defesa verdadeiramente impossível”. “Não sabendo o que está em causa, o arguido não se pode defender cabalmente”, argumenta a defesa do antigo banqueiro.
Fonte ligada ao processo refere ao ECO que, tendo em conta que este processo de impugnação está a ser julgado no mesmo tribunal que anulou o outro processo de contraordenação, é possível que este também venha a ser anulado, até porque este tem uma dimensão seis vezes superior à do primeiro.
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