“Nós estamos a perder o barco em relação ao investimento”

Rui Amendoeira, sócio da Vieira da Almeida & Associados faz capa do número 2 da Advocatus powered by ECO. Uma conversa franca sobre Angola, petróleo, o Governo .

Rui Amendoeira integra o escritório de advogados Vieira de Almeida & Associados desde agosto 2015, onde é sócio-responsável pelo departamento de Oil & Gas. Natural de Faro, começou em 1995 como advogado na atual Miranda & Associados. Em 2015 levou consigo 30 advogados do escritório de Agostinho Pereira de Miranda para a sociedade fundada por Vasco Vieira de Almeida. Na Miranda, desempenhou as funções de managing partner e de presidente do conselho de administração, entre 2005 e 2015. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, está inscrito nas ordens dos advogados de Portugal, Angola e Timor-Leste. Atualmente, faz parte da equipa de juristas que presta consultoria à administração da Sonangol. Mas recusa-se a falar de clientes.

Qual o balanço destes dois anos na VdA?

Extremamente positivo porque conseguimos, nestes últimos dois anos e um pouco mais – entrámos em agosto – atingir alguns objetivos que são importantes para a expansão internacional da VdA. Ou seja: o facto de estarmos presentes – ou com escritórios associados ou com escritórios próprios – em dez países fora de Portugal. Nomeadamente em África mas não só. Ou diretamente ou através de parcerias com escritórios próprios. Vamos ter agora escritórios nos Camarões e no Chade. Procuramos abrir escritórios quando temos atividade suficiente e clientes suficientes. Isso aconteceu com estes dois países, com atividade relevante. Passámos a ter uma presença no país. Depois, até mais importante que a cobertura geográfica, ter uma atividade relevante nestes países. E isso temos conseguido em Angola, Moçambique e alguns países francófonos… Quando digo isto é atividade para bons clientes. As melhores empresas, os investidores estrangeiros ou mesmo para o Estado…

Como o caso de Angola…

Exato. Como o caso de Angola. E com uma atividade regular. Ou seja: não são projetos ocasionais, são projetos regulares. E clientes e assuntos que regularmente acompanhamos. E hoje em dia, aqui em Lisboa e lá fora, temos uma equipa muito grande. Se olharmos para o horizonte deste ano, temos 172 advogados envolvidos em projetos e assuntos internacionais. Há um número muito significativo de advogados que durante um ano têm um assunto ou um cliente internacional. Uma boa parte deles aqui de Lisboa.

Angola é ou continua a ser um atrativo a nível da indústria petrolífera?

Angola continua a ser o maior produtor, apesar da crise. Já sei que quer falar da crise (risos) mas já lá vamos… mas vamos começar antes pelo lado positivo porque isto é tudo muito relativo. Angola continua a ser e ainda é o maior produtor de petróleo em África, a par da Nigéria. É um país incontornável, mesmo mundialmente. Todas as grandes companhias internacionais, com uma exceção ou outra, têm uma presença em Angola. Boa parte dos maiores projetos de exploração off-shore, do mar alto, são feitas em Angola. Boa parte dos equipamentos off -shore estão a operar em Angola. Esta é a realidade. Claro que a indústria está numa fase de refluxo… a diferença desta vez é que bateu muito em baixo. Mas também assim mais rapidamente sobe. Mas é claro que isto afetou muito o país, a economia, a indústria. Mas já há alguns sinais de melhoria, o preço do petróleo está a subir. E é uma subida consistente que é um fator positivo, porque não é uma subida episódica. A despeito da crise, a indústria petrolífera continua a ser a mais importante do país. E assim se vai manter ao longo da minha vida profissional – a não ser que viva até aos 120 anos!

Entrevista a Rui Amendoeira, sócio da Vieira de Almeida.

E a reestruturação da Sonangol, quer falar sobre isso..?

Olhe…aí… eu sou daqueles poucos advogados que não fala sobre clientes. E fico abismado que existam advogados que o façam. É das coisas mais graves que um advogado pode fazer… quebrar a confiança com um cliente. Não há nenhum comentário que possa fazer sobre isso.

Que oportunidades existem, qual é o atrativo para escritórios portugueses em Angola?

Não se podem implementar em Angola. Isso condiciona o que se pode fazer. Porque uma coisa é abrir uma porta e pôr uma placa. Outra coisa é trabalhar com uma equipa local e um escritório local. Ainda assim, é um mercado grande, com muitas oportunidades. Para além da minha área (oil & gas): tudo o que sejam recursos minerais em geral. Ferro, diamantes pedras preciosas, tanta coisa. Ou ainda bancário, financeiro, telecomunicações, seguradoras, aviação, transporte marítimo, serviços, tudo o que imagina que sustente uma economia transversal. Mas é uma realidade ainda muito diferente: em Angola os advogados não chegam a dois mil… São cerca de 7 a 8% do contingente português, para um território que é doze vezes maior e com uma população muito superior.

E Moçambique?

Conheço menos bem. Mas é uma economia e realidade muito menor que Angola mas que agora, finalmente está no dialbar do grande investimento na indústria do gás. Depois de alguns avanços e recuos, parece que vai avançar. É um mercado com futuro com um potencial enorme. Tem as maiores reservas de gás do mundo, pode mesmo vir a ser o segundo ou terceiro maior do mundo. Tem alguns fatores competitivos bons, está perto da Ásia, tem reservas muito grandes, tem companhias internacionais grandes. E a economia pode ser alavancada pelo gás. A nível de advocacia, há ainda menos advogados e ainda menos escritórios que em Angola. Mas os escritórios de cá estão atentos.

Entrevista a Rui Amendoeira, sócio da Vieira de Almeida.

E Timor-Leste. O que atraiu a VdA em Timor Leste?

É um mercado muito pequeno obviamente. Mas ainda assim, interessante, porque é um mercado que tem necessidades em setores em que a VdA é muito forte: telecomunicações e bancário. E logo que entrou no país, começou a trabalhar com grandes representantes nessa área, em 2011. Na área do Oil & Gas somos advogados da reguladora do setor (ANP) e que tem um peso muito importante porque a atividade em Timor é muito assente ainda no Estado e nós somos os advogados principais, o que nos permite estar numa situação privilegiada.

Ainda é possível haver exploração petrolífera em Portugal?

Se me pergunta se é tecnicamente possível, é.

Não era só essa a pergunta…

Se me pergunta se é politicamente possível, não sei… Nós somos um país em que não queremos saber os recursos que temos, como somos ricos e não fomos à falência nem nada, não queremos saber. Há recursos na costa desde o Norte ao Sul mas que nós, independentemente de tomarmos uma decisão sobre se os podemos explorar ou não, porque essas decisões só se tomam perante dados concretos. Nós estamos ainda numa fase a montante, não queremos sequer saber o que existe. Acho mal, acho extraordinário não querermos saber… Nem os países ricos se darem a esse luxo.

Tem a ver com falta de vontade política?

Claro que sim. Não tem nada a ver com políticas ambientais. Os países mais ambientalistas do mundo fazem-no. Por exemplo, a Noruega: é um dos países mais avançados a nível de política ambiental e um dos maiores na produção de petróleo no mundo. A pesquisa no mar não tem impacto ambiental nenhum… mesmo on shore, se for feita com cuidados e precauções, tem um impacto mínimo. Há tanta coisa com impacto muito maior. Não é por aí…

"Nós somos um país em que não queremos saber os recursos que temos, como somos ricos e não fomos à falência nem nada, não queremos saber”

Rui Amendoeira

Mas de todos os Governos….

Não é bem assim. O anterior ainda tentou mas teve tantos bloqueios… Depois há as objeções ambientalistas.

E essas objeções têm algo de ignorante?

Têm. Nós não sabemos se em Portugal existe gás natural. Não fazemos ideia. O gás natural é uma energia do futuro. Mais dos que as renováveis. Este é do presente e do futuro. Não tenho esperança que isto vá mudar nos próximos anos. Resta-nos o consolo de achar que provavelmente não temos nada.

Entrevista a Rui Amendoeira, sócio da Vieira de Almeida.

Sistema de Justiça é um entrave ao investimento? Como é que, perante um cliente internacional, lhe explica que pode estar sete, oito, nove anos, para que o tribunal lhe reconheça um direito?

Não tenho a mais pequena dúvida que é um entrave. Eu não consigo explicar isso a um cliente. (pausa). Tenho de medir bem o que digo porque de facto neste assunto tenho de me controlar. Acho extraordinário como não há um plano nacional, uma insurgência perante tudo isto. Desde o 25 de Abril que não conseguimos avançar na área da Justiça. Como é que os decisores políticos não reconhecem… Eu bem sei que os tribunais são independentes… Eu sei disso tudo mas…. Temos de fazer alguma coisa drástica. Eu bem sei que em coisas simples, há coisas mais rápidas, foram dados passos nesse sentido, é verdade. Mas e em questões de fundo?

Só se recorrer à arbitragem….

Para já tenho de poder recorrer à arbitragem, tenho de ter dinheiro para recorrer à arbitragem. Sou um adepto da arbitragem mas tem limites. Acho uma vergonha nacional a demora na Justiça. E não vejo melhorias nenhumas nesse aspeto… Acho extraordinário fazer-se uma acusação de cinco mil páginas. Não há uma preocupação de atingir um objetivo. Acho que uma acusação de cinco mil páginas devia ser mandada para trás. Nesse aspeto acho que estamos pior, tratamos estes temas com punhos de renda. Um dos exercícios mais confrangedores são os discursos que se fazem na abertura do ano judicial. Onde se repetem as mesmas coisas não sei quantas vezes ao longo dos anos. Na vida há sempre uma tensão entre o público e o privado. Isso aliás acaba por ser o que hoje marca as ideologias de hoje em dia: quem está mais para o pró privado ou mais contra o privado. Progressivamente estamos a entrar pelas liberdades e garantias das pessoas. Cada vez se respeita menos os direitos das pessoas. Não falo só na parte fiscal.

Na parte fiscal como?

É um escândalo a carga fiscal que temos. Uma vergonha. E é uma prepotência do Estado brutal… Espero que nunca tenha um conflito com a Autoridade Tributária. Não consigo imaginar um ambiente onde se violem mais os direitos das pessoas. Confiscam-se as contas, penhoram-se os bens. Tudo.

E como isto tudo que estamos a falar afeta os investidores estrangeiros?

Ora aí está… por exemplo: como é que eu explico a um investidor estrangeiro que está a querer investir cá o valor da carga fiscal cobrado às empresas? Um investidor que quer investir em Portugal faz um plano de negócios, uma projeção de receitas, de custos e de cash flow. E uma taxa de rentabilidade expectável… E calcula a carga fiscal em dois, três anos. Não consegue, é impossível. Porque está sempre a mudar. Olhe para o Trump. Ele não faz tudo errado. Do pouco que ele acertou até agora foi precisamente reduzir drasticamente a carga fiscal das empresas o que torna os Estados Unidos num país competitivo. No dia que sair da UE, o Reino Unido vai fazer dumping fiscal relativamente ao continente europeu. Os países do Leste estão a fazer o mesmo…. já nem falo dos asiáticos….

Os investidores vão acabar por fugir outra vez?

Sim… diria que sim. E depois nós fazemos uma maneira manhosa, nunca é direta. O IRS mas depois tem a contribuição disto ou daquilo…. Ou o IRC está numa taxa x as depois há a derrama estadual. Para um investidor o que interessa é saber quanto vai custar tudo no final do ano. Acho que é isso que vai acontecer inevitavelmente…..Nós lá para fora transmitimos esta ideia: outro dia ouvia o Bloco de Esquerda dizer que as empresas milionárias têm de pagar mais impostos… tinha de ser o Bloco de Esquerda.. (pausa). É incrível. É extraordinário. Devíamos estar a fazer tudo para as Apples, as Google, o Facebook etc. virem para cá. A Web Summit foi um bom exemplo para isto… Eu poria estas empresas a pagar menos impostos… Mas agora com a geringonça não se vai fazer nada.

O cenário vai ser este: os investidores vão “pôr” menos dinheiro?

Não sei… porque depois nós também temos outros fatores que nós beneficiamos… Beneficiamos das crises dos outros países. Portugal é bom, é um país bem melhor que o Egito, que a Líbia, na Síria. Mas se me perguntar se hoje em dia se um investidor me perguntar que digo eu? Impostos é melhor não falar nisso. Mão de obra já nem sequer é barata. Não existe estabilidade na legislação. Temos bom turismo, comida, sol… e segurança. Mas e o resto? E nós continuamos a achar que as coisas se fazem em função dessa noção idealista do mundo. E o mundo não querer saber disso para nada. A mim preocupa-me muito a carga fiscal perante as pessoas. Nós não conseguimos é medir isto… Mas não conseguimos medir o que não é tangível. Quantas pessoas saíram de Portugal pela carga fiscal? O que é que o país perde por não ter cá essas pessoas? E quando o EUA faz a reforma fiscal que está a fazer, vai ter um impacto enorme na Europa. E nós estamos a fazer o oposto. As empresas são frias a analisar as coisas e a tomar decisões….E nós perdemos o barco em relação ao investimento mas ninguém quer falar sobre isto.

Os clientes que tinha na Miranda vieram consigo para a VdA?

Não posso dizer que vieram todos todos. Até porque há clientes que não são regulares. Mas sim, uma boa parte dos clientes continuamos a trabalhar aqui. Desde o primeiro dia, até porque esta atividade é muito pessoal. Os clientes seguem os advogados, mais dos do que as firmas. Sobretudo quando os advogados vêm para uma firma com capacidade para continuar o trabalho. No meu caso em particular continuei a trabalhar com quase todos. Os clientes são muito pouco leais e muito pragmáticos. Mas claro que lhes deu conforto o facto de estarmos aqui, já que a VdA é uma firma grande.

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