Deputados discutem alojamento local. Saiba o que vai mudar
Em cima da mesa estão alterações que vão desde a introdução de quotas para limitar o número de alojamentos locais à distinção entre a atividade profissional e não profissional.
Sete propostas foram apresentadas, esta sexta-feira, na Assembleia da República, para alterar o regime que regula o alojamento local. As sete baixaram sem votação à Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, para serem discutidas na especialidade. As propostas divergem, mas o consenso quanto a esta matéria foi alargado: a questão é complexa e deve haver um “debate profundo”, com audição de todas as partes envolvidas, antes de se alterar uma legislação que afeta famílias e pequenos empresários.
Em cima da mesa estão alterações que vão desde a introdução de quotas para limitar o número de alojamentos locais nas zonas mais pressionadas pelo turismo, a serem definidas pelas respetivas câmaras municipais, até à distinção entre o alojamento local “profissional” e “não profissional”, passando ainda pela obrigatoriedade da autorização do condomínio para que um alojamento local possa ser explorado.
Mais poder para as autarquias
Será uma das principais alterações, ainda que esteja por definir a forma que irá assumir: as câmaras municipais deverão passar a ter mais poder para regular o alojamento local. As propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP preveem a introdução de quotas para limitar esta atividade, o Governo também assume que há questões que devem ser tratadas pelas autarquias e mesmo o CDS-PP, que se opõe às quotas, reconhece que devem separar-se diferentes realidades do país, e não aplicar uma lei a nível nacional pensada “por causa de algumas freguesias de Lisboa e Porto”.
No caso dos bloquistas, a proposta é que sejam os municípios a “aprovar regulamentos municipais relativos à instalação de estabelecimentos de alojamento local, fixando nomeadamente quotas por freguesia, zona de intervenção ou coroa urbana, em proporção dos imóveis disponíveis para habitação e prevendo a suspensão da emissão de autorizações de abertura de estabelecimentos de alojamento local sempre que a referida quota atingir o limite definido pelo regulamento”. Além disso, “a prestação de serviços de alojamento local implica a prévia existência de licença de utilização para habitação“.
Os comunistas propõem algo semelhante, mas, na apresentação da proposta que decorreu esta sexta-feira, a deputada Paula Sá salientou a “possibilidade”, e não “obrigatoriedade”, que é dada às autarquias de intervir. “Os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, podem definir nos regulamentos municipais as áreas territoriais correspondentes a freguesias ou zonas delimitadas de freguesias com limites relativos ao número de estabelecimentos de alojamento local nesse território, adaptando a presente lei à realidade e necessidades locais”, pode ler-se na proposta do PCP.
Neste caso, já é proposto um valor para as quotas: nas áreas territoriais em questão, “os estabelecimentos de alojamento local não podem ultrapassar os seguintes limites: no mesmo edifício, mais de 30% do número de frações; mais de 15% do mercado de arrendamento habitacional desse território“. Também aqui, fica estabelecido que “não é permitida a exploração e utilização para o alojamento local, de qualquer habitação, sem a prévia autorização municipal, através de licenciamento específico”.
Ou seja, em ambas as propostas, passam a ser os municípios a conceder licenças para a exploração de alojamento local. Atualmente, para entrar nesta atividade, não é necessário qualquer tipo de licenciamento. Basta registar a unidade no Registo Nacional do Alojamento Local, gerido pelo Turismo de Portugal, e declarar o início da atividade à Autoridade Tributária. Ao mesmo tempo, praticamente não há limites ao número de alojamentos locais. O único travão que existe hoje é que cada titular de exploração só pode explorar, por edifício, até nove unidades na modalidade de apartamento, se esse número for superior a 75% do número de frações existentes no edifício.
A proposta dos socialistas não prevê a introdução de quotas nem a atribuição de poder às autarquias para a concessão de licenças, mas o próprio Governo já admitiu estas possibilidades. Em entrevista ao ECO, em novembro do ano passado, a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, admitiu que, no que toca ao turismo, “devem ser os municípios a definir a melhor estratégia dentro do seu território“.
Há ainda o diploma do PAN, que, para impor algum limite, propõe que, por cada três imóveis que detenham, os proprietários de alojamento local destinem o quarto imóvel a arrendamento de longa duração.
Estas são, para a direita, as questões mais problemáticas. O deputado do CDS-PP Álvaro Castelo Branco disse: “Se as propostas da esquerda forem avante, teremos mais economia informal” e considerou que “é uma ilusão pensar que os proprietários migram do alojamento local para o arrendamento tradicional“. Mas esse é, precisamente, o objetivo já assumido pelo Governo. Na entrevista ao ECO, Ana Pinho admitiu que o Executivo quer incentivar proprietários de alojamento local a regressarem ao arrendamento local, através da suspensão do pagamento de mais-valias obtidas com a atividade de alojamento local. Do mesmo modo, o Governo vai avançar com um programa de rendas acessíveis que irá atribuir benefícios fiscais aos senhorios que pratiquem rendas mais baixas.
Condomínios passam a ter palavra a dizer
A proposta apresentada pelo PS foi a que gerou mais polémica. Elaborada apenas por dois deputados, Carlos Pereira e Filipe Neto Brandão, não contou com o apoio do Governo. Os socialistas propõem o registo de um alojamento local só seja possível com a entrega de uma cópia da “deliberação da assembleia de condóminos que autorize o titular da exploração do estabelecimento a exercer a atividade no caso de fração de prédio urbano destinado a habitação”. Isto é, só poderá explorar um alojamento local quem tiver a autorização do condomínio.
A polémica instalou-se porque o próprio Governo se mostrou contra a proposta, mas esta não é, sequer, uma proposta nova, ou mesmo original dos socialistas. Já desde 2014, quando o diploma que agora regula o alojamento local estava prestes a ser aprovado em Conselho de Ministros, que a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) defende isto mesmo.
A proposta dos socialistas também não consegue o apoio do Bloco de Esquerda, que considera que “não faz qualquer sentido que a limitação do alojamento local seja feita casuisticamente, condomínio a condomínio, sem qualquer estratégia territorial e social ou sem qualquer instrumento de regulação eficaz e transparente”.
Os comunistas, contrariamente, também propõem que “o alojamento local a inserir num condomínio obtenha a autorização prévia dos restantes condóminos quanto à utilização da fração”. Para além disto, o PCP defende que quem explore alojamentos locais seja obrigado a pagar “uma taxa ao condomínio correspondente às despesas decorrentes das partes comuns“.
Já o CDS-PP defende que deve ser dada uma palavra aos condóminos, embora não nestes termos. Os democratas cristãos querem que, no registo de um alojamento local, seja obrigatória a apresentação de uma “declaração sob compromisso de honra, subscrita pelo titular da exploração do estabelecimento, assegurando que não se encontra expressamente proibida a exploração de estabelecimento de alojamento local no título constitutivo da propriedade horizontal, no regulamento de condomínio nesse título eventualmente contido ou em regulamento de condomínio ou deliberação da assembleia de condóminos aprovados sem oposição e desde que devidamente registados”. Ou seja: um condomínio só poderá impedir a exploração de um alojamento local se essa proibição estiver expressa no regulamento de condomínio.
O alojamento local ocasional e o profissional
A outra grande alteração ao regime que regula o alojamento local será a distinção entre várias modalidades. Há duas propostas em causa.
Os bloquistas defendem que só possa ser considerado alojamento local a “partilha temporária de habitação, parcial ou na totalidade”, até um máximo de 90 dias por ano. Acima deste período, passa a tratar-se de “turismo habitacional” e aplicam-se as mesmas regras que abrangem os empreendimentos turísticos.
O CDS-PP propõe, num projeto de resolução, a “distinção entre prestação ocasional e prestação permanente de serviços de alojamento local”. Considera-se prestação “ocasional” quando os serviços de alojamento local sejam prestados “em residência própria e/ou em residência secundária, não podendo o número total de estabelecimentos ser superior a dois”. E, no caso da prestação ocasional, não podem impor-se quaisquer limitações, restrições ou agravamentos fiscais. As limitações ficam reservadas apenas para o alojamento local “permanente”, ou para os chamados “profissionais” do alojamento local.
60 dias de discussão
Todos os projetos de lei e de resolução baixaram à comissão sem votação e serão discutidos por 60 dias. E espera-se consenso em alguns pontos, para a elaboração de um diploma comum. Perante o Parlamento, o socialista Luís Testa salientou a “impressiva necessidade de se abrir um debate mais profundo e alargado sobre o enquadramento legal da realidade económica”, uma abertura que foi mostrada por todos os partidos. “Este é apenas o início de um debate que o Bloco considera essencial para que, em sede de especialidade, seja encontrada a melhor solução para a regulação do alojamento local”, disse também o deputado Pedro Soares.
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