O diretor de ratings soberanos da Fitch, Tony Stringer, afirma ao ECO que é preciso que o PIB potencial seja superior a 2% para que a agência considere uma melhoria da notação.
Meio ano depois de surpreender ao subir em dois níveis o rating português, a Fitch terá novamente a oportunidade de tomar uma decisão sobre a notação financeira da República. Será a 1 de junho. Em entrevista ao ECO, o diretor de ratings soberanos da agência diz que “é improvável que exista alguma decisão tão cedo como junho”. Atualmente, o outlook do rating português é estável, o que sugere que nos próximos dois anos não deverá haver nenhuma mexida. O que pode desencadear uma mudança? Se o crescimento económico potencial de Portugal for superior a 2%.
À margem de um evento da Fitch, que decorreu em Lisboa esta quinta-feira de manhã, Tony Stringer disse ao ECO que “uma das fraquezas é o crescimento potencial da economia portuguesa no médio prazo, o que reflete o endividamento privado, as fragilidades do setor bancário e a tendência demográfica”. Neste momento, a Fitch estima que o PIB potencial esteja nos 1,5%, mas teria de ser superior a 2% para ser um argumento a pesar numa futura decisão sobre o rating soberano. Até porque, nas palavras de Stringer, a decisão de subir em dois níveis o rating, como aconteceu em dezembro, “é incomum”.
Tony Stringer considera ainda que a posição de Mário Centeno no Eurogrupo será benéfica para Portugal, mas que as reformas da zona euro são uma incerteza no futuro dos países da moeda única que irá mudar o paradigma atual. E quando o BCE aumentar a taxa de juro? Portugal “está tão bem preparado quanto possível”, garante o diretor de rating soberanos da agência. Mas o défice português não deverá diminuir muito mais porque na ótica da Fitch existem pressões e limites na austeridade que vão condicionar o Governo em breve.
A decisão em dezembro da Fitch de aumentar o rating em dois níveis foi recebida com surpresa em Portugal. Foi também uma surpresa para a sua equipa quando olharam para os desenvolvimentos da economia portuguesa em 2017 para tomar a decisão?
Diria que não foi uma surpresa. Era algo que já tínhamos vindo a contemplar no período preparatório da revisão. Tínhamos uma visão consensual na nossa equipa de que iríamos certamente melhorar o rating de Portugal. A questão era a dimensão da melhoria. Sentimos que o progresso que vimos nos últimos anos, em particular em 2017, em várias áreas incluindo as finanças públicas, a manutenção dos excedentes das contas externas, a resolução de algumas vulnerabilidades no setor bancário… Estes fatores deram uma dinâmica positiva que foi suplantada por um ciclo de recuperação positiva que estamos a ver na zona euro e os desenvolvimentos positivos com os parceiros comerciais. Sentimos que a posição do rating era mais apropriada no nível BBB do que a BBB-.
Houve algum motivo que desencadeou essa decisão? Podiam ter feito esse aumento de forma mais gradual.
Isso é verdade. O timing é sempre crítico nestas coisas. Não é fácil ter o timing correto. Não houve um fator particular. No modo como fazemos estas decisões, o modelo das dívidas soberanas dá-nos um resultado baseado em variáveis económico-financeiras, com base em critérios. Depois fazemos ajustamentos a esse resultado, dependendo se pensamos ou não que inclui fatores relevantes. No caso de Portugal, tínhamos tradicionalmente descontado no resultado para refletir o que identificávamos como debilidades do legado da era pós-crise. Nesta ocasião chegámos à conclusão que esses ajustamentos deixaram de ser apropriados na mesma dimensão. Agora aplicamos ajustamentos mais pequenos para o resultado do modelo de forma a chegar ao rating final de Portugal.
É normal haver melhorias de dois níveis?
É incomum. Assim de repente, é difícil lembrar-me de outro exemplo. A decisão reflete as melhorias que vimos em Portugal durante um período sustentado, mas com particular ritmo crescente nos últimos 12 meses.
O ministro das Finanças português é o novo presidente do Eurogrupo. Este posto de Mário Centeno dá mais credibilidade internacional a Portugal?
É um papel importante. Temos visto que os anteriores presidentes do Eurogrupo tiveram uma influência na direção das políticas. É importante relembrar que, apesar de ser o papel mais importante, é uma voz entre as vozes do grupo de países. Ele não tem o poder para forçar decisões para outros países uma vez que essas decisões são alcançadas por consensos. Mas é notável que Portugal assuma este papel num momento em que os indicadores de macroeconomia estão a caminhar de forma positiva no país.
Na sua apresentação, a Fitch identificava as reformas da zona euro que estão a ser pensadas como um risco no futuro. Porquê?
Os movimentos para haver uma maior integração na zona euro criam uma incerteza. Não sabemos exatamente como é que essas iniciativas vão ser recebidas. Há muitas abordagens possíveis entre os Estados-membros: alguns são a favor de uma integração maior, outros nem por isso. Se olharmos para o que se está a passar na Polónia, neste momento, existe um desacordo entre as autoridades polacas e a Comissão Europeia sobre as decisões políticas que estão a ser tomadas. Existem objeções em vários Estados-membros relacionadas com as iniciativas da Comissão relativamente aos emigrantes.
Acha que isso também pode acontecer neste tipo de reformas da zona euro?
Depende do que for proposto exatamente. Não estamos ainda numa posição em que sabemos qual será o pacote de medidas que vão ser propostas. Existem algumas ideias sobre um orçamento comum, entre outras. São propostas que vão mudar significativamente o que existe atualmente e que algumas pessoas argumentam que faltou no momento em que a crise apareceu. É uma incerteza, mas irá demorar muito tempo até que estas propostas vejam a luz do dia.
Na sua apresentação disse que os países já absorveram nos seus Orçamentos o espaço orçamental criada pela redução do custo do financiamento da dívida produzido pelos estímulos do Banco Central Europeu. Por causa disso, identificou o aumento dos encargos com juros como uma vulnerabilidade no futuro. Esse risco afetará Portugal?
As taxas mais altas vão ser uma potencial vulnerabilidade para todas as economias desenvolvidas que estão altamente endividadas. Muitos países agora têm níveis de endividamento dez ou vinte pontos percentuais a mais do que tinham antes da crise. Inevitavelmente, esses países estão mais vulneráveis a uma taxa de juro superior. Mas a parte positiva da história de Portugal é que se mantiverem a política orçamental atual, se mantiverem a consistência nos objetivos de Bruxelas relativamente aos objetivos do défice, mantendo-o abaixo de 3%, isso será consistente com a obtenção de excedentes primários que serão suficientes para manter a dívida numa trajetória descendente.
[Sobre o aumento da taxa de juro pelo BCE] Portugal está tão bem preparado quanto possível dado que continuam a existir níveis de endividamento muito elevados.
O risco aqui é de liquidez quando os mercados ficarem nervosos sobre a capacidade dos países para financiarem-se. Foi isso que vimos no pico da crise em 2011, 2012 e 2013. Quando um país demonstra que tem as dinâmicas da dívida controladas e as outras variáveis saudáveis, os mercados tenderão a perdoar mais, aceitando uma situação em que a dívida é alta.
Outra coisa que Portugal tem a seu favor é que as condições de financiamento da República e no setor privado ficaram significativamente mais favoráveis no último ano. O custo médio da dívida pública caiu para perto de 2,6% em 2017 e o IGCP também geriu o perfil da maturidade para uma maturidade média inferior a oito anos para a dívida portuguesa. Isso significa que o potencial impacto de um aumento da taxa de juro vai demorar até chegar ao stock da dívida. Existe um amortecedor contra um ambiente de taxa de juro mais alta.
Ou seja, Portugal está bem preparado para um aumento dos juros do BCE?
Está tão bem preparado quanto possível dado que continuam a existir níveis de endividamento muito elevados.
Qual é o novo rácio da dívida em percentagem do PIB que seja saudável para economias como a portuguesa que têm uma dívida tão elevada?
É difícil dizer um número preciso. Os níveis de dívida podem vir a ser menos importantes do que a direção do rácio. Se o rácio da divida de um país é superior aos 60% do PIB, devia continuar a fazer reduções consistentemente, segundo as regras europeias. A Fitch não vê os 60% como uma meta. Portugal ainda está com o dobro desse rácio, por isso ainda há um grande caminho para percorrer.
É mais importante a trajetória descendente e não o rácio em si?
Sim, exatamente.
Em junho, a Fitch terá novamente uma oportunidade para decidir sobre o rating de Portugal. O que poderá desencadear uma nova surpresa positiva para a notação financeira portuguesa?
Portugal está com um outlook estável, o que sugere que nos próximos dois anos o rating deverá ficar no mesmo nível. Isso está dependente dos acontecimentos como todos os ratings estão. Os indicadores-chave a que estamos atentos para tomar uma decisão positiva em Portugal, seja uma mudança no outlook ou uma melhoria no rating, passam por uma continuada evidência que a política orçamental do Governo mantém-se de forma a reduzir o rácio da dívida. E tem de continuar a diminuir os desequilíbrios externos, dado que a dívida externa ainda é muito elevada.
Será difícil para o Governo aumentar os esforços da consolidação orçamental porque há um limite.
Uma das fraquezas é o crescimento potencial da economia portuguesa no médio prazo, o que reflete o endividamento privado, as fragilidades do setor bancário e a tendência demográfica. Vemos o PIB potencial em 1,5%. Se houver evidências, tal como reformas estruturais, de que isso estava a mudar, aumentado o PIB potencial para mais de 2%, isso seria outra razão para nos dar confiança sobre o futuro do rating de Portugal. Mas é improvável que exista alguma decisão tão cedo como junho.
A Fitch prevê que o défice português em 2018 fique igual ao de 2017, sem nenhuma redução. Porquê?
De um forma geral, dado o progresso já feito, será difícil para o Governo aumentar os esforços da consolidação orçamental porque há um limite. Acreditámos que dado o limite na aceitação da população da austeridade em curso — vimos o cansaço da austeridade em vários países — e também devido à composição do Governo — os partidos à esquerda vão pressionar para haver mais gastos e suavizar a austeridade –, o Executivo terá de equilibrar essas exigência com o seu foco de reduzir a dívida. Manter o défice orçamental em 1,4%, ou à volta disso, seria consistente com um excedente primário, o que seria suficiente para manter a dívida a cair.
Ou seja, não consideram que o Governo não consegue baixar ainda mais o défice, mas que existe muita pressão à volta do Executivo que não o vai permitir baixar?
Estão a equilibrar interesses e têm de definir um caminho para o fazer. Desde que o façam de forma a manter a dívida numa trajetória descendente ao longo do tempo, isso dará razões para manter o rating atual.
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Fitch: “Continuam a existir níveis de endividamento muito elevados”
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