Portugueses perdem 130 milhões de euros com dinheiro parado nas contas
Montante depositado em contas à ordem está em máximos históricos. São 48 mil milhões de euros, ou mais de um terço do total dos depósitos. A culpa é das taxas baixas.
Ter o dinheiro parado na conta à ordem começa a ser uma tradição para os portugueses. São perto de 50 mil milhões de euros que estão neste tipo de contas. É um recorde e representa já mais de um terço do total dos depósitos das famílias. As baixas remunerações dos depósitos a prazo justificam em grande medida essa realidade. Mas também é certo que, tal como diz a sabedoria popular, “dinheiro parado é dinheiro perdido“. E muito.
O peso do dinheiro que está em contas à ordem tem vindo a aumentar de forma gradual face ao total dos depósitos das famílias. Os últimos dados disponibilizados pelo Banco Central Europeu mostram que, em janeiro, os portugueses detinham 142.516 milhões de euros em depósitos, sendo que 48.078 milhões dos quais estavam em contas à ordem. Ou seja, 33,74% do valor total, o peso mas elevado do histórico da entidade liderada por Mario Draghi cujo início remonta a janeiro de 2003.
Dinheiro à ordem pesa cada vez mais no total dos depósitos
Fonte: BCE
Não é necessariamente uma má decisão ter dinheiro em contas à ordem. Mas há vários inconvenientes que daí resultam: não só o dinheiro parado não rende como está exposto a uma perda real de valor.
Apesar de as taxas de juro dos depósitos estarem em mínimos históricos, optar por ter o dinheiro à ordem em vez de o rentabilizar em depósitos à ordem implicou para os portugueses uma perda potencial de 128 milhões de euros em juros, só no ano passado. Este seria o retorno alcançável com a aplicação do montante detido, em média, nas contas à ordem pelos portugueses à taxa de juro média oferecida nos novos depósitos a prazo (0,28%), em 2017.
A inflação é outra das ameaças ao valor depositado em contas à ordem já que acaba por “corroer” o respetivo valor real. No ano passado, a inflação em Portugal fixou-se nos 1,4%, a mesma taxa que é prevista pelo Governo para este ano. Acresce ainda o risco de, pelo facto de estarem na conta à ordem, serem quantias facilmente mobilizáveis, expondo as famílias a eventuais resgates precipitados e a consequente quebra de poupanças.
Mais de um terço do dinheiro está à ordem
Fonte: BCE
António Ribeiro, economista da Deco, explica que tanto dinheiro parado na conta à ordem é, antes de mais, o resultado do baixo cenário de taxas de juro, em que “não existe incentivo à poupança e à sua rentabilização”, mas acrescenta que se trata também de “uma questão de conhecimento e de proatividade”. “Uma das razões de as pessoas deixarem tanto dinheiro parado tem a ver com a elevada iliteracia e também tem a ver com comodismo”, salientando, por exemplo, que “há muita gente que não tem noção que a inflação é uma realidade que afeta as poupanças”.
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Perante tantas ameaças, impõe-se a questão: o que pode ser feito para levar as famílias deixarem de ter tanto dinheiro parado e ao mesmo tempo conseguir maximizar o respetivo retorno?
Parte da resposta para esta questão poderá estar no Estado, e na criação de incentivos à poupança de longo prazo. “O Estado pode e tem-no feito em alguns produtos”, diz António Ribeiro, referindo-se em específico aos benefícios fiscais sobre os PPR e os seguros de capitalização, defendendo que este tipo de benefícios pode ser alargado. “Algo que faz sentido, por exemplo, é benefícios fiscais para aplicar a longo prazo, e não apenas para um ou outro produto em particular como é o caso dos PPR”, especifica.
Algo que faz sentido, por exemplo, é benefícios fiscais para aplicar a longo prazo, e não apenas para um ou outro produto em particular como é o caso dos PPR.
Mas a ação do Estado pode não esgotar-se aí. “O Estado tem um papel a desempenhar, nomeadamente nos produtos de dívida pública que poderiam ser mais atrativos de forma a incentivar a poupança”, diz o economista, referindo-se aos certificados de aforro e aos certificados do Tesouro. António Ribeiro lembra, contudo, que “o sinal que tem sido dados nos anos mais recentes é precisamente o contrário”, referindo-se aos cortes de remuneração que os produtos de poupança do Estado têm sofrido.
Foi o que aconteceu, em outubro, quando o Tesouro decidiu lançar um novo produto de poupança: os Certificados do Tesouro Poupança Crescimento (CTPC). Este novo produto veio substituir os Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM), mas oferecendo uma remuneração mais baixa: 1,35%, em média, ao fim de sete anos. Os CTPM pagavam uma taxa média de 2,25% ao fim de cinco anos.
O rumo descendente das Euribor também não tem “jogado” a favor dos certificados de aforro, que apresentam uma remuneração tão baixa que leva já a 15 meses consecutivos de resgates das aplicações neste produto. Já no que diz respeito aos CTPC, os últimos dados disponíveis, relativos a janeiro, mostram uma quebra de 74% nos montantes subscritos.
Quando há descidas nos juros, os bancos são muito rápidos a refleti-las nos seus preçários. Quando há subidas demoram um pouco mais e não são no mesmo valor.
E os bancos? Há algo que se possa esperar? Segundo António Ribeiro, não há muito a fazer. “Os bancos têm de seguir as taxas de juro do mercado“, começa por dizer, acrescentando que “num contexto de descida de juros, quase todos oferecem taxas muito baixas”. O economista da proteste Investe destaca apenas algumas exceções, como o caso de um ou outro banco mais pequeno, sobretudo os online, que oferecem contas promocionais com taxas mais atrativas que visam atrair clientes e montantes.
Mesmo o cenário de uma eventual reversão dos juros de referência poderá não trazer tantas vantagens para os aforradores que têm dinheiro no banco. “Quando há descidas nos juros, os bancos são muito rápidos a refleti-las nos seus preçários. Quando há subidas demoram um pouco mais e não são no mesmo valor. Pode haver uma revisão dos preçários, há um ou outro depósito que aumenta a taxa de juro, mas demora sempre mais tempo a refletir esses aumentos”, explica António Ribeiro.
Enquanto nada muda, o que fazer?
Perante os riscos associados e a perda de valor associada a manter o dinheiro há ordem, há algumas formas de rentabilizar essas quantias. António Ribeiro, aconselha antes de mais, a ter uma reserva de parte para fazer face a eventuais imprevistos. Essa quantia deverá ser de pelo menos seis salários e deverá ser aplicada em produtos de baixo risco, para evitar a perda de capital, devem ser em produtos que ofereçam flexibilidade em termos de mobilização do património.
Neste âmbito, uma das melhores soluções será aplicar essa poupança em depósitos a prazo, mas não de prazos longos e que permitam mobilização antecipada. Ou então, em certificados de aforro, que são mobilizáveis ao fim dos primeiros três meses de aplicação.
Para horizontes temporais de médio e longo prazo, entre os produtos de capital garantido, o especialista recomenda privilegiar produtos de capital garantido como os seguros de capitalização ou os CTPC. Já para quem pretenda assumir mais risco, a sua recomendação recai sobre fundos de investimento, e em específico fundos mistos. Ou seja, que têm uma componente de investimento em ações, mas também obrigações. “Pode optar por construir a própria carteira diversificada de fundos ou optar por um fundo misto e confiar na gestão desse produto”, salienta António Ribeiro.
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