João Epifânio, administrador da Altice Portugal, fala sobre a compra da Media Capital, a polémica da Fibroglobal, o estado da regulação e o os tarifários que a Anacom considerou irregulares.
No verão do ano passado, a Altice Portugal propôs pagar 440 milhões de euros pela Media Capital, a dona da TVI. Diz que quer explorar uma estratégia assente em três pilares: telecomunicações, conteúdos e publicidade. Mas o negócio está longe de ser consensual. Quase um ano depois, a Autoridade da Concorrência ainda está a decidir se aprova ou chumba a compra, enquanto os concorrentes atacam o negócio, falando em riscos para o mercado.
Em entrevista ao ECO, dividida em duas partes, João Epifânio, administrador executivo da Altice Portugal, fala sobre o negócio da Media Capital, faz o balanço da atuação da Anacom nos últimos meses, comenta o dossiê dos tarifários irregulares e, também, sobre a polémica da Fibroglobal.
“Temos dificuldade em perceber como é que as receitas dos setor caem e os custos da regulação vão no sentido inverso”
Como é que a Altice Portugal vê a atuação da Anacom nos processos que têm sido divulgados recentemente?
Não me cabe criticar o regulador. Pelo contrário, cabe-me colaborar com o regulador.
Mas a Altice assinou uma nota de imprensa recente, enviada em conjunto com a Nos e a Vodafone, onde tece críticas à atuação do regulador.
O regulador existe para regular. Os operadores existem para desenvolver produtos e serviços e para os disponibilizar aos seus clientes. Obviamente, não estamos sempre de acordo. Mas isso parece-me natural numa relação entre e regulador e regulado. Defendemos os nossos pontos de vista. Temos, obviamente, algumas dificuldades em perceber como é que, num setor cujas receitas caem há vários anos consecutivos, os custos da regulação vão no sentido inverso. Sobem há vários anos consecutivos e, isso, temos muita dificuldade em conseguir entender. Mas estamos disponíveis para colaborar com o regulador em tudo o que o regulador entender. Sendo que o papel do regulador é estar atento aos regulados e entendemos isso. Mas isto é algo que tem de funcionar nos dois sentidos.
Mas a Anacom comunica primeiro aos jornais antes de comunicar com os operadores, como diz o comunicado conjunto do setor?
Os reguladores têm a sua estratégia de comunicação. Temos vindo a trabalhar progressivamente, de forma mais próxima, e estou certo que não serão esses episódios que colocarão em causa, pelo menos, a nossa relação com o regulador.
A avaliação que faz da atuação de João Cadete de Matos, desde que assumiu a presidência da Anacom, é globalmente positiva?
Com o devido respeito, não tenho de fazer avaliação sobre o regulador. O regulador atuará em sua sã consciência naquilo que entende ser a defesa dos interesses dos clientes. E temos de entender que, por vezes, nas motivações de uns e de outros, deve ser bidirecional. É o único comentário que tenho a fazer.
O papel do regulador é estar atento aos regulados e entendemos isso. Mas isto é algo que tem de funcionar nos dois sentidos.
As ofertas Smart Net da Meo causaram celeuma na Anacom. O regulador quer mudanças em alguns tarifários, quer do ponto de vista da neutralidade da rede, quer do fim do roaming. O que é que a Meo está a fazer para corrigir isso?
Para já, não estamos a corrigir nada porque existe um sentido provável de decisão e não existe uma decisão.
Mas, a avançar?
Argumentámos e expusemos os nossos argumentos. Acreditamos que este é um movimento que vai contra os interesses dos consumidores e, no final do dia, quer as empresas, quer os reguladores, têm de prestar contas aos consumidores. Portanto, existindo hoje centenas de milhares de consumidores que utilizam estas ofertas e que estão satisfeitos com elas, vir dizer que não podem usufruir delas naquelas condições parece-me um contrassenso.
Mas poderiam ficar ainda mais satisfeitos por as poderem usar em toda a União Europeia.
Sabe que os dados têm um preço regulado. E um preço regulado que não é despiciente. O que significa que, se determinadas características de um tarifário forem genéricas, e abertas em toda a União Europeia, eu, no limite, posso perder dinheiro com o serviço daquele cliente. Por isso, se a decisão, porventura, for no sentido de impor determinada forma de fazer as coisas, naturalmente, e mais uma vez, vamos estar a condicionar os preços praticados aos consumidores portugueses para benefício de terceiros. Os nossos tarifários jovens beneficiam de um conjunto de aplicações de acesso gratuito, que não descontam ao plafond de dados. Mas, se o entender do regulador for outro, e aquilo que for bom para os clientes não serve os interesses da regulação, parece-me também que há aqui qualquer coisa na regulação que pode estar menos bem porque, efetivamente, os clientes estão satisfeitos com estas ofertas. Creio que a situação não é igual em todos os operadores mas, no caso da Meo, temos um canal online próprio para que todas as entidades que queiram beneficiar do mesmo tratamento, o possam solicitar. E posso dizer que tivemos um pedido até hoje.
Como assim?
Neutralidade da rede implica que todos tenham acesso às mesmas condições.
E, nesse canal, os programadores de aplicações podem dizer que querem fazer parte de um pacote de Smart Net. É isso?
Exatamente. Dentro daquelas categorias de conteúdos que temos.
Tiveram um pedido?
Sim. Isto indicia mais uma vez que estamos perante um não problema. Não é um problema para o mercado. Mas, enfim, mais uma vez estamos cá para colaborar e encontrar soluções.
Esse canal está suficientemente visível?
Sim, claro. Está junto às nossas ofertas Smart Net.
Nas ofertas Smart Net, temos um canal online próprio para que todas as entidades que queiram beneficiar do mesmo tratamento, o possam solicitar. E posso dizer que tivemos um pedido até hoje.
“Pelo que li, os outros operadores também são clientes da Fibroglobal”
A Altice é cliente da Fibroglobal, que enfrenta acusações…
… se nós fossemos ligar a todas as acusações que os nossos concorrentes nos fazem, não tínhamos mais nada com que nos preocupar.
Mas é um facto que são o principal cliente da Fibroglobal. Então, como é que os restantes operadores dizem que não conseguem viabilizar um investimento e a Meo consegue?
Eu, pelo menos, o que li nas declarações da Fibroglobal é que os outros operadores também são clientes da Fibroglobal. Parece que não é exatamente assim. Estou interessado em servir clientes e utilizo infraestrutura de terceiros se as houver disponíveis em determinada zona, ao invés de a Meo ou a Altice Portugal ter de construir essa mesma infraestrutura. Se outros não o fazem, é uma opção pura e simplesmente comercial desses operadores, que eu não vou comentar.
Ia pedir-lhe um comentário à recomendação recente da Anacom para que o Governo obrigue a Fibroglobal a baixar os preços cobrados aos operadores. Isso vai beneficiar a Meo. Beneficia, porque os preços baixam, ao nível grossista?
Sim, em teoria, sim. Se é imposto um preço e o preço passa a ser mais baixo do que o preço existente, parece-me evidente.
A Autoridade da Concorrência (AdC) está a avaliar dados cedidos pela Anacom sobre a Fibroglobal, num processo que também envolve a Meo, e que avalia práticas que possam constituir entraves à concorrência. A Altice já foi ouvida pelo regulador da concorrência no âmbito desse processo?
Não, nem tenho conhecimento de algum processo tampouco. A existir, é um processo que decorrerá dentro da normalidade. As autoridades existem para fazer fiscalização. Têm o seu papel e nós temos de providenciar toda a informação que as entidades solicitarem e aguardar com toda a paciência e serenidade.
Se fossemos ligar a todas as acusações que os nossos concorrentes nos fazem, não tínhamos mais nada com que nos preocupar.
“Quem mais tem falado do negócio da Media Capital tem sido a concorrência”
Soubemos dos compromissos, que estão agora a ser avaliados pela AdC, assumidos pela Altice no âmbito da compra da Media Capital. Qual é a nova data limite para que a AdC se pronuncie?
Este é um processo que está a tomar o seu tempo. Bastante, é verdade. E acho que todos, Altice Portugal, a gestão corporativa da Altice, o mercado no seu todo, a concorrência — quem mais tem falado do processo tem sido a concorrência –, enfim, todos os outros media, todos temos interesse que o tema se resolva o mais rapidamente possível. Parece-me mais ou menos óbvio.
Mas já passou o vosso primeiro prazo psicológico.
Sim, e também já foi tornado público que concedemos também aqui mais algum tempo de espera para tentar, de facto, encontrar uma solução que viabilize o processo, para que possamos ter uma resposta. Estamos cá para construir soluções, como em tudo. Falámos há pouco da regulação. Aqui, é a mesma postura. Estamos cá para construir soluções, para viabilizar o negócio. Obviamente, estamos a falar de uma entidade que, no caso da Altice Portugal, investiu 1,2 mil milhões de euros no país nos últimos três anos. Que se predispôs a investir mais cerca de 450 milhões. E que os reguladores, o Estado como imagem máxima, têm de, naturalmente, dizer se querem tirar partido desse investimento ou não. Teremos outros pontos onde poderemos vir a investir, fora de Portugal, infelizmente. Muito gostaríamos de continuar este trabalho que temos vindo a fazer, porque acreditamos neste modelo de negócio, que está a dar os seus frutos em França, em Israel, nos EUA. Não estamos a ter uma abordagem aqui neste mercado que seja diversa de outros locais onde temos uma abordagem semelhante, onde trabalhamos a convergência entre telco, media e publicidade.
Existe alguma possibilidade de o processo se arrastar para lá deste mês de maio?
Não vou comentar. Qualquer coisa que possa ser dita por alguém, responsável da Altice, haverá amanhã outro alguém a dizer que é uma forma de pressão. E nós temos sido heroicos a manter-nos impávidos, serenos e pacientes, porque acreditamos na regulação e acreditamos no mercado. E talvez os nossos concorrentes não acreditem.
Temos interesse que o tema [do negócio da Media Capital] se resolva o mais rapidamente possível.
A Nos e a Vodafone apontam para o preço de 440 milhões de euros que a Altice aceitou pagar pela Media Capital, uma empresa que, alegadamente, estava avaliada em 220 milhões. Está a pagar o dobro por uma empresa de um setor que nem sequer está em grande crescimento. Porque é que a Altice está a pagar esse prémio pela Media Capital?
É uma pergunta que já respondi e acabei por me antecipar de alguma maneira. Nós acreditamos que um modelo de sucesso e um modelo de futuro no nosso negócio resulta da convergência de três peças, três eixos de trabalho: as telecomunicações, os conteúdos e a publicidade. E acreditamos que este é um negócio que pode efetivamente crescer. A partir daqui, o valor em euros em concreto, mais uma vez, não vou comentar. O bid está feito. O valor está definido. Os contornos do negócio estão definidos podendo, obviamente, haver espaço para consensos em função do que a regulação vier a determinar. Sobre isso, mais uma vez, temo-nos mantido sem pressionar e não vamos quebrar essa posição.
Tem algum receio de que a providência cautelar da Vodafone atrapalhe o negócio?
Não. Tenho participado e assistido a muitos encontros, muitos debates, muitos seminários, conferências, sobre como o mundo está a mudar e a necessidade que temos de nos adaptar às transformações que vão ocorrendo. É o que temos feito com sucesso na incorporação das nossas ofertas. Temos, de facto, uma abordagem industrial e empresarial diferente. Temos uma visão de futuro. Para nós, essa visão de futuro resulta de um conjunto de pilares que estão reunidos neste negócio. O que é de facto muito estranho é que toda a gente está de acordo que o mundo está a mudar, que temos de fazer diferente, temos de adotar modelos de negócio diferentes, e quando aparece uma entidade que efetivamente quer fazer diferente, toda a gente diz: “não, o que é bom é ficar tudo na mesma”.
Está a falar da Nos e da Vodafone?
A interpretação foi sua. Mas, de facto, temos uma visão de futuro e queremos materializá-la.
Portanto, temos um cenário em que a Altice compra a Media Capital, que tem a TVI. Vê um cenário em que um dos vossos principais concorrentes compra o outro grupo de media privado, que é a Impresa? Vê um futuro onde a Altice concorre a este nível, dos conteúdos, com a Nos, por exemplo?
Eu sou colaborador da Altice Portugal. Não faço a estratégia dos meus concorrentes. Isso caberá aos meus concorrentes definir.
Mas acredita que iria trazer benefícios para o mercado?
Não sei. Vamos ver. Falámos há pouco da liderança da Meo no mercado, e ela é inequívoca. Portanto, temos um modelo, temos uma estratégia, queremos perseguir a nossa. Os nossos concorrentes farão o que acharem mais adequado para si.
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João Epifânio, da Altice Portugal: “Temos interesse que o negócio da Media Capital se resolva o mais rapidamente possível”
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