CGD: Os cinco fatos de Marcelo
Uma leitura guiada ao comunicado sobre a CGD de Marcelo Rebelo de Sousa: o comentador, o constitucionalista, o presidente, o professor e o moralista.
A promessa foi feita em Cartagena das Índias na semana passada e foi cumprida hoje, em Lisboa.
Há uma semana, na Colômbia, o Presidente da República, confrontado com a polémica em torno dos gestores da Caixa Geral de Depósitos (CGD), afirmou: “se for caso disso, quando chegar a Portugal, logo veremos se faz sentido comentar o que quer que seja, mas aqui não”.
Ali não, mas aqui sim. Como a polémica não amainou, faz sentido “comentar”. Numa nota publicada no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa disserta, em dez pontos, o que pensa sobre a polémica em torno da recusa dos atuais administradores da CGD em mostrar o seu património junto do Tribunal Constitucional (TC).
Segue uma leitura guiada do comunicado de Marcelo Rebelo de Sousa: o comentador, o constitucionalista, o presidente, o professor e o moralista.
Marcelo, o comentador
1. É do interesse nacional, e, portanto, de todos, Governo e Oposição incluídos, que a Caixa Geral de Depósitos tenha sucesso na sua afirmação como instituição portuguesa, pública e forte, que possa atuar no mercado em termos concorrenciais.
2. É do interesse nacional que a gestão da Caixa Geral de Depósitos disponha das melhores condições possíveis para alcançar esse sucesso.
3. Uma condição essencial é um sólido consenso nacional em torno da gestão, consenso esse abrangendo, em especial, a necessidade de transparência, que permita comparar rendimentos e património à partida e à chegada, isto é, no início e no termo do mandato, com a formalização perante o Tribunal Constitucional, imposta pela administração do dinheiro público.
O Presidente da República retoma o tom didático dos seus comentários dominicais na TVI. Contextualiza, explica, e opina. É por demais evidente que os gestores da CGD têm de seguir as regras de transparência se quiserem exercer cargos em empresas públicas.
Marcelo, o constitucionalista
4. O Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, incidiu apenas sobre o Estatuto do Gestor Público, constante do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março.
5. Esse Estatuto nada diz sobre o dever de declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional.
6. Tal matéria consta da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação dada, por último, pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
7. Ora, a Lei n.º 4/83, não foi revogada ou alterada pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho.
8. A finalidade do diploma de 1983 afigura-se ser, neste particular, a de obrigar à mencionada declaração todos os gestores de empresas, com capital participado pelo Estado, e em cuja designação tenha intervindo o mesmo Estado, estejam ou não esses gestores sujeitos ao Estatuto do Gestor Público. O que se entende, em termos substanciais, visto administrarem fundos de origem estatal e terem sido objeto de escolha pelo Estado.
À luz desta finalidade, considera-se que a obrigação de declaração vincula a administração da Caixa Geral de Depósitos.
Neste cinco pontos, Marcelo Rebelo de Sousa recorre às suas vestes de constitucionalista. Recorda, como muitos já fizeram, que existe uma lei de 1983 que obriga os gestores das empresas participadas pelo Estado a entregar a declaração de património junto do TC, independentemente de estarem ou não sob o chapéu do Estatuto de Gestor Público. E perante as leis invocadas por Marcelo, o argumento dos juristas da Caixa que terão defendido que o banco público “não era uma empresa participada, mas sim controlada pelo Estado” cai no ridículo.
Marcelo, o Presidente
9. Compete, porém, ao Tribunal Constitucional decidir sobre a questão em causa.
Apesar de nos pontos 4 a 8 Marcelo concluir que os gestores da CGD têm mesmo de seguir as regras de transparência, no ponto 9 o Presidente da República dá um passo atrás, respeitando aquilo que em democracia se chama de separação de poderes. A seu o seu dono. Afinal quem tem mesmo de decidir esta questão é o Tribunal.
Marcelo, o professor
10. Caso uma sua interpretação, diversa da enunciada, vier a prevalecer, sempre poderá a Assembleia da República clarificar o sentido legal também por via legislativa.
Aqui, Marcelo Rebelo de Sousa resolve colocar em cima da mesa um cenário hipotético. E então se o TC decidir que António Domingues e a sua equipa têm razão? O Presidente dá uma lição aos partidos políticos daquilo que é suposto fazerem numa situação destas. Façam uma lei à medida que torne claro que a administração da Caixa tem mesmo de cumprir as regras de transparência exigidas aos restantes gestores públicos.
Marcelo, o moralista
Tudo sem que faça sentido temer que os destinatários possam sobrepor ao interesse nacional a prosseguir com a sua esperada competência, qualquer tipo de considerações de ordem particularista.
Esta última frase não é de leitura fácil. Mas poderia ser assim resumida: os administradores da CGD não podem pôr o seu interesse à frente do interesse nacional. Curto e grosso.
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