Provedora da Justiça defende que abusadores de menores ficam registados demasiado tempo
Em causa está a lei de registo de identificação de condenados por crimes sexuais contra menores. Provedora da Justiça não pede fiscalização, mas avisa para tempos demasiado longos na lista.
A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, decidiu que não vai pedir a fiscalização da lei nº 103/2015 — sobre o registo de identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menores — junto do Tribunal Constitucional, mas deixa aviso para que a perigosidade seja avaliada casuisticamente. Em causa está a alegada inconstitucionalidade desta lista e o tempo que os abusadores ficam registados.
A lei remonta a 2015 e foi aprovada pela então ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz no Parlamento, não obstante a polémica que gerou, com várias organizações a manifestarem-se contra a existência desta lista. A lei foi entretanto alvo de queixas entregues junto da Provedora, que alegam a inconstitucionalidade da própria existência de um sistema de registo e pedem o seu envio para o Tribunal Constitucional.
Entre os críticos da altura, salienta-se o ex-presidente da República Jorge Sampaio, que considerou este sistema “justiça de pelourinho” – dado que na versão original do diploma se previa que os pais das crianças pudessem ter acesso a este registo compilado pelas autoridades (que têm o nome completo do criminoso, a morada e o domicílio profissional) em caso de suspeição de alguém.
Também Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, se insurgiu contra esta medida por não ter previsto um mecanismo que permitisse ao visado pedir uma reavaliação da sua inclusão na base de dados.
Embora a consulta da lista pelos pais tenha sido descurada, foram aprovados outros pontos controversos, como a obrigação de o abusador permanecer nesta lista negra durante cinco, dez, 15 ou 20 anos, conforme a pena que lhe for aplicada. Por exemplo, para uma sentença de 11 ou mais anos de cadeia correspondem duas décadas na lista — praticamente o dobro do tempo.
Segundo nota da Provedora, ao contrário dos queixosos, esta “não questiona a existência do referido sistema”, uma vez que com o legislador assegura desta forma o cumprimento de deveres estaduais de proteção de direitos fundamentais dos menores. Considera ainda que a inscrição no registo “não tem natureza sancionatória, constituindo antes uma medida de prevenção contra a ocorrência de novas agressões sobre menores”, como já acontece em França e no Reino Unido.
“Ainda assim”, continua a nota, “a Provedora de Justiça recomenda à Assembleia da República que introduza alterações pontuais à lei”, nomeadamente ter em conta a conciliação da prevenção da ocorrência deste tipo de crimes com o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar previsto na Constituição.
“Em concreto, a Provedora de Justiça sugere a ponderação de um regime de reavaliação individual periódica, a requerimento do interessado, para determinar o nível atual de risco para a sociedade ou o seu grau de perigosidade e, em função do resultado, o eventual cancelamento da inscrição no registo. Tal solução é consistente e até reforça os propósitos regulatórios e não-sancionatórios da própria lei, assegurando que o sistema de registo abrange todas as situações de efetiva perigosidade e apenas estas”, pode ler-se.
Ou seja, o tempo sem ocorrência de situações perigosas deve ser tido em conta, para que se possa determinar, periodicamente, se o indivíduo continua a constituir um risco para a sociedade ou não. A esse respeito, dá como exemplo o regime francês, onde o pedido de reavaliação é dirigido diretamente ao Ministério Público, devendo depois as autoridades recorrer a todas as perícias consideradas necessárias para o apurar, nomeadamente médico-legais. “Solução essa que me parece globalmente equilibrada”, defende.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Provedora da Justiça defende que abusadores de menores ficam registados demasiado tempo
{{ noCommentsLabel }}