A presidente do IGCP estava no coração da banca portuguesa quando o Lehman faliu. Ao ECO conta como foram aqueles dias e o que se aprendeu. Mais na gestão e menos na prevenção de crises, lamenta.
Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? Cristina Casalinho trabalhava na altura no BPI em Lisboa e conta ao ECO que embora a queda do banco não fosse uma novidade total, as coisas mudaram naquele dia. As reuniões de gestão da crise duraram meses. O Lehman Brothers, um banco americano com 158 anos, colapsou a 15 de setembro de 2018, provocando uma onda de choque nos mercados financeiros mundiais. A expressão “too big to fail” (demasiado grande para cair) deixou de fazer sentido.
A atual presidente do IGCP — a agência que gere os quase 250 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa — estava, na época, a trabalhar no BPI onde era economista-chefe. “Estava em Lisboa no meu local de trabalho quando soube da notícia”, diz.
O estrondo no mercado financeiro não apanhou a economista completamente de surpresa. “Antes do anúncio, havia rumores da possibilidade de falência de um importante banco norte-americano”, relata, acrescentado que “muito embora não constituísse uma absoluta novidade, [a notícia] conduziu à realização de reuniões de emergência”.
A célere atuação conjunta das autoridades monetárias das principais economias mundiais, numa demonstração de forte cooperação, foi crucial para o sucesso das iniciativas, constituindo uma grande lição na gestão de crises futuras.
“Algumas pessoas regressaram de férias e, como é esperado, foram desencadeados procedimentos de exceção e tomadas medidas de emergência.” Afinal um gigante norte-americano tinha acabado de ruir. “Durante alguns meses, mantiveram-se reuniões específicas subordinadas à crise”, adianta a presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.
Na mesa destas reuniões estavam as principais preocupações perante uma situação que era nova para todos. “Os níveis de liquidez (e.g. evolução de depósitos, gestão de colateral disponível, dependência do mercado grossista para financiamento/condições de acesso ao mercado,…), necessidades de refinanciamento no curto e médio prazo, as perdas efetivas e potenciais nas carteiras de ativos com maior risco, e possíveis dificuldades de contrapartes que inviabilizassem o cumprimento de responsabilidades e execução de contratos.”
Ninguém tinha a certeza sobre por quanto tempo aquela situação se ia prolongar. “A duração e o nível da perturbação eram duas interrogações recorrentes, porque um problema que dura uma semana e mantém as estruturas do mercado tem implicações distintas e exige respostas diferentes de uma dificuldade persistente”.
"Todas as crises são simultaneamente semelhantes e diferentes. Embora se tenha melhorado substancialmente na gestão das crises, progrediu-se menos na sua prevenção e antecipação.”
Uma coisa era certa. Todos sabiam que viviam tempos únicos: “Nessa altura, existia consenso sobre o momento histórico: assistia-se a um movimento tectónico que reconfiguraria o sistema, carecendo, portanto, de respostas estruturais. Esquecendo as circunstâncias e impactos dramáticos, foram tempos inesquecíveis, desafiantes, e enriquecedores.”
Cristina Casalinho acredita que desta crise saíram ensinamentos. “Todas as crises são simultaneamente semelhantes e diferentes. Embora se tenha melhorado substancialmente na gestão das crises, progrediu-se menos na sua prevenção e antecipação“, lamenta.
“Um dos fatores determinantes na gestão desta crise foi a rápida perceção pelas autoridades dos riscos envolvidos e na potencial magnitude das suas consequências, levando à rápida tomada de decisões, mantendo, porém, alguma flexibilidade.” Flexibilidade esta que “possibilitou a mudança de rota quando as medidas se revelaram pouco eficazes”.
“Finalmente, a célere atuação conjunta das autoridades monetárias das principais economias mundiais, numa demonstração de forte cooperação, foi crucial para o sucesso das iniciativas, constituindo uma grande lição na gestão de crises futuras.”
A 3 de setembro (a 12 dias da queda do Lehman Brothers) as primeiras páginas dos jornais estavam longe da falência que se avizinhava, embora apontassem para um enquadramento económico mais débil.
O Público fazia manchete com o facto de a prisão de Paulo Pedroso no âmbito do caso Casa Pia obrigar o Estado a pagar a maior indemnização de sempre. Um caso que só terminou este ano, quando o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado a pagar ao ex-dirigente socialista 68 mil euros.
O único tema económico com honra de capa era a queda do preço do petróleo, que já somava 40 dólares, depois do pico de julho de 147 dólares.
O Correio da Manhã salientava a perda de salário para os funcionários públicos, depois de anos em que a inflação “comeu” as atualizações salariais. Um mês depois, o então primeiro-ministro, José Sócrates, anunciava aumentos salariais para a Função Pública de 2,9%.
No mesmo dia, o Jornal de Negócios revelava expectativas mais baixas do Governo quanto ao crescimento económico. A economia mundial já sofria os impactos da crise do subprime que tinha começado nos EUA no verão de 2007. E o responsável pela Zona Euro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico indicava, em entrevista a este diário especializado, que o travão a fundo na Europa afetava Portugal.
O Diário de Notícias também exibia alguns sinais de uma situação económica mais frágil. “Menos 4% de carros vendidos em seis meses”, lia-se no cabeçalho, onde cabia outra ideia — “Cobrança do Fisco menor que previsto”.
Só um executivo em Wall Street foi criminalmente responsabilizado na sequência da crise financeira do subprime que começou no verão 2007: Kareem Serageldin, um trader sénior do Credit Suisse, que foi condenado e preso por, deliberadamente, ter inflacionado o valor de títulos hipotecários no seu portefólio, para que aparentassem ser mais valiosos do que eram realmente. Nenhum executivo do topo da cadeia hierárquica foi processado ou responsabilizado pela crise e muito menos pela queda do Lehman Brothers, considerada o gatilho da Grande Recessão. Ainda assim, terão existido indícios de que executivos do Lehman Brothers terão omitido informação sobre a real situação financeira do banco.
Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. ‘Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.
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Cristina Casalinho: Gestão das crises melhorou, mas “progrediu-se menos na prevenção”
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