Sonae: Há uma linha que separa o medo da coragem
A Sonae não quis contribuir para aumentar a longa lista de lesados que já há neste país. Até porque a MC muito provavelmente não seria a última Sonae a chegar à bolsa.
Enquanto lá fora se vivem momentos de azáfama, com muitas empresas a procurarem abrir caminho para a bolsa, em Lisboa é o marasmo. A praça portuguesa está praticamente às moscas, com a saída de muitas cotadas que tardam em serem “substituídas”. Daí que quando surge uma oferta pública todos os olhos se virem para aqueles que ousam ceder parte do capital à loucura do sobe e desce constantes.
Foi assim com a Raize, a primeira empresa em alguns anos a entrar no mercado nacional. Mas principalmente com a Sonae MC, o braço do retalho da Sonae, empresa fundada por Belmiro de Azevedo. Há muito que a família alimenta a bolsa portuguesa de empresas — sem contar com o Estado, diria que tem sido a maior fornecedora de ações para o número 196 da Avenida da Liberdade.
A MC prometia, mas não cumpriu. Uma semana depois de arrancar para o mercado, e após um trabalho de meses nos bastidores, a oferta pública de venda falhou. Sem papas na língua, caiu porque a Sonae, juntamente com os bancos de investimento por si contratados, não conseguiu convencer os grandes investidores de que este era um bom negócio. Que havia dinheiro a ganhar com este aposta.
E não convenceu porquê? A Sonae MC não vale o que diz valer? Nada disso. Valer, vale. É um negocio arriscado? Todos são, com mais ou menos risco, todos têm algum. A questão não está aí. Esta no peso que esse fator, o do risco, tem em determinado momento. E neste momento, risco há muito. E os investidores fogem dele.
Há Itália, que faz estremecer a Europa com o seu governo despesista, há a China em “guerra” com os EUA, há a economia global que, diz o FMI, está com uma indisposição, podendo precisar de ir ao médico. E há um “loco” que, além de todos os dias brincar às tarifas com os amigos chineses, ainda se atira à Fed, dizendo que esta endoideceu. Está tudo doido. E isso provoca medo.
Mas foi medo que a Sonae teve? Foi por isso que a OPV do ano fracassou. Não. Não acredito. A Sonae tem um negócio sólido para pôr no mercado. E sabe disso. E sabe que este processo, apesar de fazer sentido para arrumar a casa à holding, não tem obrigatoriamente de acontecer já. O contexto de mercado não poderia ter sido o pior para Paulo Azevedo. Mas a Sonae, quanto muito, foi corajosa.
A linha que separa o medo da coragem é ténue, pode dizer-se. Neste caso a coragem está, primeiro, por ter deixado expresso no prospeto que se a loucura tomasse conta dos mercados, impossibilitando a venda das ações aos grandes investidores, que a operação cairia por terra. Depois, porque evitou vender ao desbarato o que durante anos andou a construir (um império no retalho), mas também porque evitou mais um rombo à carteira de muitos pequenos aforradores.
Se a Sonae quisesse mesmo, se estivesse desesperada por fazer esta OPV, fazia-a. Não vendia ao preço máximo, vendia ao valor mais baixo. Os investidores pagavam. Mas não tardariam as comparações com outras empresas que em tempos áureos foram para a bolsa a milhões e hoje valem tostões… com prejuízo para quem nelas investiu as poupanças. A Sonae não quis contribuir para aumentar a longa lista de lesados que já há neste país. Até porque a MC muito provavelmente não seria a última Sonae a chegar à bolsa. E depois? Quem voltaria a investir numa qualquer empresa da Sonae?
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