O consórcio que fez a única oferta pela Comporta acredita que a proposta será aprovada pelos participantes do fundo imobiliário e espera arrancar com o projeto turístico no segundo trimestre de 2019.
O futuro da Comporta está a poucos dias de dar novos passos. A 27 de novembro, os participantes do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado da Herdade da Comporta reúnem-se em assembleia geral para discutir e votar a única oferta que foi feita pelos ativos imobiliários da herdade, e os compradores estão confiantes de que a proposta será aceite. Em entrevista ao ECO, José Cardoso Botelho, diretor-geral da Vanguard Properties, que concorre à compra da Comporta em consórcio com a Amorim Luxury, acredita não só que os acionistas vão aprovar a operação, mas também que o Ministério Público não tem, desta vez, qualquer razão para travar o negócio, como aconteceu no passado. Assim, espera que a compra esteja concluída até “inícios de fevereiro” e que algumas obras possam avançar já no segundo trimestre do próximo ano.
Quanto à dívida de 120 milhões de euros da Comporta à Caixa Geral de Depósitos (CGD), José Cardoso Botelho garante que o banco vai ser ressarcido e que o erário público não será “indiretamente afetado por esta operação”. No final, estima o consórcio, o valor global do investimento que farão “não será inferior a mil milhões de euros”.
Vários investidores foram convidados a participar neste processo de compra da Comporta, mas o vosso consórcio foi o único a entregar uma proposta. Preocupa-vos este cenário?
Não, não nos preocupa. A Deloitte foi quem assistiu a Gesfimo neste processo de venda. Tanto quanto se soube, terão sido convidadas 31 entidades para avaliar o negócio e, segundo diz a imprensa, três terão tido acesso ao data room e apenas uma decidiu apresentar uma proposta. Conhecemos bastante bem a Comporta, nós e o grupo da Paula Amorim. Já há algum tempo que estamos a estudar este processo e ambas as partes têm uma presença de relevância neste setor. Por outro lado, tanto um grupo como o outro tem bastantes capitais próprios disponíveis, aplicamos o nosso próprio dinheiro. O processo de decisão é, por isso, mais simples, não temos envolvidos terceiros. Havia também um curto espaço de tempo. Para quem desconhecesse ou conhecesse mal o processo da Comporta, dada a sua complexidade e dimensão, 27 dias corridos para concluir uma avaliação e apresentar uma proposta é, realmente, um tempo relativamente curto. Mas não impossível.
Existem muitos investidores estrangeiros a olhar para Portugal, há muita gente capaz de alinhar centenas de milhões de euros se forem operações a rendimento. Mas não existem assim tantas pessoas capazes de fazer uma oferta de 150 milhões para promoção imobiliária pura.
Isso acabou por afastar outros investidores?
É verdade que, hoje, existem muitos investidores estrangeiros a olhar para Portugal, há muita gente capaz de alinhar centenas de milhões de euros se forem operações a rendimento, sejam escritórios alugados, centros comerciais ou plataformas logísticas. Mas não existem assim tantas pessoas capazes de fazer uma oferta de 150 milhões para promoção imobiliária pura. Será esse o principal óbice, é um valor muito grande para um país como o nosso e não existem muitos players na Europa que estejam, neste momento, a olhar para Portugal para investir este volume de capital. Estamos a falar de um volume de capital que é destinado à compra, depois é preciso promover. Não é fácil e foi essa a principal razão.
Sendo os únicos a entregar uma proposta, por que decidiram melhorar a oferta em relação ao último processo de venda, para 158 milhões de euros?
Pelo conhecimento da informação que nos foi entretanto facultado através da data room. No processo anterior, fizemos a nossa oferta condicionada ao conhecimento de um conjunto de elementos. Na altura, não tínhamos o conhecimento completo. Devo ressalvar que, na fase anterior, a Gesfimo tinha tomado a decisão de dar o exclusivo a um outro candidato e só eles é que tiveram acesso à informação, nós não. Tendo avaliado a informação que nos foi prestada através do data room nesta fase, achámos que podíamos acrescentar alguma coisa ao preço.
Esse foi o preço oferecido originalmente na proposta que apresentaram? Ou foi negociado posteriormente com a Gesfimo?
Aquilo que estava indicado na process letter, facultada no dia 20 de agosto, foi que cada participante deveria fazer a sua best and final offer. O que fizemos foi justamente isso. Fizemos a nossa melhor oferta e não a mudámos. Por um lado, porque era a nossa melhor oferta e, por outro, por uma questão de transparência, porque achamos que quando se faz a melhor proposta, essa é a melhor proposta e ponto final. O valor que hoje está em cima da mesa é um valor ligeiramente inferior ao que consta da proposta, por uma razão muito simples: para além dos dois grandes lotes à venda, havia outros dois lotes junto da Comporta e um deles foi vendido. Não é que o preço tenha baixado em termos de encaixe para o fundo. Como tinham necessidades de liquidez, optaram por vender esse lote antes e encaixaram o dinheiro.
O acordo assinado prevê uma garantia. O que vai ser coberto por essa garantia?
Em todos os negócios de uma determinada dimensão, existem as chamadas declarações e garantias que são prestadas por parte do vendedor. Essas garantias visam garantir a quem compra que, se houver algum passivo oculto, existe uma quantia de dinheiro disponível que permite pagar esses passivos ocultos. A garantia funciona como uma conta escrow [conta-caução], em que nós depositamos o preço e uma parte fica retida na conta. Se, durante nove meses, não aparecer nenhum passivo oculto, os vendedores recebem o valor por inteiro; se aparecer algum passivo oculto que devia ter sido contabilizado pelos vendedores, essa componente do preço vai para quem a quantia é devida. Não se trata de uma redução de preço, trata-se de uma simples garantia que desaparece no tempo.
Parece-lhe provável que haja este tipo de passivos ocultos?
Daquilo que conhecemos, não nos parece que exista esse risco. Mas é habitual neste tipo de operações e, para além disso, o fundo irá extinguir-se. Uma compra feita a um vendedor que é uma entidade reconhecida e que permanece no mercado é uma coisa porque, se acontecer algo, essa empresa existe e pode solicitar-se o pagamento da quantia que era desconhecida. Outra coisa é um fundo que liquida. Uma vez liquidado, não há ninguém que pague. É uma medida de segurança, mas que é perfeitamente normal, sobretudo em transações desta dimensão. É uma garantia de 13,7 milhões, mas este tem de ser considerado pelos vendedores como um pagamento a prazo. Nunca pode ser entendido como um desconto, porque não o é. Esse dinheiro é totalmente pago por nós. Se aparecer alguma dívida, a distribuição do preço é que pode ser diferente.
A preocupação era que a operação se fizesse, que se fizesse com pessoas credíveis e que se fizesse num espaço de tempo o mais curto possível. Essas condições estão garantidas. Por isso, acredito que os participantes, pelo menos a grande maioria, deverão aprovar esta operação.
A assembleia geral (AG) de participantes está marcada para dia 27 de novembro. Que expectativas tem em relação a esta AG?
A nossa é uma belíssima proposta. É, de longe, a melhor que foi até hoje apresentada, além de ser uma proposta vinculativa de entidades que têm uma reputação criada no mercado, com uma origem de capitais conhecida, e que dão garantias a quem queira olhar seriamente para este processo de desenvolvimento de um projeto de grande qualidade para aquela zona.
Segundo aquilo de que nos fomos apercebendo ao longo do tempo, a preocupação era que a operação se fizesse, que se fizesse com pessoas credíveis e que se fizesse num espaço de tempo o mais curto possível. Essas condições estão garantidas. A Deloitte, felizmente, foi chamada a este processo e garantiu a transparência do mesmo, bem como o acesso à informação. Por isso, acredito que os participantes, pelo menos a grande maioria, deverão aprovar esta operação. Não que tenhamos mantido qualquer contacto com eles. Aliás, desde o dia 27 de julho que, a partir do momento em que a Deloitte ficou com o processo, nunca mais houve uma reunião em que a Deloitte não estivesse presente.
O que espera da parte da Rioforte e, sobretudo, do Novo Banco, que acrescentou um ponto à ordem de trabalhos da AG para que os participantes possam, para além de conhecer, também votar a proposta de compra?
Para nós, tudo o que garanta a transparência do processo é o melhor. A última coisa que queremos é ver que as decisões possam ser contestadas seja onde for. O ideal é que, depois de a gestora ter tomado a sua decisão e assinado um contrato promessa connosco, os participantes votem favoravelmente e as autoridades aprovem o processo. Quem tiver de aprovar, que aprove, e temos isso tudo previsto na componente contratual. O que pretendemos é que as pessoas tomem a sua decisão de forma informada e que votem favoravelmente. Não temos qualquer interesse em que alguma dessas entidades que referi não vote a nossa decisão. Se não estiverem confortáveis com a mesma, agradecemos e seguimos o nosso caminho.
Há alguma novidade da parte do Ministério Público?
Não temos qualquer tipo de contacto com o Ministério Público. Olhando para as razões que o levaram a não aprovar a venda anterior, parece-me que não há razão para que se levante qualquer tipo de problema. Primeiro, a origem dos capitais desta transação é perfeitamente clara. Não tínhamos relação com os anteriores proprietários, nunca falámos com eles. Depois, o processo através da Deloitte, desta vez, foi transparente, foi concorrencial. Há pessoas que dizem que fomos os únicos a apresentar proposta e que por isso é que não apresentámos um preço mais alto. Isso é falso, porque nunca soubemos se havia uma proposta ou não. Aliás, apareciam na imprensa notícias de que havia brasileiros e suíços interessados. Não sabíamos, porque a Deloitte, fazendo o seu trabalho, nunca nos deu esse conhecimento, nem tinha de dar. Apresentei-me no dia 20 de outubro, por volta das 16h50, com um envelope e não sabia se haveria lá mais alguém a fazer uma oferta. A Deloitte esperou até às 17h01 para fechar a porta e foi aí que chegámos à conclusão de que éramos os únicos. E, pelos vistos, houve outras três entidades que acederam ao data room, podiam ter feito uma oferta.
Foram criadas condições objetivas de transparência e de rigor neste processo e foram criadas condições de concorrência. Numa situação normal, uma transação desta dimensão poderia requerer mais tempo. Cabe agora à Deloitte informar o Ministério Público, que terá de se pronunciar no devido tempo. Acreditamos que a posição deles seja favorável a que o processo prossiga, não temos razão para pensar que tomará alguma outra decisão. Neste processo em concreto, admito que uma preocupação do Ministério Público possa ter a ver com o facto de a CGD ser ressarcida, que o é, e que os credores da Rioforte recebam a sua parte. Todas as questões que são conhecidas estão acauteladas nesse processo.
A CGD vai ser ressarcida do capital que emprestou ao fundo. Não vai perder nada. Será uma transação excelente para a Caixa, que também acreditou no projeto e por isso investiu o seu dinheiro. O erário público não vai ser indiretamente afetado por esta operação, pelo contrário.
A dívida à CGD aumenta a cada dia e Paulo Macedo já disse que espera que esta venda proteja os interesses do banco. A vossa proposta responde a essa exigência?
A CGD vai ser ressarcida do capital que emprestou ao fundo. Não vai perder nada. Será uma transação excelente para a Caixa, que também acreditou no projeto e por isso investiu o seu dinheiro. O erário público não vai ser indiretamente afetado por esta operação, pelo contrário. Por outro lado, nas declarações que o dr. Paulo Macedo fez, a preocupação dele era que fosse feita uma proposta mas, independentemente da questão do preço, que a proposta tivesse condições para ser executada, ou seja, que em termos de transparência não levantasse qualquer tipo de problema junto das autoridades, precisamente por causa do historial complexo que este assunto tem ao longo dos últimos quatro ou cinco anos.
Para a Caixa, é uma excelente operação. Vai receber o seu dinheiro e, por outro lado, para um banco como a Caixa, também é uma preocupação saber que as pessoas que compram estes ativos não os vão retalhar, conhecem o negócio, pretendem fazer ali talvez o ex libris de Portugal, e isso só se consegue com muito capital económico-financeiro para desenvolver os projetos no seu todo. Para isso, é preciso muito dinheiro, coisa que, felizmente, temos. Uma operação de toca e foge, ou seja, comprar o pacote e retalhar isto tudo, seria o pior que podia acontecer para a região e para aqueles projetos em concreto. Acho que a Caixa reconhece os méritos dos proponentes e da oferta.
Quando espera ter o processo de compra fechado e o projeto pronto para avançar?
O que consta do contrato é que, até dia 15 de março de 2019, as condições precedentes do negócio devem estar todas resolvidas. A data limite para a escritura do mesmo será no dia 4 de abril. Quando em concreto é que estas condições estão todas resolvidas, não sei, porque algumas situações não dependem de nós, como a questão do Ministério Público. Foi dado um prazo suficientemente largo para que toda a gente possa pronunciar-se de forma informada. Esperamos que a operação se conclua no próximo trimestre e, se calhar, ainda será possível concluir a operação de compra até inícios de fevereiro.
Estamos prontos, a partir de agora, para avançar. Não temos tomado mais iniciativas, não contactámos ninguém para começar a desenvolver mais em concreto algumas ideias porque não queremos estar a trabalhar em algo que não nos pertence, e muito menos criar a imagem de que já damos por adquirido que comprámos o bem. Fizemos já um enorme investimento em assessores, já trabalhámos muito nas ideias globais de desenvolvimento do processo, mas obviamente que não vamos contratar já engenheiros e arquitetos para desenvolver uma coisa que ainda não é nossa.
A nossa ideia seria, no segundo trimestre, já começar a haver movimentos de reparações de infraestruturas e de início de algumas obras que são urgentes para a região, começando, desde logo, por estações de tratamento de águas.
Pretendem, então, arrancar com o projeto no segundo trimestre?
A nossa ideia seria, no segundo trimestre, já começar a haver movimentos de reparações de infraestruturas e de início de algumas obras que são urgentes para a região, começando, desde logo, por estações de tratamento de águas. Fala-se muito da qualidade da Comporta, mas também tem de se cuidar da Comporta, não é só falar das maravilhas e depois esquecer que, na parte de trás, há esgotos a céu aberto. Tudo isso tem de ser tratado, não é compatível com o nível de projeto que se pretende desenvolver. Isso precisa de investimento e algumas dessas benfeitorias decorrem do nosso próprio investimento.
Qual o montante do investimento total que irão fazer na Comporta?
O valor global do investimento não será inferior a mil milhões de euros.
E que retorno esperam?
Olhamos para a Comporta da seguinte forma: o projeto tem diferentes áreas, desde hotelaria a condomínios turísticos. Olhamos para isto como se fosse um depósito a prazo. Não é um projeto onde sabemos que vamos ter uma rentabilidade que conseguimos em alguns projetos em Lisboa. O que queremos fazer é uma coisa que seja um verdadeiro marco, quer para o grupo, quer para a zona, valorizando sempre os terrenos e fazendo uma infraestrutura de altíssima qualidade. Como são projetos desenvolvidos a prazo, é sempre difícil ter rentabilidades muito elevadas, o que, muitas vezes, também faz com que os grupos que procuram as mais-valias de curto prazo não tenham interesse. Nunca será uma rentabilidade tão espetacular quanto a maior parte das pessoas pensa, por causa da dimensão que isto tem. Uma coisa é fazer um prédio que demora um ano, outra é fazer um prédio que demora 15 anos.
O valor global do investimento não será inferior a mil milhões de euros. Não é um projeto onde sabemos que vamos ter uma rentabilidade que conseguimos em alguns projetos em Lisboa. O que queremos fazer é uma coisa que seja um verdadeiro marco, quer para o grupo, quer para a zona.
Falou já em contactos de investidores internacionais, interessados em participar no projeto turístico da Comporta, que o vosso consórcio tem recebido. Têm já alguma parceria estabelecida?
Nesta fase, apenas ficamos satisfeitos como facto de as pessoas nos contactarem, mas, por ora, evitamos ouvir. Já recebi umas quantas pessoas, por uma questão de educação, mas não tomamos qualquer decisão, nem sequer lhes dou informação rigorosamente nenhuma, porque não quero estar a falar de uma coisa que não nos pertence. São só contactos preliminares, mas é interessante ouvir e ver que tantos grupos de grande dimensão, nomeadamente grupos hoteleiros e grupos ligados à área desportiva, como o golfe, têm realmente muito interesse pela Comporta. É uma segurança, porque não fazemos isto sozinhos.
Com que tipo de grupos pretendem associar-se?
Grupos que sejam complementares e que tragam valências que nós consideramos importantes para a Comporta. Questões de bem-estar e de longevidade, toda essa área é muito interessante. Grupos que criem conceitos ligados à área do desporto. Queremos coisas temáticas, nada de massificado. Coisas específicas, personalizadas, e nada de marcas massificadas e que estariam na Comporta como poderiam estar noutro sítio qualquer. É um sítio mágico, que tem de ser tratado como tal.
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