O líder mais europeísta ameaça regras do euro. Itália à espreita
Aumento de 100 euros no salário mínimo francês será inteiramente financiado pelo Estado: medida poderá fazer disparar o défice além dos 3% do PIB, ou seja, além das regras de Bruxelas.
As novas promessas de Emmanuel Macron para acalmar os “coletes amarelos” em França podem fazer disparar o défice para além dos 3% do PIB em 2019. Ainda não se conhecem todos os contornos do financiamento das medidas mas é irónico, se acontecer com um presidente francês reformista e defensor do estrito cumprimento das regras europeias em matéria de contas públicas que aparece agora mais fragilizado com o possível impacto das suas medidas.
“Emmanuel Macron fez sair a França do procedimento por défice excessivo e introduziu reformas que estavam a dar resultados”, afirma Eric Maurice da Fundação Robert Schuman, um centro de investigação política em Bruxelas e Paris. O responsável nota que o presidente francês sempre quis fazer uma política em linha com as obrigações europeias mas que poderá vir a enfrentar um défice para além das regras no próximo ano.
Também a Comissão Europeia seria posta à prova. Após agitar a ameaça de um procedimento por défice excessivo a Roma devido a um orçamento para 2019 além dos limites, Bruxelas poderá ter de lidar com um défice francês superior ao italiano. “Vai fazer uso de regras estritas ou de flexibilidade política?”, questiona Eric Maurice. Será curioso ver como agirá a Comissão: no caso francês, está perante o líder mais europeísta dos 27. Já no caso italiano, enfrenta um governo populista, nacionalista e eurofóbico. “A Itália já notou que a França pode ter um défice mais elevado. E pode perguntar: então eles podem ter e nós, italianos, não?”, nota Guntram Wolff do Bruegel, o principal think tank económico em Bruxelas.
Outra ironia: os governos de Emmanuel Macron e de Matteo Salvini, o vice-primeiro-ministro italiano — que já protagonizaram várias polémicas e representam duas visões opostas da Europa — poderão vir a encontrar-se do mesmo lado da barricada em termos de cumprimento as regras europeias. E, nesse caso, vai o plano social do presidente francês, que fez das próximas eleições europeias uma disputa entre forças europeístas e nacionalistas, dar força ao orçamento expansionista do executivo da Liga/Movimento 5 Estrelas?
Por outro lado, as opiniões ouvidas pelo ECO em Bruxelas, convergem na análise de que o atual momento que o líder francês atravessa dificulta o processo negocial para reformar a Zona Euro — reformas cujas negociações Mário Centeno tem conduzido no Eurogrupo. “O atual momento é complexo”, afirma Guntram Wolff. Quer a situação política em França, quer o braço de ferro em torno do orçamento italiano “podem reduzir o apetite para reformas”, assinala.
Para Eric Maurice, “a capacidade de fazer reformas de Macron está enfraquecida”. “Se o principal defensor das reformas não cumpre o requerido, vai ser mais difícil”, prevê o responsável da Fundação Schuman.
10 mil milhões de euros em promessas
As promessas de Emmanuel Macron, anunciadas esta segunda-feira para relançar o poder de compra dos franceses e esvaziar os protestos, podem custar “entre oito mil milhões e 10 mil milhões de euros”, segundo o porta-voz do governo gaulês que garantiu existir “alguma margem” no défice para aquela fatura. Também o ministro das Contas Públicas, Gérald Darmanin, informou o Senado de que o impacto das medidas deverá alcançar os 10 mil milhões. Ou seja, a confirmar-se, o défice ficará acima do limite das regras, podendo disparar para 3,4% do PIB, segundo valores na imprensa francesa.
A Comissão Europeia “seguirá com atenção” o impacto das medidas anunciadas pelo presidente francês, afirmou o comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros em declarações à agência de notícias AFP. “Estamos em contacto constante com as autoridades francesas”, disse Pierre Moscovici. Entretanto, um porta-voz do executivo comunitário esclareceu que a Comissão avaliará o impacto orçamental das medidas quando publicar as próximas previsões económicas, na primavera.
O projeto de orçamento francês e as mais recentes previsões económicas da Comissão Europeia apontam para um défice de 2,8% em 2019. Mas isto foi antes das medidas — que representam despesa adicional — terem sido apresentadas.
O presidente francês anunciou o aumento do salário mínimo em 100 euros, a partir de 2019, financiado pelo Estado e sem custos suplementares para as empresas, horas extra isentas de tributações e isenções do imposto que financia a segurança social para parte dos reformados.
Nas suas recomendações, no âmbito do processo de coordenação de políticas económicas, a Comissão Europeia colocou a França — juntamente com Portugal, Bélgica e Eslovénia — no grupo de países “em risco de incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2019”.
Ao abrigo das recomendações europeias, a França deveria reduzir o seu défice estrutural no próximo ano mas, no projeto orçamental, Paris prevê apenas um corte de 0,2%. O plano orçamental francês pode “conduzir a um desvio significativo relativamente às trajetórias de ajustamento no sentido da realização do respetivo objetivo orçamental a médio prazo”, afirmava Bruxelas nas recomendações. Na semana passada, o Eurogrupo presidido por Mário Centeno confirmou esta opinião.
Ora, as múltiplas medidas entretanto apresentadas por Macron relançam dúvidas sobre a forma como vão ser financiadas mas também sobre o impacto na trajetória orçamental.
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