O CEO, Nuno Marques, explicou, em entrevista ao ECO, que apesar do encargo não recorrente a empresa vai aumentar os lucros no acumulado do ano, em comparação com os 4,258 milhões de euros de 2017.
A Vista Alegre cancelou, na semana passada, um aumento de capital de 17 milhões de euros que iria servir para aumentar a dispersão em bolsa e pagar as dívidas à banca. O CEO, Nuno Marques, explica que houve um forte interesse por parte de investidores institucionais tanto nacionais como estrangeiros, mas os montantes acabaram por ficar além do esperado pela empresa. Retomar o aumento de capital não está excluído, mas o gestor afirma que há também outras opções.
Apesar de a operação falhada custar entre meio milhão e um milhão de euros à empresa, a expectativa de Nuno Marques é de um aumento dos lucros este ano, face aos 4,258 milhões de euros, registados em 2017. O CEO garantiu ainda que os planos de investimento e expansão para novos mercados serão garantidos com capitais próprios. Só no próximo ano, antecipa que o capex atinja os 15 milhões de euros.
Como é decorreu o processo de aumento de capital até à segunda-feira, dia 10, em que foi cancelado?
Houve um processo normal de comunicação ao mercado, que deu início a um roadshow a nível nacional e internacional especificamente para falar com diferentes potenciais investidores. Houve dias muitíssimo preenchidos nas várias cidades onde estivemos e era um sinal natural de que havia interesse dos investidores em conhecer a equipa de gestão, a empresa e os motivos essenciais desta estratégia de reforço da presença da Vista Alegre no mercado de capitais. Convém dizer que este roadshow foi feito dois meses depois de a Vista Alegre ter feito um no-deal roadshow, o que foi uma primeira incursão feita nessas mesmas capitais europeias ainda sem informação ao mercado que iríamos fazer essa dispersão no mercado, mas com o objetivo de dar a conhecer a Vista Alegre.
Apesar de a Vista Alegre ser uma empresa cotada em bolsa há 30 anos, era — do ponto de vista de mercado de capitais — apenas conhecida em Portugal. Não era conhecida minimamente fora de Portugal e temos de ter consciência que o mercado português é muito pequeno. A dimensão da nossa operação era, mesmo assim, reduzida internacionalmente. À escala nacional tem algum relevo. Uma operação destas para ter sucesso, tinha sempre que contar com investidores institucionais. Esse passo, que foi feito antecipadamente, foi para dar a conhecer a história da Vista Alegre.
Houve, felizmente, uma repetição de muitos investidores que voltaram a querer falar connosco, quando lançámos a oferta, sobre a avaliação da empresa, estratégia de crescimento… É natural. O que os investidores procuram é uma história de sucesso, mas também o que é que a empresa vai fazer no futuro, em termos de crescimento e comerciais de forma a merecerem o investimento. Para esses investidores quererem voltar a falar connosco é porque tinham apreciado a primeira reunião e a Vista Alegre estava no radar deles. O roadshow correu bem e recebemos inúmeras manifestações de interesse.
Em quantas ordens de compra de ações é que se traduziram essas manifestações de interesse?
Não sei dizer porque diversas ordens institucionais e muitíssimas de retalho. E é também uma informação confidencial da empresa… Tínhamos muitas ordens, mas não da dimensão que esperávamos e, por não serem da dimensão que contávamos com base na expetativa que criámos no roadshow, é que tomámos essa decisão de suspender porque percebemos que não estavam reunidas as condições de sucesso. Apesar de haver reiterado interesse na empresa e na operação, houve condições externas — económicas, políticas e do mercado de capitais — muito adversas e que se precipitaram na próxima semana do roadshow.
Recordo-me que no dia em que estava em Paris, quinta-feira, dia 6 de dezembro, talvez tenha sido o pior dia em bolsa nos últimos anos, com a prisão da CFO da Huawei no Canadá, a tensão comercial entre EUA e China a agravar-se, o Brexit e as tensões em França. Quando isso acontece, os investidores institucionais naturalmente retraem-se. É fim de ano, os mercados caem, os investidores sentem que as suas carteiras de ações fica prejudicada porque perde valor e o público em geral também sente menos motivação em investir porque sente que as bolsas estão a perder dinheiro. Tudo isto resultou numa quantidade de ordens inferior ao que era expectável e, daí, a decisão de suspender.
Não sei se conseguiríamos fazer a operação ou não. Talvez até conseguíssemos, mas à partida pareceu-me que seria muito difícil ter as condições de sucesso. Nessa situação, há que tomar a decisão difícil de suspender.
Quando é que percebeu junto dos investidores e dos bancos que não iam conseguir avançar
Quando alguns investidores institucionais quiseram participar e entrar na operação, mas com dimensões inferiores ao que os próprios queriam e tinham sugerido inicialmente que iam entrar. Isso foi pelo motivo da deterioração do mercado progressiva de capitais. Portanto, quando começámos a ter esse tipo de situações percebemos que era arriscado continuar com uma operação daquelas quando se está no meio de turbulência demasiado grande. Não sei se conseguiríamos fazer a operação ou não. Talvez até conseguíssemos, mas à partida pareceu-me que seria muito difícil ter as condições de sucesso. Nessa situação, há que tomar a decisão difícil de suspender. Ninguém queria. Trabalhámos muito e bastante tempo… Estes são processos que consomem muito tempo, dinheiro e recursos. Portanto, ninguém mais do que nós queira consumá-lo, mas a decisão tomada foi a suspensão. Foi uma decisão interna colegial e unânime.
Consegue quantificar qual foi o gasto da Vista Alegre em todo este processo?
Não consigo dizer o valor exato, mas está entre meio milhão e um milhão de euros.
Ao longo de todo este processo, há algum lado positivo?
Inúmeros. Como disse, a Vista Alegre é uma empresa que — do ponto de vista do mercado de capitais a nível internacional — era uma ilustre desconhecida. Atualmente, já não é uma empresa desconhecida do mercado de capitais em Londres ou em Paris. E é uma empresa conhecida pelo lado positivo. Os investidores reconhecem que é uma empresa, que numa área industrial, conseguiu com base em inovação de produto, em inovação tecnológica e em know how acumulado, dar a volta e posicionar a empresa de uma forma muitíssimo boa. Foi um turnaround muito difícil e que sustentadamente tem tido resultados positivos. A tendência é que tal continue, fruto dos contratos que temos com vários clientes e fruto do posicionamento que tem atualmente no mercado de criar tendência, mais do que seguir. Tudo isto é uma história de sucesso que deve e tem de ser partilhada. Uma das coisas que retiro como positivas é o reconhecimento da esmagadora maioria dos investidores institucionais, que são também influenciadores. Neste momento, a Vista Alegre tem mais adeptos a nível internacional e isso é um ponto positivo.
Quais são as opções que estão a considerar neste momento? Vão relançar a mesma opção?
Não está nada decidido. Há mais opções além desta, mas esta também não está descartada. O trabalho que foi feito não é um trabalho em vão até porque, para a empresa estar mais presente no mercado de capitais, tem de se dar a conhecer. Neste momento, é muito mais conhecida pelos pontos positivos e não é, naturalmente, o insucesso nesta operação que vai beliscar a imagem. Antes pelo contrário. Agora é uma questão de o acionista maioritário [o grupo Visabeira] e o Conselho de Administração da Vista Alegre definir-se qual é a melhor opção. Neste momento, ainda nada está decidido, nem sequer avaliado até porque o principal para o plano de crescimento que a Vista Alegre está garantido através de capitais próprios, financiamento com recurso ao Portugal 2020 e à banca comercial portuguesa. Portanto, todas essas bases não dependiam desta operação de mercado para continuarem. Portanto, business as usual. A Vista Alegre vai continuar a crescer e a implementar o plano de crescimento e de aumentar a notoriedade da marca internacionalmente. Esta nossa ação de aumentar o free float em bolsa não foi concretizada agora, pode vir a sê-lo no futuro.
Vão esperar algum tempo antes de avançarem com outras opções?
Sim, vamos aguardar algum tempo. Neste momento, nada está decidido. Esta também é uma fase de fecho de ano. No próximo ano, lá para o segundo trimestre, pensaremos como fazer, quais as opções que temos e qual a estratégia a seguir.
Como é que viu a subida das ações da Vista Alegre após o cancelamento da operação?
As ações estão a um nível quase 20% superior ao período da oferta. A liquidez do título é muito reduzida, mas mostra o reconhecimento do valor da Vista Alegre e do mercado a reconhecer que a decisão talvez tenha sido bem tomada.
A situação não é isolada. A Sonae MC falhou uma OPV, a Pharol também desistiu de um aumento de capital… Como é que vê estas questões para o mercado de capitais nacional?
Para o mercado de capitais nacional são, naturalmente, más notícias. Mas Portugal não está imune ao que se passa no mundo. Pelo contrário, Portugal sofre bastante com o que tudo o que acontece na Europa e no mundo. Não nos podemos esquecer que, em 2018, suspenderam cerca de 160 ofertas públicas, das quais à volta de 80 na Europa. Foi mais do dobro que em 2017. É um sinal, não só em Portugal, mas em todo o mundo, da volatilidade dos mercados. As tensões políticas que se vivem entre as potências mundiais EUA e China ou as tensões com o Reino Unido ou problemas em França têm impacto nos mercados de capitais e na confiança que os investidores têm para investir. São ciclos e, neste momento, existe volatilidade no mercado de capitais.
Um dos objetivos do aumento de capital era pagar as dívidas à banca. Este assunto fica em espera?
Fica em espera. A situação da dívida à banca, que havia e que se pretendia antecipar, tem a sua maturidade e remuneração implícita acordada com a banca e algumas restrições que esses contratos de financiamento tinham e que se mantêm. Mas essas restrições não impediram a Vista Alegre de crescer e trabalhar até ao momento e não vai impedir. Há outras formas de fazer essa antecipação de pagamento desses financiamentos. Não o fizemos agora, mas há outras opções para o fazermos no futuro. Neste momento, essa dívida continua e está a ser paga de acordo com os compromissos acordados.
E no que diz respeito à política de dividendo?
Nunca foi perspetivado o pagamento de dividendos relativo ao exercício de 2018 porque a Vista Alegre está a fazer um conjunto de investimentos fortes este ano, pelo que não fazia sentido distribuir dividendo numa altura de aumento do endividamento para realizar esses investimentos. De facto, nesta fase continuaremos — à luz das restrições existentes nos contratos de financiamento — impossibilitados de pagar dividendos. Mas é uma situação que ficará resolvida assim que se antecipar o pagamento desse financiamento.
A distribuição de dividendos relativos a 2019 ainda é uma hipótese?
A distribuição de dividendos de 2019 só será feita em 2020. Até 2020, muita coisa ocorrerá portanto temos que ver quais as opções que temos. O objetivo do Conselho de Administração era realmente distribuir dividendos, em 2020, relativamente a 2019. À luz deste insucesso, hoje continuamos impossibilitados de o fazer. Durante o próximo ano, se outras opções se afigurarem como possíveis para antecipar o pagamento desse financiamento, ver-nos-emos livres dessas restrições.
"O objetivo do Conselho de Administração era realmente distribuir dividendos, em 2020, relativamente a 2019. À luz deste insucesso, hoje continuamos impossibilitados de o fazer.”
Qual é a perspetiva para os resultados da Vista Alegre em 2018? No último trimestre do ano, qual será o impacto deste montante relativo ao aumento de capital que falhou?
A Vista Alegre é uma empresa cotada sem ser ao mercado e só o faremos quando estiver fechado no fim do ano. Mas a expectativa do Conselho de Administração é que a Vista Alegre apresente, este ano, resultados melhores do que os que apresentou no ano passado. A atividade da Vista Alegre é sazonal e temos sempre a expectativa que, no último trimestre, a operação ter o melhor trimestre do ano. Portanto, a expectativa é naturalmente positiva. Esse valor entra nas contas como um gasto não recorrente, mas esperamos que — mesmo considerando esse valor — os resultados sejam melhores que no ano passado.
Dizia que este ano estão a realizar grandes investimentos. Como será em 2019?
No próximo ano, temos também investimentos previstos. O nosso plano de capex [investimento] prevê cerca de 50 milhões de euros. Iniciou-se em 2017 e, até ao final do ano, terá cerca de 60% concluído, 30% são perspetivados para 2019 e os últimos 10% em 2020. Esse plano de investimento continuará porque está garantido com capitais próprios da sociedade, com financiamentos e apoios do Portugal 2020 e com recurso à banca comercial portuguesa.
São investimentos que permitem dotar a Vista Alegre de uma incremento da capacidade produtiva e também automatização dos processos produtivos e investimento em equipamentos mais eficientes do ponto de vista energético e operacional. Na nossa opinião, são fundamentais para dar à Vista Alegre todas as condições passar para uma fase de ainda mais crescimento internacional.
O nosso crescimento internacional tem sido muito sustentado em mercados de proximidade. Na Europa, em Espanha, França, Alemanha e Itália. E agora, temos outros mercados que pretendemos endereçar com maior ambição, que é o mercado da América Latina, dos EUA e asiático. Estes incrementos de capacidade estão alinhados com uma série de contratos que temos com diferentes clientes, mas também para endereçar novos mercados.
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Aumento de capital falhado vai custar até um milhão de euros à Vista Alegre
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