Este sábado comemora-se o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino. O ECO falou com quatro mulheres que fundaram e lideram os negócios num "mundo de homens".
Sara do Ó pede com antecedência a agenda do colégio da filha porque o importante é “não falhar nenhum momento da vida deles, e saber gerir sempre a situação”. Tal como Sara, Mariana Duarte Silva, Andreia Campos e Weronika Figueiredo, está à frente de um negócio que criou, num mundo onde muita gente acha que só entram homens.
Uma mulher à frente de uma empresa, de um negócio, de um projeto: ainda é estranho? A emancipação feminina parece coisa do século passado mas ainda há quem a veja com algum desdém.
Andreia Campos está na Farfetch desde agosto deste ano, altura em que vendeu à empresa o negócio que tinha, a Gleam, uma plataforma de descoberta de moda que analisa dados de consumo em tempo real. Cofundou-a com Alexandre Barbosa, em 2012, mas liderou-a até este ano. Atualmente desempenha a função de branch manager no escritório da Farfetch em Lisboa.
Para Andreia, o empreendedorismo ainda é “um mundo tipicamente masculino, quer a nível de investidores como de empreendedores“. Ainda assim, a Farfetch contraria a norma: parte das pessoas responsáveis pela programação são mulheres.
Mudam-se os tempos, as vontades e as mentalidades. Há 10 anos, Sara fundou a empresa de contabilidade GrupoYour, uma área de negócio maioritariamente masculina e que, para Sara, estava pouco explorada. “Foi difícil ao início porque tivemos de provar e ir conquistando o nosso espaço e a confiança dos nossos clientes, que hoje em dia já vêm por recomendação”, explica Sara.
(Des)vantagens de ser mulher
"Até há uma certa vantagem em ser mulher. Não considero que seja justa porque sempre me fiz valer por aquilo que construí e pelo meu percurso, e não acredito que o facto de ser mulher me deva de certa forma beneficiar.”
Ser mulher à frente de um negócio não implica necessariamente desvantagens. “Até há uma certa vantagem em ser mulher. Não considero que seja justa porque sempre me fiz valer por aquilo que construí e pelo meu percurso, e não acredito que o facto de ser mulher me deva, de certa forma beneficiar”, explica Andreia.
A agora branch manager da Farfetch — único unicórnio português — diz não ter sentido quaisquer dificuldades por ser mulher no mundo dos negócios. Muito pelo contrário. “Tenho noção de que havia algumas reuniões, da Gleam, a que eu conseguia ter acesso por ser female founder, ou seja, neste caso, houve uma discriminação positiva”, explica. Pelo facto de ser mulher, Andreia diz que não foram só a reuniões a que teve acesso, mas sim a grandes concursos e cimeiras de empreendedorismo, como foi o recente caso da Web Summit, cujo bilhete lhe foi oferecido.
Também Mariana Duarte Silva, fundadora da Village Underground, diz que ser mulher nunca foi um problema. “Nunca senti dificuldades por ser mulher, mas sim para provar que Lisboa precisava de um espaço como o Village Underground“, revela. Depois de trabalhar durante cinco anos no Village Underground londrino, Mariana decidiu criar um projeto semelhante em Lisboa, em 2014. “Percebi que o cowork era muito importante e o cruzamento de pessoas de diferentes áreas num mesmo espaço também”, recorda.
O segundo obstáculo foi arranjar financiamento, devido à crise que se fazia sentir no país. “O meu projeto fez com que eu fosse das primeiras incubadas na Startup Lisboa. Consegui convencer o Montepio, na altura parceiro da Startup Lisboa, a emprestar-me dinheiro porque tinha um plano de negócios bem estruturado e uma boa apresentação, não por ser mulher”, explica Mariana.
Mulheres, mães, donas de casa, esposas… e os negócios?
Para Weronika Figueiredo, co-fundadora da Do Inn, empresa tecnológica – uma plataforma online onde os gestores de alojamento local podem marcar serviços de limpeza, lavandaria e check-in, não há desvantagem em ser mulher no mundo dos negócios. Isso é apenas mais um detalhe.
“O facto de ser mãe torna as coisas mais difíceis porque essas responsabilidades caem mais sobre as mulheres que, de forma geral, têm o peso da organização da vida pessoal e familiar. As dificuldades que as mulheres enfrentam não têm tanto a ver com o mercado de trabalho em si, porque há tão poucas oportunidades para homens como para mulheres”, explica Weronika.
"A organização é o grande desafio para as mulheres de negócios”
“O papel de mãe é conciliável, mas têm de haver algumas regras”, explica Sara do Ó. “Sem dúvida que, para as mulheres que têm cargos de liderança, é essencial ter uma boa estrutura familiar por trás, e uma grande capacidade de resistência à crítica. Há sempre o medo de ser acusada de negligenciar o papel de mãe e o de dona de casa. A organização é o grande desafio para as mulheres de negócios”, acrescenta.
O olhar dos homens (mudou?)
“Depende da faixa etária”, refere Andreia. “Não tem sido uma dificuldade liderar uma empresa. Conheço outras startups lideradas por homens e não me sinto discriminada por ser mulher, nem sinto que tenha um impacto negativo no ecossistema nacional”, acrescenta.
"A uma mulher não basta dizer, tem de mostrar que sabe fazer.”
“Não gosto de generalizar mas acho que há mulheres que ainda são vistas como tendo o dever de estar em casa”, explica Mariana. Embora este não seja o seu caso — e o seu co-fundador seja um homem — Mariana sente que ainda é “profundamente injusto” que as mulheres ganhem menos que os homens, porque “não há razão para tal”.
"Por cada mulher que arrisca estamos todas mais próximas da igualdade.”
Mariana vai mais longe e explica qual é, para ela, o grande problema das mulheres no mundo dos negócios: é mais difícil para uma mulher provar que consegue. “A uma mulher não basta dizer, tem de mostrar que sabe fazer. Tem de dar mais provas, e só a partir daí é aceite como os homens”, acrescenta.
Para Sara, os homens já olham com mais naturalidade para as mulheres em cargos de gestão. “Acredito em vários exemplos que já temos no nosso país, de empreendedoras com uma grande capacidade de gerir a parte pessoal e profissional”, explica. Ainda assim, confessa que a educação dada às mulheres pressupõe que venham a ser donas de casa e mulheres de família.
“Por cada mulher que arrisca estamos todas mais próximas da igualdade”, refere Sara. “Embora os homens sejam promovidos com base no potencial, as mulheres são-no com base em concretizações passadas”.
Investir em mulheres. É problema?
"As mulheres têm tanto ou mais potencial que os homens para levar avante um projeto.”
“Diria que, há 10 anos, os investidores preferiam investir nos homens. Atualmente acho que a tendência está a mudar a favor das mulheres”, sublinha Sara. “As mulheres estão cada vez mais preparadas para o multitask, e acho que isso se está a refletir no mundo do trabalho”.
Para Mariana, se for um problema investir em mulheres é “uma pena”. “As mulheres têm tanto ou mais potencial que os homens para levar avante um projeto. E, se isso acontecesse, é mais uma prova de que há desigualdade de género nos negócios”, acrescenta.
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Empreendedorismo feminino. Quando são elas que mandam
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