Tudo o que não seja um resgate já é bom

Aí está a medalha de “melhor aluno” dada pela Comissão Europeia. Quem diria que a recuperaríamos com um governo do PS apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. A vida não pára de surpreender-nos.

Terça-feira

Na frente económica, o Governo vai fazendo diferente, às vezes até o oposto, do que eram os seus planos e anúncios. Outras coisas estão a sair ao contrário do que o Governo queria e previa. Ainda bem. Isso tem permitido que os resultados sejam, nalguns indicadores, melhores do que a expectativa.

Recordemos.

A ideia era abandonar a “obsessão com o défice”. Pois temos um Governo rendido aos deveres da consolidação orçamental e orgulhoso por apresentar o défice mais baixo em várias décadas. Ainda bem, porque isso defende muito melhor os interesses do país no imediato e para o futuro.

O plano era fazer a economia arrancar através da procura interna (consumo + investimento). Não só a economia não arrancou como os menos maus resultados do último trimestre foram conseguidos com o aumento das exportações, dinâmica que o governo desprezou desde o início. Melhor ainda que tenha acontecido assim. Uma economia pequena e aberta como a portuguesa tem um perfil de crescimento mais saudável se o arranque for feito com as exportações.

O próprio Governo parece surpreendido com a sua performance. Compreende-se. Tinham outro plano, que abandonaram por manifesta desadequação à realidade e pelos riscos que essa estratégica implicava. E começam a descobrir as virtudes do esforço para cumprir objectivos, de poder mostrar uma contas melhorzinhas, embora com alguns disfarces pelo meio.

A euforia com os números do PIB do terceiro trimestre são um sintoma disso mesmo. Resignados com a crónica anemia, consideramos um grande feito que a economia possa crescer 1,2% este ano, abaixo do número do ano passado mas, sobretudo, muito distante daquilo que o país precisa em nome da decência.

Já temos os níveis de exigência a zeros. Qualquer coisa que não seja uma recessão ou a iminência de um resgate já nos serve de alegria e como prova de que tudo está nos devidos carris e a ser um enorme sucesso.

Quarta-feira

Estes sintomas repetem-se com a aprovação por Bruxelas da proposta orçamental para o próximo ano. Claro que é uma boa notícia que a Comissão Europeia o faça e que recolha a espada que estava sobre o país que ameaçava o corte de fundos comunitários. Não estamos habituados a isto, que devia ser a mais banal normalidade. Os défices de 11%, a dívida estratosférica, a bancarrota e o penoso resgate com as suas sequelas já nos fizeram esquecer o que é isso de normalidade económica e orçamental. Há oito anos que dura a tutela apertada de Bruxelas e a governação sempre com os olhos nos juros da dívida e o coração nas mãos.

A generosa luz verde da Comissão ao Orçamento do Estado é, mais uma vez, um sinal para o Governo: valeu a pena o cumprimento da meta que está prevista para este ano, as medidas adicionais de 1000 milhões de euros colocadas lá no início deste ano e o corte forçado de 1900 milhões de despesa feito ao longo do ano, para acomodar idêntica derrapagem das receitas fiscais. A confiança ganha-se cumprindo metas e não violando compromissos. O rigor e o esforço são preferíveis à delinquência orçamental. E aí está a medalha de “melhor aluno” dada pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Pierre Moscovici. Quem diria que a recuperaríamos com um governo do PS apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. A vida não pára de surpreender-nos.

Difícil é acreditar que aprendemos, de facto, alguma coisa de duradouro. E a tentação da política é quase sempre irresistível, como sabemos. Terá sido mais do que uma coincidência que o Governo tivesse esperado pelo “sim” de Bruxelas para anunciar aumentos nas pensões mínimas que não estavam contempladas no anúncio anterior. Ou que ia descongelar as carreiras nas empresas do Estado. Ou ainda a antecipação do fim da sobretaxa para o segundo escalão de Março para Janeiro. Claro que o Orçamento só está fechado depois da votação final global mas, em nome da tal responsabilidade e disciplina, era importante saber que outras medidas de aumento da receita ou corte de despesa vão compensar aquelas, no próximo e nos seguintes. E isto aplica-se a todas as propostas, venham elas donde vierem. Sem isso, e por mais legítimas que sejam as medidas, estamos no domínio da pura mercearia orçamental para garantir apoios políticos ao documento ou a simpatia de grupos concretos.

Sexta-feira

Sabemos que a entrada de dinheiro público na Caixa Geral de Depósitos foi adiada deste ano para o próximo, por razões de prudência orçamental. Ainda não está fechado com Bruxelas se a operação terá que ser contabilizada nas contas do Estado como uma despesa, o que terá impacto no défice. Se assim vier a ser, lá se vai a saída do país do grupo de alunos problemáticos que exigem acompanhamento mais próximo e regras apertadas.

Mas não sabemos se a Caixa terá esta administração em funções daqui a umas semanas. Este caso é um manual de como não conduzir um processo de contratação de gestores públicos. E o que se vai vendo não é bonito. Um governo a tentar escapar, para lá dos limites da decência e da ética, ao caso que ele mesmo criou quando prometeu o que não podia cumprir a um conjunto de gestores que estariam bem nas funções que desempenhavam e foram desafiados para uma nova função. O seu pecado? Com a informação que dispomos hoje foi terem confiado em quem não deviam.

António Lobo Xavier revelou na SIC Notícias que há documentos escritos com as promessas do governo. Não admira, porque este campeonato não se joga a feijões nem se fecham acordos com pancadinhas nas costas. Isso só nos diz que o caso não vai ficar por aqui.

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