Vistos Gold. Juiz fala de Macedo: “Uma coisa é não ser honesto, outra é ser criminoso”

Dos 47 crimes da acusação do MP; apenas sete ficaram provados. Juiz foi crítico no discurso. Ministério Público já anunciou que vai recorrer da decisão.

Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados no âmbito do caso conhecido como “Vistos Gold. A leitura do acórdão deste processo, tecnicamente designado de “Operação Labirinto”, foi lida esta sexta-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa. Miguel Macedo estava acusado de quatro crimes: três de prevaricação e um de tráfico de influências. “O tribunal considerou que estas intervenções do ex-ministro, nesta parte dos vistos gold, não são ilícitos por si”, disse o juíz Francisco Henriques, relativamente ao ex-ministro de Pedro Passos Coelho. O Ministério Público já anunciou que vai recorrer.

“Não será muito honesto, é moralmente condenável, censurável até, mas o direito penal é o último grau de defesa da sociedade, e aqui não é ilícito o que aconteceu. O Dr. ministro fez dois contactos, mas daí não resultou que tenha havido algum vício neste processo em virtude destes contactos”, frisou o juiz.

De todos os 47 crimes – que envolviam sete arguidos — só sete ficaram provados. O arguido António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN) foi condenado a pena suspensa de quatro anos e sete meses e proibição do exercício de funções por três anos por dois crimes de corrupção ativa e passiva na questão dos concursos da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP), por um crime de tráfico de influências e um de peculato de uso. O ex-presidente do IRN estava acusado de 12 crimes.

António Figueiredo foi, no entanto, absolvido do crime de corrupção na parte de obtenção de vistos gold para Angola. O magistrado considerou que não ficaram provados os elementos necessários.

A ex-secretária-geral do Ministério da Justiça Maria Antónia Anes também foi condenada no âmbito do concurso da CRESAP, a quatro anos e quatro meses de pena suspensa.

Manuel Palos, ex-diretor do SEF foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados, neste caso um crime de corrupção passiva e dois de prevaricação. Não houve margem para dúvidas no que toca aos factos, segundo o juiz.

Recorde-se que os quatro arguidos eram todos, à data do caso, altos quadros do Estado: Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, Manuel Palos, ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o ex-presidente do IRN, António Figueiredo e a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes.

Recorde-se ainda que este processo foi o primeiro mediático às ordens de Joana Marques Vidal, ex-procuradora Geral da República. O juiz não poupou críticas à acusação do Ministério Público acrescentando que julga todos por igual, independentemente de quem se senta no banco dos arguidos. Numa clara alusão ao facto de no banco dos arguidos estarem ex-altos quadros do Estado. E também não deixou de criticar a instrução deste processo, na altura nas mãos do juiz de instrução Carlos Alexandre.

Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, estava acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo político e um de tráfico de influência. Segundo a PGR, ficou indiciado que Miguel Macedo, enquanto ministro da Administração Interna, “em ordem à satisfação de interesses de natureza privada e lucrativa prosseguidos conjuntamente por outros arguidos dos autos, ordenou verbalmente ao arguido Manuel Palos, então diretor nacional do SEF, entidade sob a alçada hierárquica do MAI, que este apresentasse formalmente uma proposta de nomeação de um oficial de ligação para Pequim”, explica nota da PGR à data da acusação, em novembro de 2015.

A sessão ficou ainda marcada pela mensagem deixada pelo presidente do coletivo ao fazer uma defesa da integridade da sentença. “Este tribunal não faz fretes a ninguém” e “não houve pressões de ninguém para que estas decisões fossem tomadas”, garantiu Francisco Henriques, antevendo que a ausência de condenações pudesse suscitar questões nesse sentido.

“Este tribunal e este juiz pode afirmar que nunca fomos pressionados de forma nenhuma e não fazemos fretes a ninguém: o que está refletido nesta decisão é a convicção do tribunal do que se passou na verdade, esta decisão é a verdade deste tribunal para que não haja dúvida”, concluiu.

Depois de o juiz presidente do coletivo ter adiado a leitura da decisão para maio de 2019, alegando falta de tempo para concluir o acórdão até à data marcada (21 de setembro de 2018), por já não ter a exclusividade do processo, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) decidiu pela antecipação desse adiamento. Ou seja: de setembro, a leitura da decisão passou para dezembro. De dezembro, mas desta feita devido à greve dos funcionários judiciais, a leitura da decisão foi ainda adiada para esta sexta-feira, dia 4 de janeiro.

O Ministério Público (MP) apenas pediu pena de cadeia efetiva para aquele que era considerado a figura central de todo o caso, o ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado António Figueiredo, e ainda para o empresário Jaime Gomes, amigo de Miguel Macedo. E pediu a absolvição de Manuel Palos pelo crime de prevaricação. Defendeu, porém, a sua condenação por corrupção passiva, dadas as facilidades que alegadamente concedeu aos amigos chineses de António Figueiredo na concessão de vistos dourados.

O julgamento começou em fevereiro de 2017 e terminou em abril de 2018. Um caso que remonta a novembro de 2014 com as primeiras detenções.

O processo envolve ex-altos quadros do Estado, com um total de 21 arguidos — 17 pessoas singulares e quatro empresas — em que os arguidos respondem pelos crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato, abuso de poder, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

Miguel Macedo demitiu-se do governo de Pedro Passos Coelho em novembro de 2014, tendo-lhe sido imputado pelo Ministério Público o alegado favorecimento de um grupo de pessoas que pretendiam lucrar de forma ilícita com os Vistos Gold, realizando negócios imobiliários lucrativos com empresários chineses que pretendiam obter autorização de residência para investimento.

Nas alegações finais — em março deste ano — o MP admitiu que Miguel Macedo e quase todos os outros arguidos do processo Vistos Gold possam não cumprir pena efetiva de prisão. “Não nos repugna que, com exceção de Jaime Gomes as eventuais penas possam vir a ser suspensas”, disse o procurador José Niza. O MP pede pena efetiva de prisão para Jaime Gomes e, exceto para António Figueiredo, pede penas máximas de cinco anos de prisão.

O procurador admitiu que apenas o empresário Jaime Gomes, amigo do ex-ministro Miguel Macedo, deve cumprir pena efetiva de prisão. Neste caso, “impõe-se a necessidade de prisão efetiva”, defendeu o procurador. Jaime Gomes estava acusado de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, um crime de prevaricação e dois crimes de tráfico de influência.

 

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