Presidente da empresa de Barcelos diz que há nuvens a pairar sobre o setor têxtil. Ainda assim acredita que o projeto de economia circular vai estimular as vendas do grupo em dez milhões de euros.
O patrão da Valérius, empresa criada em 2007, em plena crise, fala das nuvens que ensombram o setor têxtil. Para José Manuel Vilas Boas Ferreira, comendador da Ordem de Mérito Industrial, o maior problema do setor em Portugal é que não se sabe vender. “Há clientes a retirar as encomendas de Portugal”, avisa. Avesso a marcas, diz que para já só quer criar uma marca de produtos reciclados, com o projeto que é o “menino dos seus olhos”, o 360. O mesmo que vai conseguir catapultar as vendas do grupo em dez milhões de euros atingindo os 40/45 milhões de euros no prazo de três anos. Período em que garante que o futuro da Valérius passa pelo private label. De resto, diz que Portugal não tem dimensão para uma Inditex nacional e que o país se deve afirmar como uma marca de excelente produtor. Sobre a Valérius garante que esta é cada vez mais uma empresa de serviços, uma “espécie de call center do cliente” para responder às exigências dos clientes.
Como é que olha para o setor têxtil, neste momento?
Há uma nuvem a pairar sobre o setor. Neste momento não está tudo bem, sabemos que há aqui um problema. Sabemos quais as empresas que estão mais preparadas. Houve clientes que tiraram as encomendas de Portugal, havia empresas que estavam preparadas e os clientes de um momento para o outro retiraram. Não posso dizer nomes, mas os clientes que estão a desmobilizar são muito importantes para a nossa fileira têxtil.
Estão a desmobilizar para a Turquia?
O maior problema da nossa indústria é não nos sabermos vender, somos bons produtores, temos grande flexibilidade. Mas depois quando vamos ao impacto da venda é muito complicado. Temos sempre medo que alguém venda mais barato que nós.
O maior problema da nossa indústria é nós não nos sabermos vender, somos bons produtores, temos grande flexibilidade mas depois quando vamos ao impacto da venda é muito complicado. Temos sempre medo que alguém venda mais barato que nós.
Diria que esse é um dos grandes problemas do setor?
Sim, é a falta de marketing.
E a falta de mão-de-obra de que as empresas já se começam a queixar?
Era bom que a mão-de-obra faltasse, porque nesse cenário o cliente se quisesse continuar cá tinha de aumentar o preço, mas o problema é que a mão-de-obra que falta é a mão-de-obra flexível. A mão-de-obra que faz as rotinas normais existe, a têxtil tem aqui, num raio de 50 km, um grande cluster, e temos nas empresas de aviação low cost os nossos maiores parceiros. Hoje temos essa vantagem, temos clientes que chegam ao meio dia e às 16 horas vão embora, e nós precisamos de ir a um país qualquer e é o mesmo. E isto é fundamental, temos de saber responder rapidamente aos problemas. A incerteza que existe no mercado diz que devemos ser cautelosos nas formas de abordagem, porque podemos criar perspetivas erradas ao setor. Sabe que as empresas são familiares, outras são sociedades com muito acionistas, e o que acontece é que toda a gente quer ser importante, e o mercado não vive para mim, sou eu que tenho que viver para o mercado.
A Valérius exporta tudo o que produz?
Exportamos tudo o que produzimos, o mercado português é residual, temos uma marca que é a Concreto, é muito pequenina.
Quantas pessoas trabalham no grupo?
Temos 145 pessoas no grupo. Isto obriga a que cada pessoa tenha o seu projeto. Já tivemos muitos insucessos nas marcas, tivemos a Onara. Sou um redutor das marcas, no fundo acho que Portugal deve ser uma marca de excelente produtor e na cadeia de valor, não como concorrente das marcas que existem, mas ser parte do comboio que leva ao sucesso das mesmas.
A grande aposta da Valérius é no private label?
É esse o caminho da Valérius, não posso ter certezas a 100%, mas posso assegurar que nos próximos três anos o nosso caminho não é criar uma marca, quero criar uma marca de produtos reciclados, quero trabalhar com bloggers que querem criar os seus projetos. Temos uma equipa que diz: “tu és uma blogger, tens dois milhões de seguidores, nós fazemos as peças para ti, com a tua marca e somos o teu parceiro. Tu fazes a promoção e o marketing e nós fazemos as entregas”. Portugal pode ser muito interessante para o futuro apostando muito na logística, acho que é um caminho… se só formos um fabricador de peças.
Portugal deve ser uma marca de excelente produtor e na cadeia de valor, não como concorrente das marcas que existem mas ser parte do comboio que leva ao sucesso das mesmas.
Então porque é que tem a marca Concreto?
É como um jogo de poker, é uma ficha que temos dentro da empresa. De resto, estamos a tentar internacionalizar a Concreto porque esta era uma marca muito nacional, hoje fatura dois milhões de euros e numa dinâmica de 70% no mercado internacional e 30% para o mercado nacional. A Concreto é a nossa marca, tentamos sempre a marca, criamos em mercados como Alemanha e Itália, mas nada disto esteve perto do sucesso. Não temos dimensão. Neste momento, este investimento na Concreto é muito difícil, toda a dinâmica de vendas está a mudar.
Exportam sobretudo para a Europa. Já teve a experiência de ter um monocliente e correu mal. Exportar só com base no mercado europeu não é também perigoso?
Pode e isso está nos livros, mas dos livros para a realidade vai uma diferença muito grande. Quem tem de fazer essa diferença são os nossos clientes.
Vocês trabalham Moschino, Max Mara, H&M…
Trabalhamos cerca de 60 marcas e essas sãos as mais conhecidas, mas trabalhamos algumas pequenas marcas que estão com crescimentos elevados. Por exemplo, trabalho para a H&M, mas não trabalho para a marca H&M, trabalho para a COS. Na verdade trabalho para um país que depois distribui para 45 países, hoje em dia estas marcas estão a internacionalizar-se, temos de estar em players europeus, mas os que estiverem localizados num só país é um problema. Trabalhar para Itália para uma marca que só trabalha o mercado italiano é um problema, e é muito perigoso, mas se trabalhar para um player italiano que, em Itália, só vende cerca de 10% e vende cerca de 90% para a Ásia, isso já não é um problema. Foi, aliás, essa lição que nos levou a mudar de vida. Porque ou te mudas ou te mudam, no mesmo sítio nunca vais ficar.
Portugal não tem dimensão, uma marca para ter notoriedade tem que começar no seu próprio mercado e depois ir para o mercado de proximidade que era Espanha e só depois internacionalizar-se
Mas não havia um preconceito em Portugal contra o private label?
Isso é que o está nos livros, é muito antigo, mas Portugal não tem dimensão, uma marca para ter notoriedade tem de começar no seu próprio mercado e depois ir para o mercado de proximidade que era Espanha e só depois internacionalizar-se.
O que está a dizer é que não temos capacidade para ter uma Inditex nacional?
A Inditex foi um fenómeno, teve um sucesso enorme porque tínhamos uma economia a crescer a 10%, e quando uma economia cresce a 10% tudo é possível. No verão todos os restaurantes estão cheios e no inverno só os mesmos bons é que se mantém… sabe que houve um player português que foi convidado, na altura, para fazer parte da Inditex e não quis, hoje deve chorar todos os dias. É um player grande e na área de fabricação e de malhas, mas claro que as pessoas não acreditaram. Agora o que vemos é que está tudo a mudar, o canal de vendas também está a mudar, o canal do consumidor está a mudar, o consumidor também já não tem a fidelidade há marca que tinha, há aqui uma oportunidade, mas nós os industriais portugueses tínhamos que ter uma capacidade financeira enorme, já disse até a alguns membros da nossa governação que se houvesse um fundo que tivesse alguns 100 milhões de euros para comprar um player na Alemanha ou em França… porque há grandes players em dificuldades. Com a globalização foi tudo para a Ásia. Mas, a dada altura, é tudo mais do mesmo, sobretudo quando se vai ao preço. Mas essas formas de comprar estão a esgotar-se… mas demora algum tempo a perceber essa mudança e, sobretudo, a ver que Portugal é o parceiro certo. E isso obriga-nos a fazer muito marketing, e a bater às portas todos os dias… É precisa muita paciência, a tal que os chineses têm.
Costuma dizer que a Valérius é uma empresa de serviços. O que é que isso quer dizer?
É uma empresa que é quase um call center do cliente. O cliente tem um problema porque alguma coisa correu mal, em algum país, ou houve uma rutura de stock e temos de ser os repositores da prateleira. Isto obriga a uma dinâmica que a maior parte das empresas não tem, não por estarmos mais bem preparados que os outros, mas porque somos o “caçula” do setor, percebemos que se não tivermos pessoas a responder ao cliente mal ele precise, o cliente desiste. A dinâmica é tão grande que toda a gente tem a cabeça a prémio.
Qual é a vossa capacidade de resposta?
Respondemos a amostras em 48 horas, e muitas vezes em oito horas, o cliente entra aqui e já sai com a amostra. Em períodos de coleção respondemos em 10/12 dias. Hoje a têxtil é complexa porque podemos ter o criador nos Estados Unidos, a equipa em Inglaterra e o decisor de compra em Itália, isto obriga a uma grande capacidade de movimentação.
De resto, os canais de venda estão também em alteração?
Exatamente, já lhe falei no efeito Turquia, na instabilidade da Europa que é um caldeirão e há um terceiro fator que está a preocupar as marcas e que são os canais de venda. Se o comprador compra, mas o consumidor não consome isto é um problema, e hoje o consumidor está a mudar os seus hábitos de compra porque compra muito online. E isto obriga a uma nova dinâmica. As crises também têm oportunidades e esta pode ser uma oportunidade para Portugal.
O online veio baralhar as contas das empresas?
Mais das marcas, porque são esses que estão a ficar baralhados. Nós trabalhamos com dois nichos de mercado e um deles são os millennials, quem nasceu depois dos anos 80, e que não tem fidelidades a nenhuma marca, tem um input de compra ao clique de um dedo e isto obriga a que as marcas não podem ter nada produzido e vão comprar… muito do sucesso das marcas que estão a aparecer hoje no mercado são marcas que trabalham com pré-vendas. No fundo fazem vendas antes das compras, e no fundo a fábrica vai vender o que está a produzir.
Há então uma oportunidade para as empresas portuguesas que é produzirem ainda mais rápido…
E com menos quantidades, muita mais flexibilidade e ainda melhor preço, claro que depois vem a política do preço e, Portugal no fundo ainda é um player de preço relativamente baixo. O cliente vai ter de se aperceber que mais vale dividir a margem e ter menos risco do que estar a arriscar e maximizar a compra e muitos já se apercebem disto. Outra peça fundamental é que na compra já aparecem variáveis económicas, a parte emocional começou a sair da equação e o razoável económico está a vir ao de cima. Hoje, a prateleira é a loja online, e isto obriga a ter um grau de credibilidade porque o cliente sabe que posso comprar em cima…
Hoje, a prateleira é a loja online.
E aÍ a Valérius está bem posicionada?
Penso que sim.
Falou no Governo que avaliação faz do Executivo de Costa? Tem sido amigo dos empresários?
Neste momento crítico, é impossível dizer que está tudo bem, mas acho que o bom senso tem perdurado nesta governação, se não houver bom senso… Os chamados setores tradicionais que é o calçado e o têxtil são setores altamente voláteis, como costumo dizer temos uma moeda de rico e uma barriga de pobre, e se o industrial deixar de investir a probabilidade de correr mal é elevada. O investimento tem de andar sempre ao lado do crescimento, e isto obriga a uma dinâmica que não é fácil.
Não tem nada a apontar ao Governo?
Não tenho nada a apontar porque sou muito direto, antes da crise, os setores estratégicos eram o turismo e a construção civil.
Mas o turismo continua a ser?
E vai continuar a ser. O turismo é muito importante porque são divisas, mas os bens transacionáveis são muito importantes.
Como é que olha para o setor têxtil e para a Valérius, daqui a cinco anos?
Queremos que, dentro de três anos, 25% dos nossos produtos sejam produtos de sustentabilidade, e em dez queremos inverter a pirâmide, ou seja, que o número de peças que vendemos seja o mesmo número de peças que reciclamos.
Isso em termos de faturação traduz-se em quê?
São alguns milhões de euros, mas é uma previsão. Projetamos que isto nos vai dar um input de dez milhões de euros nos próximos três anos, por isso podemos saltar para os 40 milhões ou 45 milhões de euros, mas preocupo-me mais com a rentabilidade do que com a faturação.
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