Créditos fiscais da banca: Estado já pode usar contrapartida e forçar aumentos de capital

  • Margarida Peixoto
  • 20 Novembro 2016

O Estado já pode usar a contrapartida que ganhou quando permitiu aos bancos aderirem a um regime especial que tranformou ativos por impostos diferidos em créditos fiscais.

Demorou mais de dois anos, mas já está. Desde sábado que o Estado pode exercer os direitos de conversão que tiver em seu poder, como resultado da adesão dos bancos ao regime especial dos ativos por impostos diferidos. Na prática, quer dizer que é a partir de agora que o Estado pode, efetivamente, forçar os bancos a aumentarem o seu capital ou, em alternativa, a cederem parte dele ao controlo público.

A portaria que estava em falta para completar o regime especial de ativos por impostos diferidos foi publicada na sexta-feira passada em Diário da República. O diploma entrou em vigor precisamente um dia antes de a Fosun decidir a compra de 16,7% do capital do BCP e torna efetivo um regime que promove os aumentos de capital dos bancos aderentes, entre os quais está o BCP. BPI, Montepio, CGD, Novo Banco e Banif também aderiram a este regime em 2014.

De acordo com a portaria, o Estado, a favor de quem foram constituídos os direitos de conversão em capital daqueles bancos, pode a partir de agora exercer efetivamente esses direitos a um ritmo mínimo de 20% do valor total concedido por ano, num limite de 10 anos a contar de sábado. Contudo, o limite mínimo de 20% só se aplica se os bancos tiverem registado resultados líquidos positivos nos dois anos que antecederam a entrada em vigor desta portaria — ou seja, em 2014 e 2015.

Um direito com dois anos de atraso

Esta história começou em agosto de 2014, ainda com o anterior Governo. A equipa de Maria Luís Albuquerque, na altura ministra das Finanças, foi confrontada com a necessidade de encontrar uma solução que agradasse a gregos e a troianos: por um lado, era preciso resolver o problema da banca, criado pela entrada em vigor das regras de Basileia III, que desvalorizaram os ativos por impostos diferidos para efeitos de contabilização dos rácios de capital.

Como estes ativos estão dependentes da verificação de lucros tributáveis (porque, de forma simples, correspondem à possibilidade de reduzir à fatura de impostos custos que já foram registados na contabilidade dos bancos, mas que para efeitos fiscais ainda não se concretizaram) não podiam ser considerados como verdadeiros créditos fiscais. Por isso, deixaram de ter o mesmo peso para efeitos de apuramento do capital.

Mas por outro lado, o Estado não estava em condições de simplesmente conceder uma garantia pública que transformasse os tais ativos por impostos diferidos (chamados de DTA, por causa da designação inglesa deferred tax assets) em créditos fiscais puros.

Se o fizesse, estaria a assumir um compromisso de despesa que teria de ser registado no défice orçamental daquele ano. Ora, em 2014 o Executivo de Passos Coelho estava a braços com a necessidade aguda de baixar o défice: o programa da troika tinha terminado formalmente em maio desse ano e, sob os holofotes dos mercados, Portugal não se podia arriscar a falhar a meta do défice, que tinha sido fixada para 4,5% do PIB, por este motivo (na verdade, o défice ficaria em 7,2% nesse ano, por causa da intervenção no BES e do adiamento da venda do Novo Banco, razões consideradas como sendo em defesa da estabilização do sistema financeiro e, por isso, desculpadas pelas instituições europeias).

Para desatar o nó, a equipa de Maria Luís Albuquerque criou o tal regime especial para os DTA. Este regime não se aplica só aos bancos, mas foi criado a pensar neles. Os bancos que aderiram puderam transformar os seus DTA em créditos fiscais. Contudo, em contrapartida, e para que a medida não tivesse impacto no défice, tiveram de emitir direitos de conversão a favor do Estado, em montante equivalente. Estes direitos significam que o Estado pode converter um valor idêntico ao do crédito fiscal garantido em capital dos bancos. Tendo em conta que o Estado não tem interesse em entrar no capital dos bancos, também pode vender estes direitos de conversão, forçando um aumento de capital, seja pelos atuais acionistas, seja por novos.

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