ONU discute superbactérias sob ameaça de rombo de 3,8% no PIB mundial
A ONU vai discutir formas de reduzir a ameaça das bactérias multirresistentes após a publicação dos alarmantes relatórios do Banco Mundial e do ex-executivo da Goldman Sachs que cunhou o termo BRIC
A Assembleia Geral das Nações Unidas vai discutir esta quarta-feira, pela primeira vez, os perigos das bactérias multirresistentes, também chamadas superbactérias. É um problema que, segundo um relatório recém-publicado pelo Banco Mundial, poderá ter um impacto económico superior ao da crise financeira de 2008, podendo causar um rombo de até 3,8% no PIB mundial em 20150.
No relatório publicado segunda-feira, dia 19 de setembro, o presidente do Banco Mundial Jim Yong Kim afirma: “A escala e natureza desta ameaça económica poderia arrasar o desenvolvimento que foi ganho através de muito esforço, e afastar-nos dos nossos objetivos de acabar com a pobreza extrema”. O Banco Mundial prevê que os países mais pobres seriam os mais afetados por uma crise económica com raízes em infeções generalizadas por superbactérias — o nome que se dá às bactérias contra as quais todos os antibióticos são inúteis. Nos países pobres, o Banco Mundial prevê que o PIB possa descer até 5% no caso mais extremo de perda de eficácia dos antibióticos.
O aparecimento de bactérias multirresistentes tem sido incentivado por más práticas no uso de antibióticos, como a receita médica de antibióticos quando estes não são necessários nem poderão ser eficazes. Quando uma bactéria entra em contacto com um antibiótico mas não é erradicada por ele, pode desenvolver formas de se proteger contra o medicamento e transmitir essas mutações às suas descendentes, o que vai tornando esse tratamento cada vez menos eficaz.
Espera-se que a ONU debata várias estratégias diferentes para combater a ameaça das superbactérias, incluindo a restrição do uso de antibióticos na criação de animais para consumo, onde são utilizados para acelerar o crescimento, a criação de limitações para a receita destes medicamentos aos doentes, para passarem a ser usados apenas quando são necessários, e o estímulo ao desenvolvimento de novos tratamentos mais eficazes.
As recomendações apresentadas pelo Banco Mundial no seu estudo estavam concentradas na importância de impedir as superbactérias de alastrarem logo que aparecem e na regulamentação do uso de antibióticos para evitar o seu desenvolvimento. A organização prevê que aplicar estas medidas nos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento possa custar cerca de oito mil milhões de euros em investimento anual, mas é uma despesa que valeria uma poupança de 24 biliões de euros até 2050.
O economista que cunhou o termo BRICs também lança o alerta
Um outro relatório publicado este ano que tem feito ondas pelas suas previsões dramáticas acerca do possível impacto económico das superbactérias foi liderado pelo antigo executivo da Goldman Sachs Jim O’Neill, que ganhou notoriedade por ter cunhado o termo BRIC para se referir às economias emergentes do Brasil, Rússia, China e Índia. Após ter saído da alta finança, O’Neill juntou-se à Review on Antimicrobial Resistance para estudar os impactos do alastramento das superbactérias.
“Cirurgias rotineiras e infeções menores vão voltar a tornar-se casos de vida ou morte e as vitórias contra as doenças infeciosas dos últimos 50 anos vão ser postas em risco”, lê-se na apresentação do relatório da Review on Antimicrobial Resistance, orientado por O’Neill. Atualmente, morrem cerca de 700 mil pessoas todos os anos devido a infeções resistentes aos medicamentos, mas este estudo prevê que, se não forem tomadas quaisquer medidas, os números possam ascender aos dez milhões anuais. O estudo antecipa ainda que se possam perder até 100 biliões de dólares até 2050.
"[As empresas farmacêuticas] deviam ter cuidado com a gritaria que fazem, porque se acontece qualquer coisa e temos perto de dez milhões de pessoas a morrer por ano, quem estaria no primeiro lugar da lista de pessoas a culpar?”
Esta terça-feira, após a publicação do relatório do Banco Mundial, 13 empresas farmacêuticas apresentaram os compromissos que estão dispostas a tomar para reduzir os riscos do desenvolvimento de bactérias multirresistentes. Empresas como a Pfizer, a GlaxoSmithKline e a Johnson & Johnson comprometeram-se, até 2020, a melhorar o acesso aos antibióticos e vacinas, a monitorizar as atividades promocionais das empresas e a procurar colaborações com o setor público para investigar estas questões.
À Quartz, Jim O’Neill explicou que está no interesse das empresas farmacêuticas mostrarem-se disponíveis para ajudar a combater a ameaça das superbactérias. “Digo isto enquanto uma pessoa que passou 30 anos nas finanças e que fez parte do desastre que aconteceu. Não acredito que as empresas farmacêuticas sejam as mais populares do mundo. Por isso deviam ter cuidado com a gritaria que fazem, porque se acontece qualquer coisa e temos perto de dez milhões de pessoas a morrer por ano, adivinhem quem estaria no primeiro lugar da lista de pessoas a culpar?”
Em Portugal, as resistências são elevadas
No relatório mais recente da Direção-Geral de Saúde (DGS) acerca das infeções multirresistentes, publicado em março deste ano e referente ao ano de 2015, lê-se que o consumo de antibióticos tem descido em Portugal, mas que as resistências a antibióticos continuam com valores elevados que é necessário trabalhar para reduzir. Embora se tenham registado a redução da resistência aos antibióticos por parte de alguns microrganismos, existem casos preocupantes.
“A principal ameaça é constituída pelo microrganismo Klebsiella pneumoniae“, lê-se no relatório, “resistente aos antibióticos da classe dos carbapenemos, já presente em todo o mundo”. Foi esta a bactéria responsável pela morte de três pessoas no final de 2015 no Hospital de Gaia.
Editado por Mónica Silvares.
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