A única coisa que deve influenciar os empregadores, durante um processo de recrutamento, são as competências e skills dos candidatos. Ter paralisia cerebral não consta do currículo.
Abílio Saraiva da Cunha e R. Coimbras vivem com paralisia cerebral desde sempre. Mas este não é o único ponto que têm em comum. É, aliás, talvez o menos relevante quando comparado com os seus currículos. No mundo profissional, ambos assumem cargos de chefia, lideram equipas e já têm uma carreira construída, como outros profissionais sem qualquer deficiência.
Claro que para Abílio da Cunha e R. Coimbras, tal como para os cerca de 17 milhões de pessoas no mundo diagnosticados com paralisia cerebral, todos os dias são um desafio, com vários obstáculos pelo caminho, ainda que não seja apenas pelo preconceito criado à volta desta e de qualquer que seja a deficiência em questão.
Mas, “a deficiência não é um bicho de sete cabeças, como as pessoas pensam”, afirma Susana Valongo, secretária da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral (FAPPC). O nome pode enganar e, muitas vezes, deixar os recrutadores das empresas reticentes, contudo a paralisia cerebral não é um problema mental.
“Olhem para uma pessoa com paralisia cerebral tal como se olha para uma pessoa sem paralisia cerebral”, diz Ana Lucas, professora universitária de um aluno com paralisia cerebral e que, mais tarde, veio a ser, também, colega de trabalho. Nos tempos universitários, desde cedo que a professora percebeu que estava perante um aluno “brilhante”, que não podia deixar escapar.
R. Coimbras, vice-presidente da FAPPC, admite que, no mercado de trabalho, o seu maior handicap é, de facto, a comunicação. Ainda assim, nada que não se resolva. E resolveu mesmo, graças ao empenho e esforço nas aulas de terapia da fala e em todas as etapas do plano traçado com vista a melhorar estes skills. Hoje, R. Coimbras dá inclusivamente palestras. Claro que há algumas adaptações que podem ser feitas e que o ajudam, como, por exemplo, usar um microfone de lapela em vez de um microfone de mão.
“Um dia reencontrei um pediatra que tive na infância e ele disse-me: ‘Tu tens dificuldade a falar, não tens dificuldades em comunicar’. São coisas muito diferentes”, recorda. E graças a isso, juntamente com os seus conhecimentos, o mercado de trabalho nunca foi uma barreira.
Mas o caso de R. Coimbras não é, no entanto, um cenário comum entre as milhões de pessoas com paralisia cerebral. Nem todos os empregadores são como os de R. Coimbras, nem todas as professoras como Ana Lucas ou nem todos os colegas como Paulo Pereira, que se propôs a ajudar um colega — que viu ter algumas dificuldades ao nível da fala –, de modo a melhorar o seu desempenho global na empresa.
Também Jorge Carvalho, diretor do departamento de desporto no Instituto Português de Desporto e Juventude (IPDJ), confessa que, muitas vezes, a perceção das pessoas muda à medida que conhecem e lidam mais de perto com alguém com paralisia cerebral, porque é nesse momento que conhecem realmente esta deficiência.
“Ainda há muito trabalho a fazer em termos de divulgação pública. Estamos a falar de uma doença muito pouco divulgada. Eu próprio não fazia a mínima ideia de quais eram as causas ou as limitações, por exemplo”, diz Paulo Pereira, atual diretor de sistemas de informação da Gulbenkian, que teve o primeiro contacto com a paralisia cerebral em contexto profissional.
“No início, havia um certo preconceito porque estávamos perante uma pessoa diferente, sobretudo no meio profissional”. Contudo, com o passar do tempo e com a convivência, “a minha perceção sobre esta deficiência, tal como a dos meus colegas, mudou. Até porque percebi logo que estava perante um técnico de excelência”, conta.
Se é possível que uma pessoa com paralisia cerebral percorra Amesterdão de bicicleta, também é possível que chefie uma equipa ou que decida quem quer recrutar para uma empresa. Susana Valongo, agora secretária da FAPPC, foi, precisamente, entrevistada por duas pessoas com paralisia cerebral. Certo é que a entrevista correu bem, não tivesse sido quase imediatamente contratada.
Abílio Saraiva da Cunha, presidente da FAPPC, considera que é necessário sensibilizar as pessoas, sobretudo as que não têm qualquer deficiência. O grande desafio deste projeto da FAPPC passa por capacitar as crianças e jovens com paralisia cerebral para que, no futuro, sejam mais autónomos e sigam a carreira profissional que escolherem.
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Alguém que lhes diga. Empregadores, “a deficiência não é um bicho de sete cabeças”
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