Os quatro F que apoiam Tomás Correia no Montepio: Futebol, Fado, Fátima e a alínea f
O Montepio é mais do que a maçonaria. Na lista de apoiantes de Tomás Correia há futebolistas, fadistas, sacerdotes e políticos, dos comunistas à direita cristã. Tomás Correia foi condenado. E agora?
O pelicano, símbolo maçónico, é a marca clara das origens do Montepio Geral, instituição criada por maçons no século XIX. Desengane-se quem pensa que o Montepio se resume a aventais e martelos.
A prova disto foi a recente ascensão de Félix Morgado, com ligações à Opus Dei, à presidência da Caixa Económica (o banco do Montepio). Foi uma convivência de pouca dura: os maçons não são avessos à religião e, dependendo da obediência, são crentes ou toleram a Igreja; que o diga o padre franciscano Vítor Melícias, presidente da mesa da assembleia geral da associação mutualista. Mas a guerra de bastidores pelo poder entre a Opus Dei e a maçonaria já tem centenas de anos.
O Montepio de Tomás Correia é muito mais do que lojas, aventais, martelos, cruzes, cilícios ou apertos de mãos esquisitos. O Montepio de Tomás Correia é um banco onde está representado Portugal, com todos os seus F.
Na últimas eleições para a Associação Mutualista, em dezembro, depois de conhecidos todos escândalos no Montepio e as engenharias financeiras de legalidade duvidosa (ex: a tentativa de compra e venda da empresa mineira Almina SGPS); sabendo-se já que o Banco de Portugal se preparava para condenar Tomás Correia (o que veio a acontecer na semana passada); e mesmo sabendo-se que Tomás Correia era arguido pelo Ministério Público e é suspeito, entre outras coisas, de ter recebido 1,5 milhões do construtor civil José Guilherme, o homem forte do Montepio conseguiu reunir à sua volta um grupo de notáveis da sociedade portuguesa que emprestaram o seu nome e a sua imagem para ajudar a reelege-lo para um quarto mandato.
A lista é pública e pode ser consultada aqui. Há outros que não aparecem na lista, mas fizeram questão de o ir apoiar na cerimónia de apresentação da candidatura. Há pessoas ligadas ao futebol e ao desporto (os ex-presidentes do Sporting Godinho Lopes e Sousa Cintra e o ex-atleta Carlos Lopes), bem como ao fado, como Mariza, Fábia Rebordão, Camané e Cuca Roseta, alguns dos quais participantes no Montepio Fado Cascais. Para quem não tem pachorra para o fado, pode sempre ouvir a música mais ligeira de João Pedro Pais para quem “o apoio da Associação Mutualista Montepio à música é fruto do altruísmo”.
Será o altruísmo o elemento agregador de toda esta gente? Se sairmos da música e formos para a política, a lista de apoio a Tomás Correia dava para formar uma bancada parlamentar, eclética é certo. Maria de Belém Roseira, Carlos Zorrinho, Diogo Lacerda Machado (o amigo de António Costa), Fernando Seara, Jorge Coelho, José Eduardo Martins, Luís Padrão, José de Matos Correia e até a comunista Maria das Dores Meira. Entre outros.
Apesar de em dezembro já se suspeitar o que andava a fazer Tomás Correia, muitos dos seus notáveis apoiantes, mesmo os que não têm ligações à Igreja, foram crentes na probidade do presidente do Montepio Geral e, tal como São Tomé, quiseram ver para crer. Agora que já viram a condenação do Banco de Portugal, o que têm a dizer? Continuam a ter honra em pertencer à comissão de honra de Tomás Correia? Vão ter uma palavra crítica e condenatória para com o presidente da Mutualista? Ou simplesmente vão continuar a cantar fado, a jogar à bola e a rezar padre-nossos?
A condenação do Banco de Portugal
A lista de ilegalidades que o Banco de Portugal afirma terem sido cometidas entre 2009 e 2014 por Tomás Correia, relatadas pelo Expresso e pelo Público, devem abalar a fé dos mais indefetíveis apoiantes de Tomás Correia:
- Operações ilegais para esconder créditos em incumprimento;
- Empréstimos de amigo, com carência de capital e juros, sem passar pela análise de risco;
- Liquidação de prestações que não tinham sido pagas, com descobertos bancários, para não ter de registar perdas;
- Concessão de novos créditos a quem tinha deixado de pagar;
- Créditos a entidades ligadas ao grupo acima do limite legal;
- Empréstimos depositados nas contas de clientes antes de concluídos os processos internos de concessão;
- Financiamentos dados ao construtor civil José Guilherme e ao filho Paulo Guilherme, este último para comprar unidades de participação do Fundo de Participação do banco do Montepio.
Tomás Correia foi condenado pelo Banco de Portugal por sete ilícitos e a pagar 1,25 milhões de euros. Claro que a condenação pecuniária não aquece nem arrefece o presidente da Mutualista. Se for verdade que recebeu 1,5 milhões de euros do construtor civil da Amadora, como suspeita o Ministério Público, só com esse dinheiro consegue pagar a coima do Banco de Portugal e ainda lhe sobram 250 mil euros para uns almoços, concertos de fado, jogos de futebol e uns trocos para a caridade.
Só neste país é que um gestor suspeito de crimes graves e efetivamente condenado pelo Banco de Portugal mantém a idoneidade para continuar a ser presidente de uma associação que gere as poupanças de 620 mil associados. E porque é que Tomás Correia não perde a idoneidade?
A hermenêutica da alínea f do Código das Mutualistas
O Banco de Portugal, na sua passividade e incompetência, levou quase dez anos a descobrir algumas das ilegalidades cometidas. Quando agora o vem condenar, já Tomás Correia não é presidente da Caixa Económica (sob a alçada do regulador bancário), mas é presidente da Associação Mutualista, a dona do banco, que supostamente agora é supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
A ASF entretanto já veio dizer que não tem a ver com o assunto, já que o novo Código das Associações Mutualistas, feito pelo Governo, estabelece um regime transitório até 2030 para que as mutualistas tenham regras iguais às das seguradoras. Já o Ministério da Segurança Social, que antes da aprovação do novo código tinha a tutela da Mutualista e nunca tirou a idoneidade a Tomás Correia, veio responder que cabe à ASF abrir um procedimento de avaliação de idoneidade ao presidente da Mutualista. O mesmo Ministério de Viera da Silva que até há bem pouco tempo achava boa ideia que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pusesse 200 milhões de euros no Montepio. A Santa Casa que tem como provedor Edmundo Martinho, outro dos notáveis que integraram a comissão de honra da candidatura de Tomás Coreia.
O problema da idoneidade é outra vez um problema com F. Ambos olham para a alínea f) do número 5 do artigo 6º e veem coisas diferentes. A alínea f refere que, durante o tal período transitório de 12 anos, a ASF tem o poder de “Analisar o sistema de governação e os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador”.
O Governo olha para esta alínea e diz que sim, que evidentemente a ASF pode avaliar a idoneidade de Tomás Correia. José Almaça da ASF olha para a mesma alínea f) e chega à conclusão que evidentemente não: “nessa alínea diz-se analisar, e não decidir sobre o que quer que seja”. Enquanto Governo e a ASF se entretêm com a hermenêutica da alínea f), Tomás Correia tem o caminho livre para ficar mais 12 anos à frente do Montepio, mesmo depois de condenado, e com responsabilidades sobre as poupanças de 620 mil portugueses. Isto não é fado, é uma desgarrada de gente incompetente que se protege umas às outras, à boa maneira da maçonaria.
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