Governo reforma a supervisão financeira, mas novas regras desagradam aos supervisores

Proposta deverá ser aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros. O super-regulador é a base do novo modelo, cujas alterações passam também pelas funções do BdP e pela nomeação do governador.

A reforma da supervisão financeira vai ser aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, quase três anos e meio depois de ter sido anunciada pelo Governo. As mudanças têm como pilar a criação de um super-regulador através do reforço de poderes do Conselho Nacional de Supervisão Financeira (CNSF), mas os três supervisores apontam críticas aos poderes, responsabilidades e forma de financiamento do novo modelo.

O CNSF deverá passar a funcionar com sete membros, incluindo dois representantes de cada supervisor: Banco de Portugal (BdP), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Ou seja, mantém-se a atual modelo tripartido. A par dos reguladores, que irão partilhar a presidência deste órgão de forma rotativa e por um ano, existirá um outro elemento: um administrador executivo externo nomeado pelo Ministério das Finanças. Além disso, é criada uma nova entidade — a Autoridade de Resolução — e extinto o Conselho Nacional do Mercado de Valores Mobiliários.

Por um lado, concordam com o reforço da partilha de informação entre si, mas ainda assim veem riscos. A ASF alertou, num parecer inicial, para “eventuais acréscimos de complexidade, a redução de flexibilidade e o aumento de encargos que esta solução envolve”, acusando o Governo de não ter realizado “um diagnóstico que identifique as causas e consequências das fragilidades da atual arquitetura do sistema de supervisão financeira”.

“Qualquer sistema de supervisão deve assentar num princípio de estreita cooperação entre supervisores ou entre áreas de supervisão. Os respetivos mecanismos terão de ser tanto mais apurados quanto mais fragmentada for a supervisão e quanto maior for a distância estabelecida entre as diversas modalidades de supervisão (comportamental e prudencial) e os diversos setores financeiros”, afirmou igualmente Gabriela Figueiredo Dias, presidente do supervisor dos mercados, num discurso no final do mês passado.

O Banco de Portugal é o regulador que está menos desfavorável ao super-regulador. Em maio, o governador Carlos Costa disse no Parlamento que o reforço da coordenação dos supervisores era bem-vindo, mesmo que com um nome diferente. O alerta foi outro: “entendemos que fazemos parte de uma arquitetura europeia e os desvios entre a nossa arquitetura e a europeia são como os desvios entre a corrente fornecida num edifício e a que alimenta um aparelho elétrico”, disse.

Aumento dos custos põe reguladores em alerta

O dito “desvio” face ao que é o desenho europeu é a base das críticas do BdP, especialmente no que diz respeito a duas alterações significativas às funções do banco central nacional. As competências de supervisão e atuação sobre o sistema financeiro como um todo, ou seja, a supervisão macroprudencial, sairia da esfera do BdP para um comité dentro do CNSF.

“Segundo as orientações definidas pelo BCE neste domínio, reconhece-se que existem benefícios em acoplar as responsabilidades dos bancos centrais no Eurossistema à sua intervenção nas áreas da supervisão micro e macro prudencial, o que de resto é confirmado pelas próprias competências do BCE no MUS [Mecanismo Único de Supervisão]”, refere o parecer inicial do BdP, ainda sobre o relatório do grupo de trabalho que foi a base para a proposta do Governo que será conhecida esta quinta-feira.

Indiretamente, a mudança de funções é também a base da crítica do BdP à forma de financiamento do super-regulador. A proposta deverá indicar que este conselho tenha recursos próprios e financiamento assegurado por contribuições dos três supervisores. Estes terão liberdade de aplicar taxas aos supervisionados e o orçamento terá de ser aprovado pelo Ministro das Finanças.

O BdP lembra que os bancos centrais nacionais estão impedidos de financiar entidades do setor público (devido à proibição do financiamento monetário). Não haveria qualquer problema se as funções forem classificadas como central bank tasks, mas haveria um problema de incompatibilidade se estas forem transferidas para uma nova entidade pública e classificadas como government tasks.

Os outros dois supervisores também criticam o modelo de financiamento, focando-se nos custos para os agentes do sistema financeiro. “Qualquer alteração ao modelo de supervisão deve orientar‐se para o objetivo de alcançar o melhor resultado possível, em termos de eficácia e eficiência e de robustecimento das autoridades envolvidas, com o menor custo possível imputado aos supervisionados, devendo sempre ser selecionadas as alternativas que permitam assegurar um determinado resultado com menos encargos”, afirmou Gabriela Figueiredo.

Intervenção das Finanças? Sim e não

Outro dos pontos principais é a maior intervenção do Governo, especificamente do Ministério das Finanças, na supervisão. Esta é bem-vinda no que diz respeito à resolução da banca, mas não tanto na escolha do administrador do CNSF. Carlos Costa considera que faz sentido “progredir no sentido de institucionalização e envolvimento efetivo do Ministério das Finanças” na estabilidade financeira, como disse no Parlamento.

A reforma da supervisão financeira surgiu exatamente de conflitos de interesses que se levantaram aquando da liquidação dos bancos BES e Banif. Agora, a resolução bancária poderá passar do BdP para um departamento autónomo dentro do super-regulador, que é liderado pelo administrador executivo indicado pelas Finanças. Na prática, seria o Governo a ter a última palavra em casos de medidas de resolução a bancos que tenham impacto nas contas públicas. O BdP e a CMVM concordam com esta separação de poderes.

Há, no entanto, uma nuance: a ASF não quer pagar por estas funções. “Não ignorando que um processo de resolução bancária tem efeitos diretos e indiretos nas entidades e atividades supervisionadas pela ASF e CMVM, considera-se não ser adequado que os custos de financiamento dessas funções, incluindo o de gestão do fundo de resolução, sejam imputados de forma tripartida aos supervisores sem qualquer outro elemento de ponderação para além da proporção face aos orçamentos de supervisão”, refere o parecer do supervisor dos seguros.

No entanto, os reguladores alertam para os riscos da participação das Finanças na gestão do CNSF. Mesmo sem se referir especificamente ao assunto, a presidente da CMVM defendeu: “Um modelo de supervisão financeira deve assegurar em absoluto a independência dos reguladores, não só em relação ao poder político como em relação a qualquer possibilidade de interferência de quaisquer entidades externas ou supervisionadas no processo de decisão do regulador”.

Apesar de as linhas gerais já serem conhecidas, os pormenores da reforma da supervisão financeira serão conhecidos apenas depois de o documento ser aprovado pelo Governo (sendo que até lá pode ainda sofrer alterações) e enviado para o Parlamento. O tema já esteve para ser discutido em Conselho de Ministros, mas foi adiado (até porque o BCE não cumpriu a data de 11 de fevereiro para enviar um parecer ao Governo, ao contrário do que aconteceu com os supervisores portugueses). Como confirmou o primeiro-ministro, será discutido esta quinta-feira.

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