A resolução de bancos pode estar debaixo do chapéu do Banco de Portugal? Há conflito de interesses já que Máximo dos Santos acumula funções de Resolução e Supervisão? Perguntámos às Finanças e ao BdP.
Ao Banco de Portugal cabe fazer a supervisão prudencial dos bancos, ou seja, acautelar que têm rácios de solvabilidade robustos. Ao Fundo de Resolução, criado em 2012, foi-lhe atribuída a missão de prestar apoio financeiro às medidas de resolução. Estas duas funções, desempenhadas por estas duas entidades, podem ser conflituantes entre si e o caso do Novo Banco veio abrir a discussão sobre a necessidade de haver uma separação clara das funções de supervisão prudencial das funções de resolução, para evitar conflitos de interesses.
O Novo Banco, que resultou da resolução do BES em 2014, beneficia de uma garantia do Fundo de Resolução de até 3,89 mil milhões de euros e que permite à instituição liderada por António Ramalho pedir ajuda ao Fundo sempre que vender ativos problemáticos abaixo do valor a que estão registados no balanço do banco e dessa venda resultar uma deterioração dos rácios de capital abaixo de um determinado nível.
Quando o fundo Lone Star comprou o Novo Banco, em outubro de 2017, ficou estabelecido que podia utilizar essa garantia num espaço de oito anos caso fosse necessário. Dois anos volvidos, António Ramalho já usou metade do valor. O Ministério das Finanças considerou “expressivos” os valores já pedidos pelo Novo Banco e determinou inclusivamente a realização de uma auditoria aos créditos que estão abrangidos pela garantia, denominada de mecanismo de capital contingente.
O dinheiro de ajuda que vai para o Novo Banco vem do Fundo de Resolução que, quando não tem fundos suficientes (que é o caso), pede empréstimos ao Estado, prometendo devolver o dinheiro num prazo de 30 anos.
Aproveitando-se do conforto da almofada deste mecanismo de capital contingente, o Banco de Portugal tem todo o interesse que o Novo Banco acelere a venda de ativos problemáticos para conseguir melhorar o rácio de non-performing loans (crédito malparado), que no ano passado caiu de 28,1% para 22,4%. De acordo com o Jornal Económico, o Banco de Portugal tem mesmo forçado o Novo Banco a acelerar a venda da carteira de crédito malparado para que este rácio do malparado se aproxime dos valores exigidos pela Autoridade Bancária Europeia.
Este objetivo do Banco de Portugal não é de todo coincidente com o objetivo do Fundo de Resolução que, sendo financiado com contribuições dos outros bancos ou dinheiros públicos, sente-se pouco confortável em desembolsar mais dinheiro para ajudar o Novo Banco, sobretudo à velocidade a que tem sido feito até agora.
A velocidade com que o Novo Banco tem “despachado” os ativos problemáticos levou alguns banqueiros a questionarem a possibilidade de haver uma situação de conflito de interesses já que o Fundo de Resolução funciona debaixo do “chapéu” do Banco de Portugal, sendo que os objetivos de ambas as instituições podem ser bastante divergentes. Para baralhar ainda mais o tema, o próprio Fundo de Resolução é acionista do Novo Banco com uma posição do 25% do capital.
A situação tende a ficar ainda mais desconfortável já que o vice-presidente do Banco de Portugal (Luís Máximo dos Santos) também é atualmente o presidente do Fundo de Resolução.
A versão das Finanças e do Banco de Portugal
Foi precisamente esta pergunta que o ECO fez, tanto ao Ministério das Finanças como ao Banco de Portugal: “Consideram que pode haver algum tipo de conflito de interesse pelo facto de o vice-presidente do Banco de Portugal (Luís Máximo dos Santos) ser também atualmente o presidente do Fundo de Resolução?”
As respostas são pouco ou nada coincidentes, ilustrativas de um clima de guerrilha institucional entre o governador Carlos Costa e o Governo socialista de António Costa. No final da semana passada, Carlos César, líder da bancada parlamentar do PS, afirmou que o “mandato de Carlos Costa está comprometido há muito tempo”.
À questão colocada pelo ECO sobre Luís Máximo dos Santos, as Finanças atiram as responsabilidade para o supervisor: “Atualmente cabe ao Banco de Portugal, enquanto supervisor bancário e enquanto autoridade de resolução, acautelar os conflitos de interesses e assegurar a segregação entre a supervisão prudencial e a resolução. O Fundo de Resolução funciona junto do Banco de Portugal e tem por objeto prestar apoio financeiro às medidas de resolução adotadas pela autoridade de resolução”.
Cabe ao Banco de Portugal acautelar os conflitos de interesses e assegurar a segregação entre a supervisão prudencial e a resolução.
Confrontado com esta resposta do Ministério de Mário Centeno, o Banco de Portugal responde que já “implementou os mecanismos necessários para assegurar a devida segregação entre a função de supervisão prudencial e a função de resolução”.
Que mecanismos são estes?
- O Banco de Portugal refere que “esses mecanismos contemplam, desde logo, a atribuição das competências de supervisão prudencial e das competências de resolução a departamentos distintos, totalmente segregados, cada um dotado dos meios considerados necessários para o exercício do respetivo mandato, à luz dos objetivos das respetivas funções”.
- Reforça que “a separação entre aquelas duas funções também é assegurada através da atribuição dos respetivos pelouros a diferentes membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal: o pelouro da supervisão microprudencial encontra-se atribuído à vice-governadora, Elisa Ferreira, que integra o Conselho de Supervisão do BCE; por sua vez, o pelouro da resolução encontra-se atribuído ao vice-governador, Luís Máximo dos Santos, que integra o Plenário do Conselho Único de Resolução”.
O regulador reconhece, no entanto, que “é só no nível do conselho de administração do Banco de Portugal que as duas funções confluem e aí são tratadas, colegialmente. Assim, os potenciais conflitos de interesse que possam decorrer do exercício da função de supervisão microprudencial e da função de resolução são dirimidos no seio do conselho de administração, através de decisões colegiais”.
Governo e BdP olham para a mesma diretiva… e veem coisas diferentes
As Finanças dizem que nos últimos meses fizeram “uma reflexão sobre a estrutura de resolução de forma a preparar a proposta de Lei que cria e regulamenta o Sistema Nacional de Supervisão Financeira.” Esta proposta foi aprovada em Conselho de Ministros na quinta-feira.
Revela o Ministério de Mário Centeno que foi buscar inspiração à diretiva de recuperação e resolução bancária (BRRD) que “obriga a uma segregação de funções com a supervisão prudencial, uma vez que existem potenciais conflitos de interesses entre a supervisão prudencial e a resolução — em particular no que respeita aos bancos de transição”.
O Banco de Portugal olha para a mesma diretiva e vê algo diferente: “Aquela diretiva admite, expressamente, a possibilidade de concentração das funções de supervisão e de resolução na mesma autoridade, desde que — tal como sucede no Banco de Portugal — sejam implementadas medidas adequadas para assegurar a respetiva independência operacional e para evitar conflitos de interesse”.
Finanças com inspiração nacional, Banco de Portugal europeia
Além da diretiva europeia, as Finanças foram inspirar-se nas recomendações do Grupo de Trabalho para a Reforma do Sistema de Supervisão e ainda numa Resolução da Assembleia da República para fazer a nova lei.
- Referem as Finanças que o Grupo de Trabalho liderado por Carlos Tavares destacou “a importância de as decisões em matéria de resolução serem claramente independentes face às da supervisão prudencial, quer através da designação de autoridades específicas para o efeito, quer, pelo menos, através da previsão de órgãos de decisão com uma composição distinta e mais alargada do que a requerida no âmbito de decisões sobre outras matérias da competência do banco central, quando este seja designado como autoridade de resolução”.
- Além disso, no gabinete de Mário Centeno e Mourinho Félix recorda-se a resolução n.º 105/2017 do Parlamento que recomendou ao Governo que pondere no Modelo de Supervisão Financeira “a adequada segregação das funções de supervisão e resolução bancária, retirando do espetro do Banco de Portugal o Fundo de Resolução, bem como a função de Autoridade de Resolução Nacional”.
A instituição liderada por Carlos Costa prefere olhar fora de portas e afirma que “a concentração de funções na mesma autoridade é, aliás, a solução prevalecente na União Europeia, o que demonstra que os possíveis conflitos de interesse entre a função de supervisão prudencial e a função de resolução são suscetíveis de ser dirimidos no seio das organizações”. Dá o exemplo da Alemanha em que, afirma, “foi abandonada a opção de separação institucional entre as duas funções e a função de resolução passou a estar integrada na autoridade responsável pela supervisão microprudencial”.
A concentração de funções na mesma autoridade é, aliás, a solução prevalecente na União Europeia.
Autoridade de Resolução autónoma? Ou não autónoma?
Encontrada a inspiração para mudar a lei, as Finanças consideram que o culminar deste processo de segregação da supervisão prudencial da Resolução é a proposta de Lei apreciada em Conselho de Ministros na quinta-feira: “É por isso criada uma Autoridade de Resolução autónoma do Banco de Portugal”.
Já na Rua do Comércio diz-se que “a proposta apresentada pelo Governo para a reforma do modelo de supervisão prevê que a presidência da nova autoridade de resolução, que será responsável pela administração do Fundo de Resolução, seja assegurada por um membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal”.
Quem tem razão? No novo modelo de supervisão, aprovado na quinta-feira em Conselho de Ministros, é verdade que o Banco de Portugal mantém a liderança da nova Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia já que pode escolher dois membros para a nova entidade. Contudo, a Autoridade de Resolução “ganha autonomia orgânica” e o Banco de Portugal passa a ter de partilhar o poder com um elemento designado pela CMVM, outro pela ASF e ainda outro indicado pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF).
Sobre a situação atual de Luís Máximo dos Santos, ainda antes da mudança da lei, o Banco de Portugal apresenta um argumento de peso. Recorda que quanto à presidência do Fundo de Resolução, a sua atribuição a um membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal é determinada por lei. Mais precisamente, o artigo 153.º-E, n.º 1, alínea a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras “que estabelece que a Comissão Diretiva do Fundo de Resolução é presidida por um membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal”.
E sobre o caso concreto do Novo Banco?
Numa altura em que o banco liderado por António Ramalho acelera a venda de ativos para beneficiar das garantias do mecanismo de capital contingente, as Finanças respondem ao ECO que, neste caso, “o Fundo de Resolução dispõe de mecanismos contratuais para validar as chamadas de capital do Novo Banco, através da Comissão de Acompanhamento e do Agente de Verificação.”
A Comissão de Acompanhamento era constituída por três elementos: Miguel Athayde Marques (que entretanto saiu a 28 de fevereiro para evitar uma situação de conflito de interesse), José Bracinha Vieira e o presidente José Rodrigues de Jesus. O Agente de Verificação é a consultora Oliver Wyman.
Já o Banco de Portugal responde que, “em termos operacionais, a atividade do Fundo de Resolução, nomeadamente no que se refere às decisões que cabe ao Fundo tomar no âmbito do acordo de capitalização contingente celebrado com o Novo Banco, é assegurada pelo Departamento de Resolução do Banco de Portugal, sendo, portanto, estruturalmente independente da função de supervisão”.
(Correção: Na versão inicial do texto, dizia-se que a Autoridade de Resolução tinha um dos elementos designado pelo Governo. Este membro não é designado pelo Governo mas pelo CNSF).
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Conflito de interesses no Novo Banco? Governo e Banco de Portugal divergem
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