2019 traz maiores reembolsos do IRS. O que explica este bónus?
O reembolso do IRS deste ano deverá ser reforçado, já que em 2018 os portugueses andaram a pagar mais do que deviam, todos os meses. Como se explica esse desfasamento? Os fiscalistas explicam.
O ano de 2019 promete ser memorável em matéria de IRS. Ajustaram-se as tabelas de retenção na fonte, deixando-se mais rendimento liquido nas carteiras dos portugueses, no mesmo ano em que os reembolsos do IRS deverão ser reforçados por se ter retido uma fatia maior dos rendimentos mensais que a devida, em 2018. Tudo isto em ano de eleições. Coincidência? Como se justifica o bónus? Os fiscalistas ouvidos pelo ECO põem tudo em “pratos limpos”.
Foi em outubro de 2017, aquando da apresentação do Orçamento do Estado para 2018, que Mário Centeno anunciou que os efeitos positivos das mudanças nos escalões do IRS (que passaram de cinco para sete) seriam sentidos em duas fases.
Deste modo, as tabelas de retenção que vigoraram no último ano refletiram apenas uma primeira parte da redução implicada nesse recuo da taxa efetiva de IRS. Ou seja, os rendimentos dos portugueses foram alvo, todos os meses, de uma retenção na fonte superior à condizente com a da taxa de IRS, estando agora previsto um reembolso superior ao habitual.
Este ano, o Governo prosseguiu no ajustamento das tabelas de retenção, mas deixou por terminar esse processo. Por isso, no próximo ano, o reembolso relativo aos rendimentos recebidos este ano deverá ser menor do que o deste ano, mas ainda assim deverá ficar acima do que devia ser realmente esperado.
Tudo somado, no último ano, os reembolsos do IRS totalizaram cerca de 2,6 mil milhões de euros. Este ano, esse valor deverá tocar nos três mil milhões de euros, de acordo com as contas do antigo diretor do IRS, Manuel Faustino.
“Em 2020, vamos continuar a ter reembolsos acima daquilo que era tradicional até 2018”, explica, por isso, o fiscalista Luís Leon. O faseamento das medidas “tem sido uma estratégia usada ao longo da legislatura” de António Costa, acrescenta o especialista da Deloitte, em declarações ao ECO.
Manuel Faustino critica esta estratégia. Diz que “não é normal” haver um desfasamento desta dimensão entre o retido e o realmente devido pelos contribuintes, mas não atribui a responsabilidade por essa diferença a este Executivo, nem à aproximação da ida às urnas. Antes, Faustino reforça que este é um problema cujas origens remontam à entrada de Portugal na Zona Euro.
Nenhum Orçamento aguentava um ajustamento efetivo para níveis aceitáveis de retenção, porque era cobrar no ano desse ajuste menos 1.500 milhões de euros em retenção na fonte; era receita que nesse ano não entrava.
“Houve um momento em que as retenções do IRS foram politicamente utilizadas para uma finalidade para a qual não era suposto serem utilizadas. Foi no ano em que era preciso cumprir os critérios do ‘pelotão da frente’ [no acesso à moeda única, o euro]. Estamos a falar de meados dos anos 90; deu-se uma subida abrupta dos valores do IRS”, lembra o especialista.
Segundo o fiscalista, a manter-se a mesma percentagem que era comum antes desse período, as Finanças estariam hoje a devolver entre mil e 1.500 milhões de euros, o que fica significativamente longe da realidade. Por isso, Manuel Faustino considera que os Governos têm usado a retenção na fonte como um “imposto oculto” que está “permanentemente a financiar o Orçamento do Estado”, daí ser extremamente difícil emagrecer essa coleta.
“Nenhum Orçamento aguentava um ajustamento efetivo para níveis aceitáveis de retenção, porque era cobrar no ano desse ajuste menos 1.500 milhões de euros em retenção na fonte; era receita que nesse ano não entrava”, explica Faustino.
Cheque antes da ida às urnas? É coincidência
Apesar da proximidade temporal entre a chegada do reembolso do IRS, com bónus, e as legislativas, o antigo diretor do IRS identifica apenas laços “muito indiretos” entre a coincidência do ajustamento das tabelas de retenção.
Da mesma opinião partilha o partner da Deloitte, Luís Leon. O fiscalista avança que não faz leituras políticas desse faseamento, mas sublinha que “ao longo da legislatura, este Governo tem optado pela prudência de apostar em medidas que não têm efeitos imediatos”.
Luís Leon salienta, assim, que “não estranha” o faseamento do ajustamento da retenção na fonte. Mas Manuel Faustino recusa aceitar tão “pacificamente” esse faseamento, considerando que os contribuintes andam “no engano” e que se o IRS acabasse o Estado teria em mãos um problema orçamental complexo.
Apesar de descartar as ligações do bónus no IRS à aproximação das eleições legislativas, o ex-responsável pelo IRS admite que há, sim, um sentimento positivo nos contribuintes ao receberem seu reembolso, mas deixa um alerta: “O Estado não dá ao contribuinte dinheiro nenhum que ele não tenha lá posto. Quem recebe, recebe porque pagou a mais”.
Manuel Faustino remata sublinhando que a retenção na fonte dos rendimentos do trabalho podem, de facto, ser certas, ainda que, no quadro atual, o ajustamento para essa taxa “mais razoável” não seria possível “num ano nem em dois”.
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