Melhorias na gestão da ADSE, nomeadamente mais autonomia, são um passo essencial para o bom funcionamento do subsistema de saúde dos funcionários públicos, defende João Proença.
A ADSE enfrenta alguns desafios de sustentabilidade, à medida que a estrutura de beneficiários vai envelhecendo e as despesas aumentam. O Conselho Geral e de Supervisão, liderado por João Proença, encomendou um estudo, divulgado no início do mês, para perceber como será o futuro do subsistema de saúde dos funcionários públicos, se não forem implementadas mudanças.
A partir das conclusões retiradas do estudo foram propostas algumas medidas para controlar a despesa e garantir a sustentabilidade da ADSE. Entre as sugestões incluem-se propostas para controlar e monitorizar os consumos dos beneficiários, para evitar consumos excessivos ou desnecessários, alargar a rede de prestadores de saúde, resolver a situação dos beneficiários que têm isenção do pagamento mensal, e conseguir a “aprovação, por parte do Governo, de decisões que permitam uma gestão mais flexível do orçamento da ADSE”.
Para João Proença, uma maior liberdade e autonomia na gestão da ADSE permitia resolver os grandes problemas, nomeadamente ao solucionar mais rapidamente situações como a falta de trabalhadores ou o investimento em áreas como a informática ou apoio médico, aponta, em entrevista ao ECO.
Quais são as medidas mais urgentes a aplicar na ADSE?
O que está em causa é uma melhor gestão da ADSE. Apesar do grande esforço que é feito pelos trabalhadores, enfrenta um problema sério que é o dos recursos humanos. A ADSE tem falta de recursos humanos. Tinha sido proposta à comissão a contratação de mais de 50 trabalhadores, que inicialmente foram autorizados pelo Governo em sede de Orçamento do Estado (OE) e depois o Governo recuou. Achou que não era necessário pôr no OE, que podia ser feito por medidas a posteriori. A ADSE já tinha um número muito limitado de trabalhadores e nos últimos meses até perdeu, porque saíram, por reforma ou mecanismos de mobilidade. Estamos numa situação bastante deficiente em termos de recursos humanos.
Há um problema de gestão muito originado pela falta de recursos humanos, e há um problema de gestão originado pelo passado da ADSE, que era uma direção geral com controlo de despesas, mas que, neste momento, é um instituto público e a perspetiva já é um pouco diferente. É necessário um maior nível de meios informáticos, um maior apoio médico. Há várias medidas a serem tomadas na melhoria de gestão e essa é uma questão central.
Ainda há vícios que vêm de trás, certo tipo de procedimento, que, quando isto era um serviço do Estado, uma direção geral paga a 100% pelo Estado, se justificava, mas que neste momento não justifica.
É necessária uma melhoria de gestão, a revisão das tabelas e resolver o problema que tem a ver com toda a questão do alargamento [aos trabalhadores do Estado com contratos individuais], o rejuvenescimento da população. Bem como outras medidas apontadas no estudo que têm muito a ver com a necessidade de haver maior controlo das despesas, nomeadamente das injustificadas.
Também há aqui um problema do relacionamento com o próprio Estado. O Estado antigamente suportava a ADSE, depois gradualmente foram os beneficiários que foram aumentando a sua comparticipação e, neste momento, o Estado não comparticipa nada à ADSE. A comparticipação do Estado à ADSE é simplesmente para pagar uma coisa que a ADSE até nem deveria fazer, que são os exames médicos aos trabalhadores requeridos pelos organismos. Ainda há vícios que vêm de trás, certo tipo de procedimentos, que, quando isto era um serviço do Estado, uma direção geral paga a 100% pelo Estado, se justificava, mas que neste momento não justifica. Assim como, o Estado ter empurrado para a ADSE despesas com a área social.
Como a questão, referida no estudo, de resolver a situação dos beneficiários isentos de descontos?
As questão das isenções e até outras questões. O Estado em si não tem a área de proteção social dos trabalhadores da Administração Pública e tinha empurrado para a ADSE umas áreas de proteção social. Quando era o Estado que pagava tudo bem, mas agora são os beneficiários que estão a pagar a proteção social de outros beneficiários, não é minimamente justificável. Mesmo na Segurança Social, para o conjunto de trabalhadores do país, a ação social é paga pelo Orçamento do Estado. O regime contributivo dos trabalhadores, pagando para ter direito a uma pensão, é uma área, a outra área é a ação social.
Algumas áreas da ação social dos trabalhadores da Administração Pública são suportadas pelos beneficiários da Administração Pública. Foi feita há pouco tempo uma auditoria do Tribunal de Contas aos serviços das Forças Armadas e teve um parecer extremamente negativo relativamente aos beneficiários das Forças Armadas pagarem áreas de proteção social dos trabalhadores que não lhes compete.
Também se verifica aqui na ADSE e é uma medida a corrigir. Para além de algumas dívidas que vêm do Estado à ADSE, nomeadamente na questão que tinha a ver com as relações com os Açores e com a Madeira, despesas que a ADSE suportou e que competiam ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
As dívidas ainda não estão regularizadas?
Não estão regularizadas e importa regularizar a relação entre a ADSE, o SNS e o Estado em geral, nomeadamente despesas que compete ao Estado suportar. É necessária uma melhor gestão, mas também clarificar relações com o próprio Estado relativamente àquilo que os beneficiários pagam, para ter direito a proteção de saúde. Áreas da ação social que não devem ser pagas pelos beneficiários, ou despesas que a ADSE suportou e que eram despesas do SNS.
A ADSE tem pouca autonomia e muitas vezes o Estado, e nomeadamente a dupla tutela, quase assume a ADSE como uma quinta do Governo.
A gestão da ADSE devia ter uma maior autonomia?
Sim, é evidente. Neste momento a ADSE tem pouca autonomia e muitas vezes o Estado, e nomeadamente a dupla tutela, quase assume a ADSE como uma quinta do Governo, uma quinta do Estado em geral, e não deveria ser assim. A ADSE é dos beneficiários, para prestar um serviço aos beneficiários. Há uma mudança de cultura na própria organização, que controlava as despesas para evitar despesa ao Estado, e hoje tem de controlar as despesas para prestar um melhor serviço aos beneficiários.
Como se pode fazer essa mudança?
É gradual, está a ser feito e já avançou bastante neste sentido.
Voltando aos problemas com os recursos humanos, porque é que ainda não avançou a contratação de mais trabalhadores?
Primeiro, por falta de autorização do Governo. O Governo aprovou o Orçamento no ano passado, e depois demorou muito tempo a dar autorização para o reforço dos quadros. O CGS pediu uma reunião ao Governo, onde esteve presente a ministra da Saúde, o secretário de Estado do Orçamento e o secretário de Estado adjunto, e um dos compromissos foi autorizar o aumento dos recursos humanos. Mas, na prática, não aconteceu nada, e neste momento há um concurso interno, e algumas substituições temporárias de prestações de serviço. Mas é um processo lento que não compadece com o funcionamento regular da ADSE.
A falta de trabalhadores prejudica o controlo da fraude?
Sim, é evidente. Uma das áreas fundamentais para o reforço de quadros tinha a ver com o combate a fraude, mas também tem a ver com outras áreas. A ADSE tem um compromisso com os beneficiários de pagar as despesas do regime livre no prazo de 60 dias depois de entrarem as faturas, e houve grandes atrasos. Estão a haver atrasos relativamente a essa matéria, por um lado por falta de recursos humanos, por outro lado porque no ano passado regularizou-se a situação dos Açores e da Madeira, o que originou uma sobrecarga de trabalho, pelo que não foi possível responder atempadamente.
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Entrevista a João Proença: “O Estado quase assume a ADSE como uma quinta do Governo”
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