Chegaram a Portugal há quatro anos e, agora, têm no bolso (mais) 1.000 milhões de euros para investir no imobiliário português. O problema é a falta de oferta com qualidade.
Investiram os primeiros milhões no imobiliário nacional em 2015 e, desde aí, os investimentos não pararam. Especialistas no mercado de escritórios, os espanhóis da Merlin Properties querem continuar a investir em Portugal, mas queixam-se da falta de oferta, principalmente de qualidade. Para colmatar esse problema, a SOCIMI admite que construir de raiz em Lisboa pode ser uma opção.
Quem é a Merlin Properties? No que é que investe?
A Merlin Properties foi criada em 2014 e quando nasceu já foi com o propósito de ser uma SOCIMI. Tipicamente investimentos em três setores: escritórios, retalho e logística. Em Portugal, temos uma carteira de grande qualidade, com cerca de 100 mil metros quadrados em escritórios e o Almada Fórum com cerca de 60 mil metros quadrados.
Depois temos a Plataforma Logística Lisboa Norte [comprada em 2016 à SABA], em Castanheira do Ribatejo, com cerca de 250 mil metros quadrados, na qual estão a ser terminadas as obras de urbanização. Vamos avançar com a promoção dos primeiros 40 mil metros de logística. Está a ser muito bem aceite pelo mercado, temos recebido contactos por parte de operadores interessados em arrendar e acreditamos que, num curto prazo, iremos arrendar esse armazém.
A nossa carteira tem um valor de 12 mil milhões de euros, dos quais cerca de 1.000 milhões estão em Portugal, mais concretamente em Lisboa, ainda. O peso da nossa carteira cá andará à volta dos 9%.
Quais são as principais diferenças entre o mercado imobiliário espanhol e português?
Essa é uma pergunta muito difícil. Conheço os dois, porque trabalhei com os dois, mas vou subdividir a pergunta em mercado de capitais e mercado de ocupação (inquilinos). No mercado de capitais, o mercado espanhol é muito mais líquido, há muitos mais institucionais a investirem em Espanha do que em Portugal, pela dimensão do próprio mercado, mas também porque é um mercado mais consolidado. Portugal é um mercado mais ilíquido, mais marginal, infelizmente. Se bem que isto está a mudar.
No mercado de ocupação, em Espanha temos Madrid e Barcelona, fundamentalmente. As ocupações em Madrid andarão à volta dos 600 a 800 mil metros quadrados por ano, em Lisboa anda à volta dos 200 mil. Também por isso Espanha é um mercado mais líquido, tem uma maior procura e a oferta também é maior. E por ser um mercado onde há um maior capital, os desequilíbrios entre a oferta e a procura são menores, corrigem-se mais facilmente. Há mais capital, há mais promoção. Aqui em Portugal não é tanto assim.
Portugal está a mudar, passou por um período muito difícil durante a crise, mas está a mudar. Foram tomadas medidas boas, criaram-se alguns incentivos fiscais que levaram à dinamização do lado da procura.
Mas Portugal está a mudar?
Portugal está a mudar, passou por um período muito difícil durante a crise, mas está a mudar. Foram tomadas boas medidas, criaram-se alguns incentivos fiscais que levaram à dinamização do lado da procura, e aqui estou a falar no mercado residencial, ainda que não seja o nosso foco. Com o Regime dos Residentes Não Habituais e os golden visa apareceu procura internacional interessada em comprar algumas casas que estavam à venda. Com isso foram aparecendo mais e mais, até que não havia stock e o efeito está à vista: levamos dois ou três anos de subidas de preços muito fortes no mercado residencial e que também levam a que o desequilíbrio no mercado de escritórios seja grande.
E porquê? Porque tem havido alteração de usos e qualquer projeto que haja para desenvolvimento em Lisboa, a propensão a que o uso eleito seja o residencial é muito maior, porque o residencial é quem paga mais, é o highest and best use. Falo em residencial, mas também poderia falar no uso hoteleiro, e penso que isso é visível. O lado positivo é que isso permitiu, e está a permitir, uma ótima regeneração urbana de Lisboa. A cidade hoje é muito diferente do que era em 2014 e ainda bem. Depois criámos o efeito “bola de neve”, porque melhoramos o aspeto da cidade, vêm mais turistas, mais dormidas e o uso hoteleiro também ganha mais valor.
Como é que surgiu o interesse da Merlin Properties em Portugal?
Portugal é um mercado que nos é querido. É um mercado que tem todo o interesse para nós, que conhecemos bem e que deve ter um peso específico na nossa carteira. Carteira esse que nós estimamos que, a longo prazo, possa chegar a 15% a 20% do valor total.
Neste momento estamos abaixo do objetivo. Em valor, temos cerca de 1.000 milhões de euros investidos em Portugal, mas queremos chegar aos 1.500, 1.600 e 2.000 milhões de euros. Ainda temos um caminho.
Qual é o objetivo de investimento?
Neste momento estamos abaixo do objetivo. Em valor, temos cerca de 1.000 milhões de euros investidos em Portugal, mas queremos chegar aos 1.500, 1.600 e 2.000 milhões de euros. Ainda temos um caminho. Temos tempo, felizmente, mas temos um caminho grande ainda para percorrer. Estamos muito atentos ao que se passa no mercado. Estamos ativos.
Como é que está o mercado de escritórios?
No setor de escritórios há um claro desequilíbrio. Isto é, o stock hoje é obsoleto, está desadequado às atuais necessidades dos ocupantes e temos uma procura que é crescente. No ano passado, o nível de contratação de metros quadrados neste mercado foi cerca de 200/206 mil metros quadrados, para um stock de cerca de quatro milhões, estamos a falar de cerca de 5%. A verdade é que muito deste stock é obsoleto, desadequado, produtos e edifícios de qualidade há pouco.
O que o mercado tipicamente faz é a correção através do preço. Já estamos a assistir a isso, porque as rendas estão a subir. O que nós fazemos é procurar novas oportunidades no mercado de escritórios, que é um mercado onde nós acreditamos muito, e quem sabe, no futuro, fazer alguma promoção. Porque este desequilíbrio só se “fecha” quando houver mais stock de qualidade no mercado. Estamos atentos a eventuais oportunidades do lado da promoção que possam surgir.
Assumindo que não existem choques externos nos próximos anos, antecipo que o mercado de escritórios continue em alta. Diria que a curto/médio prazo, as rendas vão continuar a subir, virá mais oferta para o mercado. Já existem alguns projetos que estão a ser desenvolvidos mas, ainda assim, essa oferta é insuficiente para cobrir as necessidades da procura. E antecipo que, nos próximos um ou dois anos, as rendas continuarão a crescer e o stock também vá subindo paulatinamente, através da construção de novos edifícios de escritórios.
Mas dada a falta de espaço, penso que existe uma clara oportunidade para investir na promoção, desde que seja em dimensão limitada. Mas claramente há espaço para promoção no mercado de escritórios de Lisboa.
É uma hipótese construir algum edifício de raiz?
Desde que seja dentro destes três setores — que são o nosso objetivo primordial — e dada a falta de escritórios, sim, há claramente essa hipótese. Isso seria algo excecional. Porque nós sendo uma SOCIMI, temos uma obrigatoriedade de distribuir rendimento sob a forma de dividendos aos nossos acionistas e, portanto, isto é um bocadinho fugir ao nosso ADN. Mas dada a falta de espaço, penso que existe uma clara oportunidade para investir na promoção, desde que seja em limitada dimensão. Mas claramente há espaço para promoção no mercado de escritórios de Lisboa.
Como é que olha para o mercado português? Não receia que haja um arrefecimento acentuado?
Um arrefecimento de mercado poderá haver, mas esperamos que não aconteça, pelo menos para já. O mercado imobiliário tende a ser cíclico e, portanto, mais tarde ou mais cedo haverá uma correção. O que eu penso é que, pelo menos no mercado de escritórios, essa correção está mais longe do que noutros setores. Porque os fundamentais do mercado neste momento ainda são bastante positivos. Há muitas empresas à procura de espaço e pura e simplesmente existe pouco espaço de escritórios em Lisboa. Portanto não me parece que essa correção do mercado de escritórios venha a breve prazo.
Até agora só investiram na zona de Lisboa. Investir no Porto é uma opção?
Nós temos acompanhado, ainda que com alguma distância, o que se tem passado no mercado do Porto. A questão é que esse mercado é ainda mais ilíquido do que o de Lisboa e eu atrever-me-ia a dizer que é binário, isto é, ou há liquidez ou não há nenhuma liquidez.
Creio que isso é bem possível que se altere e, aliás, já se está a alterar porque há muitas empresas que estão a ir para o Porto. E as razões para essas empresas estarem a ir para lá são um bocado diferentes de há uns anos. Essas empresas procuram mão-de-obra qualificada, o preço dessa mão-de-obra, o preço do imobiliário, a qualidade de vida, infraestruturas… E, portanto, não precisam de estar exatamente em Lisboa.
O Porto é a segunda cidade do país, tem ótimas infraestruturas, está também com uma dinâmica muito boa a nível turístico e a nível residencial e do mercado de escritórios. E, à medida que esse mercado se for consolidando, nós também olharemos com mais atenção. Mas hoje ainda não. Também porque o que nos comprometemos a fazer para com os nossos acionistas foi que, dentro do mercado de escritórios, olhamos só para Madrid, Barcelona e Lisboa. Pode haver uma ou outra exceção, mas estes três mercados são claramente os mais líquidos e são aqueles para onde olhamos.
Quais foram os ativos mais interessantes que adquiriram?
Todos os edifícios que adquirimos foram ótimas aquisições, por diferentes motivos, obviamente. São todos para manter, isso é o bom da nossa empresa, ao contrário de um fundo de investimento normal, fechado. Temos uma visão de muito longo prazo e os investimentos que fizemos aqui em Lisboa foram muito selecionados e muito ponderados. Todos os edifícios que nós adquirimos são para arrendar e explorar economicamente através do arrendamento. Futuramente, esperamos nós, teremos a Plataforma Logística Lisboa Norte com uma ocupação também de 100%.
Diria que o edifício onde temos maiores expectativas é o Monumental, porque acreditamos que vai alterar a imagem da Praça Duque de Saldanha. Queremos criar um edifício de escritórios de primeiro nível, muito moderno. Os usos vão ser respeitados tal como estão. Vai continuar com o uso comercial, cultural e os escritórios.
Estamos a ponderar começar as obras [do edifício Monumental] em meados deste ano, talvez em julho. Em 2020 seguramente podem ver um novo Monumental, no terceiro trimestre. Vai ser uma reforma muito simpática que vai melhorar seguramente a imagem que este edifício projeta na cidade e vamos todos orgulhar-nos do novo edifício. Será um edifício funcional e eficiente e esperemos que com ocupantes de referência no mercado de escritórios.
Os centros comerciais são um setor ao qual estamos atentos, estamos ativamente à procura de mais centros comerciais porque achámos que agora devemos ponderar mais a nossa carteira com escritórios e logística.
Já há interessados?
Há interessados, sim. Há empresas que nos perguntam sobre o futuro edifício e estão interessadas em tomar espaço. Porque não há espaços de escritórios de qualidade em Lisboa. As rendas serão as rendas de mercado, que tenham em conta a dinâmica de mercado e a qualidade do edifício. Estamos a falar de um investimento que rondará os 20 milhões, será uma transformação profunda.
E o Almada Fórum? Foi uma boa aquisição?
Claro que foi. Primeiro porque é um centro comercial de referência e de primeira linha em Portugal. Tem uma influência regional e nós acreditamos que os centros comerciais com essa influência consigam, dentro do mercado maduro de centros comerciais, ser produtos estáveis e onde as grandes marcas e operadores querem sempre estar. Foi uma ótima aquisição. Aliás, temos vindo paulatinamente a melhorar o centro comercial e estamos muito contentes.
Os centros comerciais são um setor ao qual estamos atentos, estamos ativamente à procura de mais centros comerciais porque achámos que agora devemos ponderar mais a nossa carteira com escritórios e logística. O Fórum Almada é um ativo muito grande em valor. Neste momento tem um peso forte na nossa carteira em Portugal e gostaríamos de ver diluído esse peso com o crescimento dos outros setores — escritórios e logística.
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