Afinal quanto custa contar todo o tempo de serviço dos professores?
A aprovação por uma 'coligação negativa' da contagem integral do tempo de serviço gerou uma crise política. Mas há questões e incongruências nas contas do Governo aos custos envolvidos.
Em setembro de 2017, quando negociava com os partidos o descongelamento das carreiras dos funcionários públicos, o Governo avisou o Bloco de Esquerda e o PCP que a contagem do tempo de serviço dos professores era incomportável: a lei estava do lado do Governo para não contar o tempo congelado, e contar este tempo custaria à volta de mil milhões de euros. Passado ano e meio, já depois de ceder parcialmente e contar cerca de um terço do exigido pelos sindicatos, uma ‘coligação negativa’ no Parlamento vai forçar o Governo a dar aos professores o que nas suas próprias contas custa 800 milhões de euros. Mas há quem questione as contas.
Para explicar quanto custa a contagem integral do tempo de serviço das carreiras dos professores e das restantes carreiras especiais, e a dimensão do impacto nas contas públicas, o Governo tem usado como termo de comparação o custo do descongelamento das carreiras que se iniciou em 2018, de forma faseada. Mas o Governo tem usado cálculos diferentes, que influenciam a forma como se olha para estes números.
Na forma como o Governo faz as contas, o tempo de contagem dos professores fica mais caro que o descongelamento de carreiras para toda a Função Pública. Mas não é.
Quanto custa o descongelamento das carreiras iniciado em 2018?
Segundo as contas do Governo, as palavras do ministro das Finanças e do primeiro-ministro, repetidas várias vezes em discursos no Parlamento, intervenções públicas e documentos oficiais escritos — como comunicados do Governo, Programa de Estabilidade e Orçamentos de Estado -, este descongelamento custaria em velocidade cruzeiro cerca de 600 milhões de euros anuais.
O Governo disse-o aos partidos em setembro de 2017 durante as negociações do orçamento, disse-o aos sindicatos nesse mesmo mês, o ministro das Finanças e primeiro-ministro repetiram-no no Parlamento, inscreveram o valor num comunicado oficial após a reunião com os sindicatos, e voltaram a fazê-lo (entre outros) nas últimas contas enviadas esta terça-feira ao Parlamento e à comunicação social.
“Os dados demonstram que o descongelamento das carreiras é um processo complexo, pois incide sobre uma enorme diversidade de situações. O processo de congelamento teve a duração de sete anos e o impacto orçamental do descongelamento estima-se superior a 600 milhões de euros”, lê-se na nota das Finanças de setembro de 2017.
O valor sofreu alguns ajustes com o tempo, mas reduzidos. No esclarecimento do Ministério das Finanças desta terça-feira, o Governo diz que “os custos do descongelamento da carreira correspondem a um aumento da despesa de 574 milhões de euros por ano até 2023, face ao cenário de congelamento”.
Nas contas que apresentou no Programa de Estabilidade de 2018, as primeiras contas oficiais depois das mudanças feitas no Parlamento, o Governo estimava em 592,1 milhões de euros o custo deste descongelamento, mas já descontando tudo o que o Estado receberia em receita por estes salários aumentarem: 321,3 milhões de euros em contribuições para a Segurança Social; 126,1 milhões de euros em IRS. O valor bruto seria muito mais elevado.
- Valor bruto: 1.039,5 milhões de euros.
- Descontando as contribuições para a Segurança Social: 718,2 milhões de euros.
- Descontando o IRS: 913,4 milhões de euros.
- Valor líquido: 592,1 milhões de euros.
Quanto custa contar dois anos, nove meses e 18 dias?
Quando o Governo avançou com a proposta de descongelamento das carreiras na proposta de orçamento do Estado para 2018 (em outubro de 2017), depois de longas negociações com o PCP e o Bloco de Esquerda, nada ficou previsto relativamente à contagem do tempo de serviço dos professores e das restantes carreiras especiais. Mas durante o processo de especialidade, o PS apresentou uma proposta para o Governo avançasse para a negociação com os sindicatos para “definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”.
O Governo encetou negociações com os sindicatos dos professores, mas estes não cederam: queriam a contagem de todo o tempo de serviço. Nove anos, quatro meses e dois dias, dos dois congelamentos decididos em 2005 (primeiros dois anos) e a partir de 2011 (restantes sete anos), ambos nos governos liderados por José Sócrates. O Governo fez uma proposta para contar dois anos, nove meses e 18 dias, e dessa proposta não se moveu mais também. Já depois de fechadas as negociações, o PSD voltou a ressuscita a norma do orçamento de 2018, da autoria do PS, e coloca-a no orçamento de 2019, agora com o apoio do CDS-PP, do PCP e do Bloco de Esquerda.
Esta norma levou a uma nova ronda negocial do Governo com os sindicatos dos professores, mas o resultado é o mesmo e o Governo aprova o decreto-lei com os mesmos dois anos, nove meses e 18 dias com que havia fechado as negociações. É esta decisão que leva os partidos a pedirem a apreciação parlamentar do decreto-lei – concretizando a ameaça que já tinham feito durante a discussão do orçamento – e que agora garante a consagração dos nove anos, quatro meses e dois dias como principio e a contabilização, com efeitos a 1 de janeiro de 2019 da primeira parcela, os dois anos, nove meses e 18 dias. As contas do Governo neste ponto também diferem da oposição.
- Contas do Governo com o faseamento previsto no decreto-lei: 20 milhões de euros em 2019, 40 milhões de euros com as restantes carreiras especiais.
- Contas do Governo das propostas dos partidos já aprovadas: 196 milhões de euros por ano a partir de 2019, com retroativos se forem pagos apenas em 2020.
- Contas do Governo diferença entre as propostas: 176 milhões de euros.
- Contas do PSD: Cerca de um terço dos 176 milhões de euros, porque desconta aposentações.
Quanto custa contar os nove anos, quatro meses e dois dias?
Nas contas do Governo, contar o tempo exigido pelos professores – o princípio que foi aprovado por todos os partidos no Parlamento, com exceção do PS – custaria ao Estado 635 milhões de euros, já descontando as aposentações de professores que devem ocorrer durante este período. Este é o valor que tem sido usado pelo Governo. Quando a este se soma o custo da contagem do tempo de serviço nas restantes carreiras especiais (como por exemplo as forças de segurança), o valor total sobe para 800 milhões.
Mas estas contas já são feitas tendo por base um entendimento diferente da parte do Governo. Quando decidiu o congelamento das carreiras em 2018, o Governo entendeu que o que interessava era o custo líquido da medida (já retirando o que recebia de volta em receitas para a Segurança Social e em IRS), agora o Governo entende que as contribuições para a Segurança Social têm de ser contadas como custo no que diz respeito aos professores e restantes carreiras especiais.
“As despesas incluem contribuições da entidade patronal para a Segurança Social porque estas afetam as despesas com pessoal e o seu ritmo de crescimento. A receita com os encargos da Segurança Social constitui receita da Segurança Social, pertence aos trabalhadores e está consignada às pensões e apoios sociais dos próprios contribuintes, que também irão refletir o aumento de descontos. A receita da Segurança Social não é para financiar o Estado e os serviços públicos. No que toca à ADSE, é um subsistema de saúde voluntário e as contribuições também estão ligadas a determinado serviço”, lê-se no comunicado enviado pelo Ministério das Finanças às redações a 30 de abril.
Apesar deste entendimento, o Ministério das Finanças continua a usar o valor líquido (mais baixo por não incluir as contribuições para a Segurança Social) do descongelamento das carreiras de 2018 quando o compara com o custo do descongelamento de carreiras dos professores e restantes carreiras especiais, o que faz com que o custo de recuperar o tempo de serviço dos professores seja mais alto. O Ministério das Finanças não publicou dados sobre o custo da contagem do tempo de serviço líquido de contribuições para a Segurança Social.
Como comparam estes valores?
- Descongelamento de carreiras de 2018 líquido de contribuições para a Segurança Social e IRS: 592,1 milhões de euros.
- Descongelamento de carreira incluindo o custo das contribuições para a Segurança Social: 718,2 milhões de euros.
- Contagem integral do tempo de serviço dos professores incluindo o custo das contribuições para a Segurança Social: 635 milhões de euros
- Todas as carreiras especiais: 800 milhões de euros.
Há dinheiro no orçamento para pagar já os dois anos, nove meses e 18 dias?
Na terça-feira, quando foi ouvido na comissão parlamentar de educação, o ministro das Finanças não foi claro sequer se o custo da contagem faseada prevista pelo Governo destes dois anos e nove meses já estariam previstos, mas disse que havia margem para fazer o pagamento.
“O custo [em 2019 da contagem de cerca de um terço do tempo de serviço] são 40 milhões de euros. Estão orçamentados ou são suportados dentro deste orçamento, porque evidentemente existe flexibilidade”, disse o ministro.
Para o valor total dos dois anos e nove meses (que nas contas do Governo custam 196 milhões de euros), o entendimento do Executivo é que as propostas violavam a ‘norma travão’ incluída na Constituição, antes das mudanças feitas durante a Comissão. Depois da reunião, o PS continuou a levantar questões sobre a constitucionalidade e o Governo convocou uma reunião do seu núcleo duro.
Caso tudo corra como previsto no Programa de Estabilidade, estes 196 milhões de euros representariam pouco menos de agravamento do défice de 0,1% do PIB, o que colocaria a meta nos 0,3%, ainda dentro da margem de segurança e longe de violar as regras orçamentais europeias. Mas a estes 196 milhões de euros teriam de ser descontados as receitas para a Segurança Social, que também contam como receita das administrações públicas nas contas do défice.
A 3 de maio, no dia em que Costa anunciou que se demitirá se o Parlamento aprovar a contagem integral do tempo de serviço, o Ministério das Finanças avançou que a medida implica um aumento de despesa de 40 milhões este ano (o mesmo que estava previsto no OE 2019) e de 581 milhões de euros já em 2020. Este acréscimo previsto para o próximo ano tem em conta 200 milhões de euros que vêm de 2019, 240 milhões do decreto do Governo (dos dois anos, nove meses e 18 dias) pagos todos em 2020 e 141 milhões de euros da contagem dos nove anos, quatro meses e dois dias. Sobre esta última parcela Mário Centeno assumiu que será pago um quarto do total.
E as contas do défice com a contagem integral do tempo de serviço?
Se tivéssemos em conta os 800 milhões de euros anuais que o Governo estima que custe a reposição de todo o tempo de serviço, o agravamento anual do défice seria de cerca de 0,4% do PIB todos os anos. Mas estas contas têm várias nuances. A primeira destas é a evolução do Produto Interno Bruto, que se espera que aumente nos próximos anos e assim o rácio do défice baixaria apenas por essa via.
O segundo fator a ter em conta é, mais uma vez, o valor das contribuições para a Segurança Social. Nestes 800 milhões de euros, o Governo tem incluído o custo de pagar estas contribuições e a contribuição para a ADSE. No entanto, como é receita da Segurança Social e da ADSE, também é receita das administrações públicas, fazendo assim baixar o défice. Logo, o impacto no défice seria sempre inferior aos 800 milhões de euros, ou cerca de 0,4% do PIB.
O primeiro impacto pode fazer-se sentir já em 2019, mesmo sem o pagamento ser feito. Como lembrou Mário Centeno esta sexta-feira, em entrevista à SIC, como o compromisso para pagar os dois anos, nove meses e 18 dias é assumido em 2019 ele tem de ser registado no défice de 2019, mesmo que só venha a ser pago em 2020. Esta é uma questão que terá de ser avaliada pelas autoridades estatísticas e, mais tarde, pelos serviços da Comissão Europeia no que diz respeito à avaliação do cumprimento das regras orçamentais.
Mas não havendo lugar a pagamento este ano além do que está previsto no orçamento, não há qualquer necessidade de fazer um retificativo, porque não há aumento da despesa efetiva.
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