OE2017: Os casamentos improváveis que tramam Costa

Os partidos passaram três dias a votar na especialidade as propostas de alteração ao OE2017. O resultado passou por casamentos improváveis, alterações de sentido de voto e (re)votações em plenário.

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Três longas tardes de votação depois, habemus proposta para o Orçamento do Estado (POE) para 2017. Esta terça-feira a proposta vai a votos na generalidade, mas a votação é previsível: o BE e o PCP já anunciaram que votam ao lado do PS para viabilizar a proposta do Governo. Mas, desde que foi apresentada, a POE já criou muita especulação e até alianças improváveis dada a composição de forças inédita do Parlamento.

O Governo não queria, mas…

O caso mais mediático das longas e despercebidas votações na especialidade foi a lei aprovada pelo Bloco de Esquerda, PSD e CDS. Foi na quinta-feira, dia 24, que as várias propostas sobre os salários da CGD, a entrega da declaração de rendimentos e o Estatuto do Gestor Público chegaram a votação.

A polémica chegou também: o deputado António Leitão Amaro, do PSD, pediu para votar em separado duas alíneas de uma proposta do BE, mas Mariana Mortágua recusou invocando a “coerência interna” dos dois artigos por só fazerem sentido em conjunto.

O confronto não passou ao de leve. Paulo Sá, do PCP, acusou Leitão Amaro de fazer uma consideração com “conteúdo político” numa reunião de votações da COFMA, argumentando que o deputado do PSD devia tê-lo dito de manhã na discussão em plenário.

A presidente da comissão, Teresa Leal Coelho, considerou que não foi esse o caso e a votação prosseguiu. A proposta do BE foi reprovada pelo PS e a abstenção do PSD e CDS, mas ainda não tinha acabado as investidas sobre a CGD.

Minutos a seguir, a proposta do PSD apenas relativa aos deveres de transparência e responsabilidade foi viabilizada pelo Bloco de Esquerda com o apoio do CDS, mas o voto contra do PCP e do PS.

Anteriormente tinham sido reprovadas pela maioria de esquerda propostas da direita para limitar os salários dos gestores das instituições de crédito. Também a proposta do BE nesta matéria foi reprovada ao não colher o apoio do PSD e CDS que abstiveram-se.

Esta proposta obriga os gestores da Caixa Geral de Depósitos a apresentarem declarações de rendimentos e património e, alegadamente, segundo Marques Mendes, foi esta a razão da demissão de António Domingues conhecida este domingo. O presidente demissionário da CGD sentiu-se ofendido, afirmou o comentador.

Na sexta-feira a votação de quinta-feira de tarde foi repetida em plenário a pedido do Partido Socialista, mas com o mesmo resultado. O Bloco de Esquerda não mudou o seu sentido de voto na proposta do PSD para a sujeição a deveres de transparência e responsabilidade.

O BE pediu para votar novamente a norma revogatória no âmbito do Estatuto do Gestor Público e o PSD pediu nova votação do regresso dos limites salariais anteriores para a CGD, mas ambas as propostas ficaram novamente na gaveta sem aprovação.

Santo António, que casamentos são estes?

A Caixa Geral de Depósitos não foi o único centro de ebulição. Foi o caso com mais impacto mediático e, sabe-se agora, com maior impacto na realidade política e bancária em Portugal, mas há curiosidades das longas horas de votações que a nova disposição parlamentar e, por isso, correlação de forças políticas trouxe.

É o caso dos museus gratuitos até às 14h de todos os domingos. Vai ser uma realidade em 2017, mas apenas porque a proposta do Partido Comunista Português recebeu o apoio do BE, PSD e CDS. O Partido Socialista votou contra a proposta dos comunistas.

O Governo não queria, mas no próximo ano voltará a ser gratuita a entrada nos museus e monumentos nacionais nos domingos e feriados até às 14h00 para todos os cidadãos residentes em território nacional. Apesar de o Governo de António Costa ter feito regressar o Ministério da Cultura, as contas públicas falaram mais alto quando se tratou de aumentar a despesa pública.

Os exemplos continuam: mais uma vez, os bloquistas juntaram-se à direita, desta vez para aprovar uma proposta do CDS. Mas este é um caso mais bicudo: o primeiro ponto da proposta foi aprovado também pelo PS, mas o segundo só passou porque o BE se alinhou com o PSD e CDS. O terceiro ponto foi mesmo reprovado. Resultado final? O Estado vai ser obrigado a centralizar informação sobre as taxas existentes no Portal do Cidadão.

Em causa está a informação de todas as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas ou concessionárias de serviços públicos em vigor. Essa informação terá de fazer parte de uma secção própria do Portal do Cidadão. Este é o primeiro ponto da proposta do CDS que também colheu o apoio do PS. Já o segundo ponto — que elenca as informações a apresentar — foi aprovado apenas pelo CDS, PSD e BE.

O terceiro ponto da proposta dos centrista foi reprovado. Em causa estava, caso o Estado não cumprisse esta meta, que as taxas podiam ser revogadas. Ou seja, não serem pagas pelos particulares. Neste ponto a gerigonça voltou a funcionar para reprovar.

Um (quase) insólito

A proposta era simples: os comunistas queriam que o Estado entregasse o mesmo prémio monetário dos atletas olímpicos aos atletas paralímpicos, consoante a devida conquista. Por exemplo: atualmente, um atleta olímpico que chegue ao primeiro lugar na sua categoria recebe 40 mil euros de prémio, enquanto um atleta paraolímpico recebe metade desse valor.

O PCP propunha uma equivalência dos valores para os mais altos, ou seja, os dos atletas olímpicos, uniformizando os prémios monetários. Na proposta, o Partido Comunista Português ressalva que essa equiparação tem de garantir que não há redução dos montantes atribuídos. Tudo seguia normalmente até a votação acontecer e o partido que sustenta o Governo que tem uma secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade votou contra.

No entanto, a proposta avançou com um casamento improvável: o BE, PSD e CDS aliaram-se aos comunistas para fazer passar a proposta com o voto contra do Partido Socialista. A história podia acabar e já tinha o selo de insólita ou, pelo menos, surpreendentemente. Contudo, no final da sessão de votações de quinta-feira, o grupo parlamentar do PS pediu a Teresa Leal Coelho para mudar o sentido de voto de “contra” para “a favor”.

Metodologia

A votação na especialidade foi feita na Comissão de Orçamento e Finanças (COFMA) presidida por Teresa Leal Coelho, deputada do PSD. Ao seu lado estiveram vários elementos do Governo, mas há uma peça do xadrez que é essencial: Pedro Nuno Santos. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares é responsável por fazer funcionar o acordo de incidência parlamentar e a comunicação com o PS, BE e PCP foi essencial.

Em cada grupo parlamentar há protagonistas. À esquerda, Mariana Mortágua lidera a ala do Bloco de Esquerda e Paulo Sá a do Partido Comunista Português. No Partido Socialista, João Galamba, Eurico Brilhante Dias, Paulo Trigo Pereira e João Paulo Correia são as caras principais.

No Partido Social-Democrata, Duarte Pacheco, António Leitão Amaro e Cristóvão Crespo lideram a linha da frente. Por fim, o CDS é encabeçado por Cecília Meireles e João Almeida. De fora do esquema de votações, apesar de as suas propostas também serem votadas na especialidade, estão Os Verdes e o PAN que não têm representação na COFMA.

Editado por Mónica Silvares

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