Tiago Duarte da PLMJ, nomeado árbitro do ICSID em 2019, conta em entrevista à Advocatus como a experiência internacional neste meio de resolução de litígios tem sido desafiante e um marco na carreira.
Já passou pelos ministérios da Justiça, da Economia e dos Negócios Estrangeiros e é, desde 2008, sócio da PLMJ. Tiago Duarte é especialista em direito administrativo e conta com mais de 20 anos de experiência em direito público e em arbitragem.
No início do ano, foi nomeado árbitro do ICSID — o centro de arbitragem de eleição para a resolução de conflitos entre investidores e Estados — e junta-se, assim, a José Miguel Júdice. Segue-se-lhe um mandato de seis anos e muitos desafios pela frente. Em entrevista à Advocatus, admite que a arbitragem começa a ser “cada vez mais aceite como aquilo que é e deve ser: um modo de resolução alternativa de litígios”.
O Tiago foi um dos quatro portugueses indicados pelo Estado para o painel de árbitros internacionais do ICSID. Qual foi a sensação? Já esperava esta indicação?
Fiquei muito contente. Acredito que significa o reconhecimento da minha experiência académica e profissional nesse domínio, que começou em 2006, quando fui a Washington, pela primeira vez, assistir a uma conferência internacional sobre o ICSID, depois de José Miguel Júdice me ter recomendado estudar esse ramo da arbitragem internacional. Ainda hoje lhe agradeço esse conselho. Quanto aos outros três árbitros designados por Portugal, estou em ótima companhia, com José Miguel Júdice, Fausto Quadros e Dário Moura Vicente.
Já colaborava com este centro em algumas arbitragens. Como tem sido a experiência? Em que casos participou?
Sim, tive o privilégio de fazer parte da equipa de advogados da PLMJ que representou uma empresa francesa numa arbitragem do ICSID contra a Guiné Conackry, por causa da expropriação do contrato de concessão portuário da Guiné. Fui também contratado como ‘legal expert’ em dois litígios, envolvendo a Venezuela e investidores estrangeiros e em que era aplicável o BIT — o Bilateral Investment Treaty — celebrado entre Portugal e a Venezuela.
Ao longo destes anos, a PLMJ tem estudado vários potenciais casos de arbitragens do ICSID mas, por uma razão ou por outra, ainda não avançaram.
Quais são as expectativas agora que integrou este painel? Já tem algum caso em mãos, desde janeiro?
A integração no painel de árbitros do ICSID não implica que sejamos imediatamente escolhidos como árbitros por um Estado ou por um investidor, mas é visto como um selo de garantia e dá alguma visibilidade. Tendo já experiência como árbitro nacional e como árbitro internacional, gostava de também ter a honra de arbitrar um litígio entre um Estado e um investidor. É para isso que me tenho vindo a preparar ao longo destes anos.
Além disso, leciono esta disciplina em várias universidades, em especial na Universidade Católica e vou duas vezes por ano à Universidade de Cambridge estudar e escrever sobre este tema.
Como surgiu o seu interesse pela arbitragem?
Enquanto professor de Direito Público e advogado especializado em Direito Público, a arbitragem é a continuação do meu trabalho. Há mais de 20 anos que desenvolvo a minha vida profissional como advogado, assessorando clientes a evitar litígios, ou ajudando-os a resolver litígios em tribunal ou em arbitragens e há alguns anos comecei a ser procurado também como árbitro, em litígios envolvendo entidades públicas.
A experiência como advogado e como professor ajuda muito na tarefa de ser árbitro.
José Miguel Júdice disse à Advocatus que para ele ser árbitro era a sua nova paixão, mas que esta acabava a ficar sempre para último plano por ser sócio da PLMJ. Também sente essas limitações?
A minha nova paixão é o meu terceiro filho, que tem dois meses! Quanto às minhas paixões profissionais, gosto cada vez mais de me sentir realizado como advogado, como árbitro e como professor. É um triângulo virtuoso.
O único problema é o tempo, que não estica, mas essa limitação temporal ajuda-nos a sermos mais focados e mais eficientes. Naturalmente que quando não podemos aceitar um desafio como árbitro por causa de um conflito de interesses (e José Miguel Júdice tem sido, ao longo dos anos, o mais penalizado por isso), ficamos com alguma frustração, mas na PLMJ não trocamos uma rigorosa política de conflitos de interesses por causa dos estados de alma de cada um de nós.
Sente que em Portugal as empresas ainda “fogem” da arbitragem ou já começa a ser uma solução mais popular?
Como em tudo na vida, o gosto vem com o conhecimento. Quanto mais se conhece a arbitragem e se percebe que os árbitros são mesmo juízes e não advogados disfarçados de juízes, no sentido de que julgam um litígio de modo independente e imparcial, com vantagens de especialização e de tempo, a arbitragem começa a ser cada vez mais aceite como aquilo que é e deve ser: um modo de resolução alternativa de litígios.
Quais são as grandes vantagens de optar por este meio de resolução, a seu ver, já que pode sair mais caro, por exemplo.
Não se pode afirmar que por norma sai mais caro, desde logo pelo valor das custas judiciais, indexadas ao valor da ação judicial. Por outro lado, se a decisão arbitral demorar duas, três ou quatro vezes menos do que demora nos tribunais judiciais, se os árbitros forem mais especializados, se houver mais flexibilidade processual, no sentido de que não se deite tudo a perder por uma questão formal que pode ser corrigida, se a sentença for bem fundamentada, tudo isso tem um preço e representa uma poupança.
Mais barato do que a arbitragem ou os tribunais judiciais é evitar os litígios e, para isso, também se deveria recorrer cada vez mais aos advogados, enquanto fazedores de pontes.
Na mesma entrevista, Júdice revelava que a vossa equipa de arbitragem – coordenada por Pedro Nápoles – está “bem acima dos 3 milhões de euros de faturação recebida”. Para 2019 esperam faturar muito mais?
Os advogados não são donos dos clientes, que são livres de escolherem quem os represente nas arbitragens. Dito isto, se em 2019 ultrapassarmos a faturação de 2018 isso significa que mais clientes nos escolheram para os representarmos, o que só nos pode honrar, tendo em conta que há outras boas equipas de advogados de arbitragem em Portugal e no mundo. Se não ultrapassarmos, pode significar muitas coisas. Até que o mundo está melhor e com menos litígios.
Chega à vossa equipa cada vez mais casos?
No caso das arbitragens do ICSID relativas a litígios entre Estados e investidores, estamos em concorrência literalmente com o mundo inteiro, já que nessas arbitragens se aplica direito internacional. A vantagem para o cliente é o custo-benefício que podemos oferecer. Um caso do ICSID para nós não será “mais um caso” como para as grandes sociedades de advogados internacionais.
"A vantagem para o cliente é o custo-benefício que podemos oferecer [na PLMJ]. Um caso do ICSID para nós não será “mais um caso” como para as grandes sociedades de advogados internacionais.”
Quais são as áreas onde a arbitragem é mais recorrente?
São as arbitragens relativas a litígios comerciais internacionais ou nacionais, onde o trabalho da equipa de arbitragem agora coordenada pelo meu sócio e amigo Pedro Metello de Nápoles é reconhecido e tem estado em franco crescimento.
No direito público também temos crescido nas arbitragens envolvendo litígios com entidades públicas, como seja no setor das concessões rodoviárias, ferroviárias, hospitalares, no domínio das empreitadas de obras públicas ou no domínio farmacêutico, em que estamos cada vez mais presentes, seja como advogados, seja como árbitros.
Existe algum caso de arbitragem que lhe tenha ficado na memória e possa partilhar?
As duas arbitragens do ICSID em que fui legal expert foram marcantes. Na primeira, depois de ter elaborado um parecer, fui convocado para ser interrogado sobre esse parecer em Londres, onde a arbitragem tinha lugar. Cheguei à noite ao hotel, onde estavam instalados os advogados, que eu ainda não conhecia pessoalmente, e poucos minutos depois de me deitar fui acordado pelo alarme de incêndio, o que me levou a ter de sair em pijama e ficar no passeio em frente ao hotel, com centenas de outros hóspedes.
É então que ouço uma pessoa dizer o meu nome e me apercebo de que é o advogado que me vai interrogar no dia seguinte, que, apesar de eu estar em pijama, me reconheceu. No dia seguinte, na inquirição, quando eu pensava que ia responder a perguntas de um advogado de cada uma das partes, verifico que estão 15 advogados de cada um dos lados. Para criar ainda maior tensão, apesar de estar previsto que o meu testemunho fosse dado em português, como o tradutor era muito fraco, o tribunal pediu-me para testemunhar em inglês.
Na segunda arbitragem, fui inquirido em Washington e, no regresso, houve uma tempestade súbita que cancelou todos os aviões, sendo que quando me apercebi de que teria de reservar um quarto num hotel para essa noite, já estavam esgotados todos os quartos de todos os hotéis de Washington… Enfim, não se pode dizer que esta vida seja monótona.
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Empresas já recorrem à arbitragem quando percebem “que os árbitros são juízes e não advogados disfarçados de juízes”
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