Dívida portuguesa em euros tem juro negativo. Panda Bonds deverão custar entre 3,9% e 4,5%

Além do custo elevado pela entrada num mercado novo, Portugal ainda terá de pagar a cobertura cambial. Mas a longo prazo, o gasto deverá compensar.

Fotomontagem Lídia Leão / ECO

Portugal vai pagar um juro elevado para emitir dívida em moeda chinesa, com uma taxa que deverá situar-se entre 3,9% e 4,5%. O Governo considera que as vantagens de ser pioneiro neste mercado compensam os custos e os analistas concordam, lembrando que, quando o apetite por dívida portuguesa não for tão forte como atualmente, o país irá beneficiar de uma base de investidores mais alargada.

A primeira emissão de Panda Bonds — títulos em moeda chinesa colocados por estrangeiros — por um país da Zona Euro está a ser preparado pelo Governo português desde o final de 2017. Mais de um ano e meio depois, Portugal fecha esta quinta-feira uma colocação de dois mil milhões de renminbi, o equivalente a 260 milhões de euros.

A emissão terá a maturidade de três anos e um custo superior ao equivalente em euros, sendo que a yield da dívida portuguesa a três anos em euros negoceia em mercado secundário em terreno negativa, em -0,221%. “É difícil prever dado que é a primeira emissão, mas creio que deverá ficar entre 3,5% e 4%” em renminbi, afirma Filipe Garcia, economista e presidente da IMF.

Garcia aponta para o valor mais baixo do intervalo, enquanto Filipe Silva, diretor da gestão de ativos do Banco Carregosa, antecipa que no extremo mais elevado, ou seja, nos 4%. Os valores esperadas pelos analistas alinham com o intervalo de preço (entre 3,9% e 4,5%) apontado pelo regulador chinês, a que a Bloomberg teve acesso, sendo que estas taxas são em renminbi e o equivalente em euros poderá ser mais baixo.

Apesar das indicações de que o juro ficará consideravelmente acima das taxas a que Portugal tem emitido dívida em euros (que a curto prazo têm sido cada vez mais negativas e a dez anos têm renovado mínimos históricos) e esta quinta-feira negoceiam em -0,24%, ambos os analistas concordam que a operação deverá ser um sucesso.

Investidores já deverão ter sinalizado interesse

“A grande vantagem é a diversificação da base de investidores. É facto que Portugal emite agora em euros a taxas muito baixas, mas diversificar é importante. Estamos numa fase de vender muito facilmente dívida pública, mas nem sempre é assim e é importante para Portugal ter uma base de investidores diversificada caso haja problemas“, sublinha Silva.

Foi este o objetivo definido pelo Governo: a diversificação da base de investidores. Já existe dívida portuguesa nas mãos de chineses — na venda sindicada de quatro mil milhões de euros em obrigações em janeiro, 1,9% dos compradores eram asiáticos –, mas quer mais. Poderão ter acesso a esta operação não só investidores chineses como fundos de investimento de outros países especializados em dívida em renminbi e procura não deverá ser problema.

“Para as emissões em euros, o que não falta é procura, mas passa a haver conhecimento de um instrumento financeiro que não era conhecido, que é a dívida portuguesa. Se o IGCP está a avançar é porque já fez uma pesquisa de mercado e já sondou os investidores para ver se há interesse. Não é uma emissão muito grande portanto penso que não haverá problema”, referiu o diretor da gestão de ativos do Carregosa.

Volatilidade da moeda é o maior risco

Portugal torna-se assim o primeiro país da Zona Euro a entrar neste mercado, que no final do ano passado ascendia a 200 mil milhões de renminbis (26 mil milhões de euros). Na União Europeia, há apenas dois outros exemplos: a Polónia em agosto de 2016 e a Hungria em julho de 2017. Fora da Europa, também não há muito mais casos de emitentes de Panda Bonds soberanas, um grupo em que se inclui a Coreia do Sul ou as Filipinas.

Ainda pouco conhecido, a volatilidade da moeda é maior risco deste mercado. Para se proteger, A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP vai recorrer ao hedging, ou seja, a cobertura cambial da totalidade do montante.

“No momento em que é feita a emissão, é acordado com uma instituição financeira a venda do mesmo valor de renminbis — que está neste momento a uma taxa de 7,749 — na data da maturidade, através de um instrumento financeiro que deverá ser um forward. Claro que tem um custo, mas é uma proteção contra a volatilidade da moeda”, clarifica o gestor do Banco Carregosa.

O presidente do IMF, consultora especializada na análise de risco incluindo cambial, não vê o hedging como um custo já que reflete no preço o diferencial de taxas de juro entre o euro e o renminbi. “Uma cobertura cambial compensará quase na totalidade o diferencial de taxas de juro entre as duas moedas. Dito de outra forma, ao cobrir o risco, o IGCP também faz baixar a taxa de juro ‘implícita’ final a pagar”, diz.

Mais que financeira, operação é política

Os analistas concordam que o racional financeiro não pode ser o único ângulo pelo qual se olha para esta operação. Se, por um lado, mostra que Portugal tem flexibilidade, por outro, é mais um passo na aproximação entre os dois países. É conhecido o interesse de Pequim de internacionalizar a sua moeda e esta decisão de Portugal acaba por ser um sinal que a China apreciará”, acrescenta Garcia.

A emissão surge após um conjunto de acordos bilaterais e também da disponibilidade chinesa de, no passado, financiar a República Portuguesa. Esta operação tinha sido anunciada depois da visita oficial do primeiro-ministro à China, em setembro de 2017. Mais recentemente, também o presidente Marcelo Rebelo de Sousa visitou o país e reafirmou o interesse em estreitar relações com a segunda maior economia do mundo.

“Apesar das relações entre ambas as nações serem centenárias, com a presença portuguesa no Oriente, e nomeadamente em Macau, temos sentido nos últimos anos um fluxo inverso com a crescente presença de cidadãos e investimento chineses em Portugal, nomeadamente pelos benefícios criados pela atribuição dos Golden Visa”, concorda Nuno Caetano, analista da Infinox.

O investimento chinês em Portugal ganhou maior expressão especialmente durante a crise financeira, com grandes empresas a entrarem no capital de grupos portugueses. São disso exemplo a aquisição de 21% da EDP pela estatal China Three Gorges em 2011 ou a compra de 25% da REN pela State Grid no ano seguinte. “Por isso, esta operação acaba por surgir de uma forma natural, e poderá catapultar outros países europeus a emitir divida da mesma forma”, acrescentou Caetano.

(Notícia atualizada às 8h)

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