Carris ainda não faz previsões sobre o impacto da revolução tarifária, mas Tiago Farias assegura que está preparada para adaptar a oferta aos novos fluxos e às exigências do acionista.
“Um ano marcante para a Carris.” É desta forma que Tiago Farias, presidente da transportadora rodoviária lisboeta, sintetiza o exercício de 2018. Depois de passar para a esfera da Câmara Municipal de Lisboa, a empresa e o município dedicaram o ano de 2017 a delinear uma visão e uma estratégia para a mobilidade da cidade e o seu futuro, visão essa que, no caso da Carris, começou a avançar em 2018. Foram lançados concursos para uma ampla renovação da frota e o quadro de pessoal continuou a ser reforçado.
Depois de em 2017, já liberta de custos financeiros, a Carris ter conseguido um lucro de aproximadamente 5 milhões de euros, em 2018 os resultados líquidos já superaram os 8,6 milhões de euros, muito graças à entrada em vigor do contrato de concessão celebrado com o município lisboeta e de um aumento das receitas com a venda de títulos, em 2,9%. Obrigada pelos regulamentos europeus, como concessionária de transportes públicos, a manter um resultado positivo, a sustentabilidade financeira da empresa é a melhor garantia de que a Carris se mantém preparada para responder aos desafios atuais e presentes da mobilidade, diz o seu presidente.
Estes são desafios que exigem uma empresa estabilizada, reforçada e renovada para melhor se adaptar às exigências do acionista face às necessidades dos seus munícipes, sejam habitantes ou trabalhadores, mas também à urgente necessidade de reduzir impactos ambientais. E, com a consolidação de contas e com a arrumação de todas as exigências regulamentares conseguida em 2018, a Carris crê estar devidamente preparada a enfrentar todos estes desafios e ambições.
A Carris lucrou mais 75% em 2018, para um resultado de 8,6 milhões. Como se justifica este salto?
Foi um ano marcante para a Carris. Depois de entre 2010 e 2016 se ter vivido um período de desinvestimento na empresa, com redução de 25% na oferta e uma redução muito forte nos recursos humanos, em que ficámos com menos 600 colaboradores. Era um caminho insustentável, diria, naquilo que é a oferta de transportes para a Área Metropolitana de Lisboa. Foi um período complicado, como sabemos, com o FMI, a troika… Mas 2017 foi um ano de grande mudança. O município passou a ser o acionista e trouxe uma visão completamente diferente do que se pretende da empresa, seja em termos estratégicos, dimensão, tecnologias ou serviço ao cliente. E 2018 foi o primeiro ano em que a Carris foi empresa municipal durante todo o ano e o primeiro em que o contrato de concessão entrou em vigor, que recebeu o visto prévio do Tribunal de Contas já em outubro de 2018.
O contrato teve impacto nas contas?
As contas incluem pela primeira vez o resultado de já termos um contrato de concessão entre Lisboa e a Carris e é nesse que se definem regras para a Carris poder ser, ou não, compensada pelas obrigações associadas ao serviço público que presta. Em 2017, a empresa não recebeu dinheiro de ninguém e teve resultados positivos, mas porque ainda só estava a preparar-se para avançar para a compra de autocarros. O ano de 2018 é marcante por isso, porque foi quando tivemos todos os instrumentos arrumados. Logo, o que foi desenhado em 2017, com definição de uma visão estratégica e um plano de atividades, começou a ser consolidado em 2018. Lançámos concursos para uma forte renovação da frota, tendo fechado contratos para a compra de mais de 200 autocarros que já começaram a chegar.
Qual é o peso do contrato de concessão nas receitas?
As receitas são compostas em perto de 100 milhões pela venda de títulos, uma segunda fatia são ganhos complementares, como a venda de produtos ou ganhos das participadas, e, agora sim, temos um instrumento que passou a estar em pleno e que totalizou quinze milhões em 2018 pagos por duas entidades: do Estado, pelo esforço com os passes 4_18 ou sub23, e da aplicação do contrato de concessão. Este foi aprovado em outubro de 2018 pelo Tribunal de Contas e no fundo compensa a empresa pelas tarifas apoiadas, como os títulos gratuitos para crianças, ou descontos para seniores, e também pela operação de linhas não rentáveis, ou seja serviços que comercialmente não são possíveis de fazer sem apoios. Mas as receitas cresceram porque houve também mais vendas de títulos. Além das receitas e do lucro, em 2018 o EBITDA da Carris também cresceu, tal como os capitais próprios. Estamos a fazer um caminho de sustentabilidade e a melhorar resultados transitados regularmente, o que é saudável para a empresa.
Todos os anos é pensado um plano de atividades para o quadriénio, e é natural que se analise anualmente se precisa de reajustes. Temos um plano ambicioso que depende das autoridades
Este é um caminho que implica igualmente uma subida de custos. Em 2018, os gastos operacionais cresceram 11%…
Ao nível dos custos o que acontece é que em 2018 aumentámos em 5% os quilómetros percorridos, logo os fornecimentos e serviços externos (FSE) também crescem, já que há mais consumo, mais exigências de manutenção, etc… Houve também um crescimento acentuado nos recursos humanos, essencialmente porque contratámos mais pessoas e cumprimos o previsto ao nível de progressões na empresa. Isso tem sempre reflexos.
Para a evolução positiva das contas da Carris muito contribuiu a retirada do peso da dívida e custos associados da empresa. Os números operacionais já antes eram positivos…
Sim, os números operacionais da Carris já eram interessantes e prova disso é que, mesmo sem apoio, em 2017 já tivemos resultados positivos, mas não eram sustentáveis. A empresa só conseguiria manter esse registo [resultados no verde] se não fizesse qualquer investimento.
A “revolução” levada a cabo nos tarifários este ano muda as perspetivas da Carris?
O ano de 2019 é um exercício de grande investimento. A chegada dos mais de 200 autocarros começou em 2018, mas também continuam a chegar gradualmente este ano… é um ano de muito investimento. Pretendemos seguir os objetivos de aumento da oferta e da procura, tal como em 2018, em que aumentámos oferta em 4,7%, e o plano em si mantém-se em pleno. Todos os anos é pensado um plano de atividades para o quadriénio, e é natural que se analise anualmente se precisa de reajustes. Temos um plano ambicioso que depende das autoridades, a Carris é cada vez mais um operador que deve executar o que for decidido pelo seu acionista, o município de Lisboa.
Mas com o aumento da procura, não é necessário proceder a ajustamentos?
O novo enquadramento tarifário é mais apelativo, logo é natural que a procura cresça. Mas ainda estamos a analisar. O PART [Programa de Apoio à Redução Tarifária] foi lançado em abril, que é um mês atípico, com a Páscoa. Maio já será um mês mais interessante para perceber, já que é diretamente comparável com maio de 2018, mas depois entramos em junho, julho, agosto… que são menos fáceis de perceber como estão a reagir os fluxos de passageiros. Mas não há dúvidas: cresceu a adesão ao sistema, mas tal não implica que cresça na Carris na mesma medida. Continuaremos a investir em recursos humanos e em tecnologias para assegurar que temos capacidade para responder. Precisamos de ser mais dinâmicos, articular e perceber com os acionistas qual a melhor alocação de meios. Mas o mais importante é a Carris ter os meios disponíveis para responder às exigências.
E a Carris já está apetrechada para responder?
Há um ponto a ter em conta: Lisboa, em 2017, quando fica ao comando da Carris, percebeu logo que era necessário fazer três coisas: melhor serviço e oferta — se servimos uma zona de universidades com aulas até às 23h, era impensável terminar essa carreira às 21h, por exemplo –, mais acessível e mais integração. E, por essa razão, Lisboa já tinha feito uma parte do caminho: crianças até aos 13 anos deixaram de pagar, por exemplo. Logo, quando surge o PART, o maior impacto é nas zonas envolventes. Mas, de todas as formas, estamos bastante bem preparados e prontos para aumentar a oferta, articulá-la. Nós, na Carris, temos a obrigação de estar preparados e disponíveis para as adaptações. O desafio talvez seja maior do lado dos ‘alimentadores’, das transportadoras que trazem passageiros para Lisboa. Será necessário perceber ainda como ficarão as novas matrizes e fluxos de ‘origem-destino’, já que muitos utilizadores só adaptam hábitos com a rentrée de setembro, e, depois, quais serão os impactos de tudo isto em termos de proveitos? Ainda não se consegue antecipar. Face a tudo isto, a Carris só tem que estar bem preparada para receber todos os movimentos pendulares que entrem em Lisboa, e está.
Ter essa capacidade de resposta depende do atual plano de alargamento e renovação da frota… Dos vários anunciados, quantos novos veículos é que já chegaram?
Neste momento, estão contratados 125 autocarros standard a gás natural, que estão a ser entregues de forma progressiva, e outros 40, também a gás natural, articulados, que são fundamentais para a nossa operação — servem linhas longas, de muita procura. Temos também 15 autocarros 100% elétricos quase a chegar e 37 autocarros médios. Ao todo, são cerca de 217 veículos que vão chegando, em timings diferentes, mas que já estão em fase de entrega, ou quase. Já recebemos mais de 100.
Em relação aos 15 autocarros 100% elétricos, já há previsão para começarem a chegar?
Começam a chegar durante o verão, porque antes tivemos que fazer uma estrutura de carregamentos, na Pontinha, com 15 ou 16 postos de abastecimento. A Pontinha serve muitas linhas urbanas.
O plano de investimentos da Carris tem um pico em 2019. Vai ter impacto nas contas?
O que poderá acontecer é assistirmos a uma compensação maior. Mas faz parte da nossa estratégia. Isto é, quando desenhámos o plano de investimento já prevíamos oscilações, já que depende das datas de entrega. Ainda agora lançámos um concurso para a aquisição de 15 elétricos, que custarão 45 milhões de euros. O impacto muitas vezes depende de quando o fornecedor consegue disponibilizar o material circulante. Há uma ideia que contratamos 100 autocarros e eles entram logo ao serviço. Não é assim que acontece, nem os fornecedores conseguiam, nem nós queremos. Cada autocarro que chega ainda precisa de ter um sistema de apoio à exploração montado, pelo que é um processo que tem várias implicações. Mas o nosso plano de investimentos não é one-shot. Vamos lançar mais concursos este ano, ainda não posso precisar quantos, e o processo não para.
Falou do concurso para a aquisição de 15 novos elétricos. Já receberam manifestações de interesse?
É um concurso que vai mais do que duplicar a nossa oferta atual de elétricos, com a aquisição de elétricos articulados, até aos 28 metros, mais compridos que os atuais, portanto. O concurso está a decorrer os trâmites normais. Tem havido procura por parte de interessados no caderno de encargos, mas ainda só está nessa fase. Estes são processos e concursos que demoram tempo. Há fornecedores que podem entregar mais depressa, outros mais devagar, e muitas vezes assinamos contratos no ‘ano fiscal A’ e estes só chegam no ‘ano fiscal B’, logo, e no fundo, é um plano de investimentos que vai sendo ajustado. Este concurso vai mais do que duplicar a nossa oferta atual de elétricos, é algo de grande dimensão. A maioria deles é para reforçar a qualidade do serviço no eixo Algés-Santa Apolónia e, mais tarde, conforme a estratégia do município, conjugar com as obras de grande dimensão em curso na cidade. Mas o principal é cumprir os objetivos que justificam os investimentos: mais qualidade, mais conforto, mais descarbonização, mais oferta.
Objetivos que também exigem aumentar quadro de pessoal… Reforço dos efetivos é para continuar?
O ano de 2018 foi também de consolidação do recrutamento, que na Carris não passa por colocar apenas anúncios no jornal, é bem mais complexo. A missão que se exige aos motoristas ou guarda-freios é exigente em termos físicos, psicológicos e com stress associado, além de se ter que lidar com veículos com 12, 18 ou 24 metros. Mas este foi também o ano em que conseguimos colocar toda a área de recrutamento a funcionar em pleno. Aumentámos o quadro de efetivos em 209 colaboradores. Procuramos inverter de vez a tendência de perda de quilómetros/passageiros.
É intenção da Carris aproveitar a chegada dos autocarros elétricos a partir do Verão para lançar, ainda este ano, a primeira carreira emissões zero.
E qual a meta para o reforço dos recursos humanos da Carris em 2019?
O objetivo é sensivelmente o mesmo de 2018. Ou seja, reforçar os quadros com cerca de 216 novos colaboradores, como prevê o plano de atividades. E é uma meta que vamos cumprir. A Carris tem sido exemplar neste campo. Montámos um fortíssimo centro de formação e recrutamento, de tal forma que qualquer pessoa que tenha apenas a carta de ligeiros pode concorrer para nosso motorista, damos todo o treino e formações para ficarem habilitados.
Esta é uma área onde a Carris beneficia de estar no Município e não com a Administração Central? Veja-se o que se passa noutras transportadoras, que não conseguem autorizações para reforçar o pessoal…
É uma área onde tem havido uma enorme capacidade de diálogo com as organizações que representam os trabalhadores, para compreenderem o que está a ser feito, mas também em prol da valorização dos recursos humanos. Chegámos a ser menos de dois mil e agora estamos a caminhar para chegar aos 2.400 colaboradores. A proximidade ao município, mesmo para quem estava mais cauteloso, foi uma enorme notícia em tudo: em termos de apoio, de visão integrada, colaboração, compreensão. O município vive os problemas, percebe a importância de ter a empresa sustentada, a importância de dar resposta aos problemas levantados pelos cidadãos ou pelas juntas de freguesia. Para tudo funcionar melhor com a operação da Carris, por exemplo, a proximidade à Polícia Municipal e à EMEL é importantíssima. Passámos a ter elementos de ambas as instituições no nosso centro de controlo de tráfego o que ajuda muito a desbloquear inúmeras situações de forma rápida.
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“Estamos preparados para aumentar oferta. Vamos contratar 216 pessoas este ano”
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