Agnès Bénassy-Quéré considera que o eixo franco-alemão está enfraquecido e já não consegue ser o motor da Europa. Em entrevista à margem do Fórum BCE defende eurobonds para financiar projetos comuns.
As relações entre França e Alemanha estão enfraquecidas, na perspetiva de Agnès Bénassy-Quéré, economista francesa que integra a Comissão Económica da Nação (um organismo conselheiro do Ministério das Finanças em França) e do board da autoridade macroprudencial do Banco de França.
Em entrevista ao ECO, à margem do Fórum do Banco Central Europeu (BCE), que se realiza até esta quarta-feira em Sintra, Bénassy-Quéré diz que é necessária ação conjunta por parte dos países da moeda única, incluindo a emissão de eurobonds para financiar metas conjuntas.
O tema deste ano do Fórum BCE são os 20 anos do euro. O que espera das próximas duas décadas? Os países da moeda única já estão prontos a trabalhar como um todo?
A crise da Zona Euro mostrou as fraquezas do Tratado de Maastricht. Muito foi feito para corrigir essas fraquezas, mas a principal ainda existe. Não há monetização (os bancos centrais não podem monetizar os défices públicos), não há resgates (não é suposto governos pedirem ajuda a outros governos) e não há reestruturação de dívida (que é uma regra não escrita). Existe este triângulo. Então o que é que se faz quando um país não tem capacidade de resolver uma crise de dívida?
O principal problema está por resolver. Nos últimos 10 anos, fez-se um pouco das três: reestruturação de dívida com a Grécia, monetização na Irlanda e resgate. Mas não é bem compreendido. Como é que se ultrapassam problemas orçamentais? Há austeridade, que já vimos em vários casos que não resulta. A melhor forma de pagar dívida é com inflação e crescimento. Mas não há nem inflação nem crescimento. Portanto ainda há fragilidade e penso que a Zona Euro só estará a salvo quando houver capacidade de reestruturar dívida.
É esse o caminho? A Zona Euro vai sobreviver?
Penso que vai sobreviver porque há vontade política. Nenhum político quer ser aquele que matou o projeto europeu. No entanto, estamos preocupados com Itália…
Não há essa vontade política em Itália?
Não há abertura para sair do euro. Se olharmos para as sondagens, os europeus estão muito ligados à moeda única e querem ficar. Podem não querer cumprir as regras, mas querem o euro. Os políticos em Itália estão a introduzir Mini-BOT [mini–bill of treasury emitida pelo Governo que pode ser usada pelos utilizadores para realizar transações ou pagar impostos], que pode parecer apenas dívida pública, mas há a tentação de ser usado como moeda paralela como fez a Argentina nos anos 90 e acabou por ter uma crise monetária. Portanto, não se sabe…
Certo é que são necessárias reformas estruturais, completar a união bancária e a união dos mercados de capitais e que seja feita alguma coisa no quadro orçamental. É necessária a reforma das regras orçamentais, porque como está não funciona no que diz respeito à redução do rácio da dívida face ao PIB. É preciso um verdadeiro orçamento da Zona Euro.
"Os políticos em Itália estão a introduzir Mini-BOT, que pode parecer apenas dívida pública, mas há a tentação de ser usado como moeda paralela como fez a Argentina nos anos 90 e acabou por ter uma crise monetária.”
O orçamento da Zona Euro é a forma de resolver os problemas da região?
Essa é a principal diferença entre economistas e políticos. Para os economistas, é a primeira aula de macroeconomia que se dá aos estudantes: se não há autonomia monetária, é preciso maior capacidade orçamental e sabemos que um orçamento tem objetivos. No caso específico da Zona Euro e da moeda única, é preciso para a estabilização. Penso que há um mal-entendido entre políticos e economistas. Quando a discussão acabar, poderão acabar por conseguir um orçamento que ajude os países. Tem custos porque são precisas reformas estruturais, mas é a forma de estabilização orçamental.
Referiu a necessidade de reformar as regras orçamentais europeias. Concorda com a posição de Oliver Blanchard de a redução das dívidas não é urgente e que os défices são necessários?
Diria de forma um pouco diferente. Penso que, na Zona Euro, há demasiada dívida nacional e tem de haver uma correção. Existe necessidade de um ativo seguro, de dívida europeia. Há neste momento uma janela de oportunidade fantástica que é a taxa de juro real negativa. É um incentivo. Com taxas de juro reais negativas, é necessário antecipar despesa. Onde as nossas opiniões podem diferir um pouco é que eu penso que deveria ser, por exemplo, o Banco Europeu de Investimento (BEI) a financiar projetos comuns como a transição energética.
Os bancos centrais não conseguem atingir a meta de inflação sozinhos. É necessária procura agregada e isso é conseguido com investimento e não com consumo. É melhor que o seja a nível europeu. A transição energética é um bom exemplo porque há um objetivo comum de redução das emissões de carbono e deve-se abandonar a ideia que um país pode fazê-lo a partir do seu orçamento. Não faz sentido que a Alemanha se financie junto do BEI porque pode financiar-se no mercado com yields negativas. Não interessa qual é o país, o que interessa é a redução de emissões de carbono.
Considera que é precisa uma estratégia conjunta para financiar projetos comuns? Com eurobonds?
Sim. Já existem eurobonds emitidas por agências e bancos europeus, mas é preciso mais. Porque as discussões sobre eurobonds [emitidas a nível governamental] não estão a correr bem e é preciso mudar de perspetiva e focar os projetos comuns.
O cenário geopolítico na Europa está a mudar, especialmente as relações entre Alemanha e França. Qual é o impacto que espera no futuro da Zona Euro?
Há inconsistência temporal nas relações entre Alemanha e França. Quando o governo francês, finalmente, começou a implementar grandes reformas, o governo alemão não respondeu. E penso que o presidente Emmanuel Macron precisava de resposta por parte da Alemanha para continuar com essas reformas e mostrar que estas medidas o iriam ajudar a ganhar credibilidade a nível europeu. Isso não aconteceu. Houve muita retaliação em França devido às reformas. Os coletes amarelos não estavam diretamente relacionados com discussões europeias, mas mesmo assim… Portanto o eixo franco-alemão está agora bastante enfraquecido.
Mas o ponto principal não é esse. É que a Alemanha já não está num extremo. Alemanha e França são tão diferentes que, tradicionalmente, se os dois países concordassem, todos os países concordavam. Já não é assim. Há outros extremos e a Alemanha tornou-se, comparativamente, moderada.
Há ainda uma divergência fundamental na Zona Euro, que é os alemães culparem o BCE pelas baixas taxas de juro, mas quem é o culpado? A baixa inflação resultante da procura agregada fraca, especialmente na Alemanha onde há um elevado excedente da balança comercial. Por outro lado, países como Portugal, Espanha ou Itália não veem razão para cortar no investimento numa situação em que os juros estão mais baixos que a inflação. Portanto, ninguém se entende. É por isso que estas divergências devem ser resolvidas a nível europeu ou haverá maiores divergências: os países do Sul irão aumentar os défices e a Alemanha irá ficar ainda mais frustrada.
Com a saída da chanceler alemã Angela Merkel, França irá ganhar mais poder e um papel mais importante na Europa?
Não tenho a certeza. O que vejo neste momento é a necessidade de uma coligação mais alargada, que parece cada vez mais difícil. Os outros países não estão felizes com a Alemanha e França a liderarem a Zona Euro. Estão cansados. Foi bom enquanto conseguiam apresentar resultados, mas já não conseguem. Portanto é melhor entregarem as chaves. Há uma convergência intelectual que se viu no grupo de trabalho franco-alemão, mas há divergências políticas que são difíceis de ultrapassar.
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