Consumo interno cresce à custa das poupanças
O consumo interno está a aumentar, mas não vai ser capaz de puxar pela economia, avisa o FMI. Além disso, está a sacrificar a poupança que está em níveis "sem precedente".
Se o Governo espera que o consumo privado seja o motor da economia, para além de a estratégia não estar a resultar este ano, no próximo ano será pior. A sentença é do FMI. Este ano a previsão é de um aumento de 2,2%, inferior aos 2,6% registados em 2015, e em 2017 vai cair para os 1,4%. Contudo, o FMI refere que a recuperação atual da economia vem exatamente daí.
"O consumo interno cresceu 10% entre o primeiro trimestre de 2013 e o primeiro trimestre de 2016, apesar de o rendimento disponível tenha aumentado apenas 4% nesse período.”
Ou seja, os portugueses estão a gastar mais, mas não a ganhar mais. “Este crescimento do consumo tem sido facilitado por um declínio da taxa de poupança sem precedente”, fenómeno que o FMI atribui à confiança pós-crise e à recuperação do preço das casas, “num ambiente de baixas taxas de juro”. O Fundo reconhece o trabalho do BCE em ajudar o financiamento, mas a transmissão desse dinheiro para empréstimos e investimento tem sido “constrangido pelos níveis elevados do crédito malparado”.
FMI prevê 3% de défice em Portugal em 2016 e 2017, sem sair do PDE
O quarto relatório do FMI sobre Portugal revelado esta quinta-feira traz um cenário dramático para os indicadores macroeconómicos do Governo português. A previsão de 3% para o défice não só nos deixa sem a possibilidade do PDE, como agrava novamente a relação com a Comissão Europeia por incumprimento. Caso as instituições europeias – que preveem um défice de 2,5% – responsabilizem Mário Centeno pela falta de medidas eficazes, a novela das sanções poderá voltar no próximo ano quando a meta do Governo em 2016 era 2,2%.
Mas não é só no défice que a previsão do Fundo Monetário Internacional é pessimista. O crescimento económico deve ser de 1%, avisa o relatório, um valor corrigido em baixo (no terceiro relatório era de 1,4%), mas que é igual à previsão do Conselho de Finanças Públicas. O Ministério das Finanças comprometeu-se com 1,8% de aumento do PIB em abril, mas a Comissão Europeia cortou logo o otimismo em maio com a previsão de 1,5%.
Apesar destas previsões, o FMI ressalva que são baseadas “em projeções conservativas macroeconómicas e fiscais”.
Não é só 2016. 2017 não vai ser melhor
Se para 2016 as previsões, na reta final do ano, são negativas para a economia portuguesa, em 2017 o cenário macroeconómico português não melhora. É que o FMI prevê o mesmo défice de 3% no próximo ano e um crescimento uma décima superior, 1,1%. Além disso, não existe qualquer perspetiva positiva para o PIB a longo prazo: o Fundo acha que em todos os anos até 2021 não há mais do que um aumento de 1,2% do PIB.
O único otimismo vem do lado das exportações e importações, apesar de os valores irem contra o que vem sendo revelado pelo INE. O FMI que as importações cresçam 3,2% e as exportações 2,9%, subindo para os 3,8% e 3,4% em 2017, respetivamente. Ainda assim, estas previsões foram agora revistas em baixa em relação ao terceiro relatório.
Isto no que toca aos bens porque no total há um excedente da balança comercial de serviços e de bens. No entanto, também aqui o FMI deixa um recado: “os excedentes registados em 2014 e 2015 foram em larga escala influenciadas por preços favoráveis das mercadorias”.
Desemprego “desceu nitidamente”
O FMI afirma que apesar de ainda se encontrar em “níveis altos”, a taxa de desemprego “desceu nitidamente”. Neste ponto, as previsões do FMI agravaram-se ligeiramente dos 11,6% para os 11,8%, mas continuam mais otimistas do que, por exemplo, a OCDE que prevê 12,1%. Já o Governo tinha como meta os 11,4% e tem a seu favor os números homólogos de julho que o INE revelou: 11,1% de taxa de desemprego.
Mais importante é a criação de emprego. Nesse campo o crescimento previsto pelo FMI é igual ao do Governo: 0,8% em 2016. No próximo ano, o Fundo prevê, no entanto, que a criação de emprego abrande para os 0,5%, depois de, em 2014, ter sido 1,6% e, em 2015, 1,1%. São, portanto, más notícias para os desempregados, principalmente pela franja da sociedade mais afetada: os jovens.
A instituição liderada por Christine Lagarde admite que a implementação de reformas no mercado de trabalho português foi “impressionante”, para depois apontar o dedo a atrasos e a obstáculos legais. Ainda no capítulo das reformas estruturais, o FMI recorda que ficou por concretizar uma medida de referência: a “desvalorização fiscal”, que aliava um corte nas contribuições das empresas para a Segurança Social a um aumento dos impostos sobre o consumo.
Falta investimento e inflação
A criação de emprego é também afetada pela falta de investimento. O FMI reviu em baixa o contributo do investimento para o crescimento do PIB. O investimento público e privado em 2016 vai piorar o PIB em 0,2%. Estas previsões vão em linha com os números divulgados pelo INE e pelo Governo: uma queda homóloga de 3% no investimento no segundo trimestre deste ano e um investimento público que, em vez de subir, está em queda, como mostra a execução orçamental divulgada pela Direção-Geral de Orçamento.
A inflação, que este ano influencia o Indexante de Apoios Sociais (IAS), não deve também chegar à meta de Mário Centeno de 1,2%. O relatório diz que os números continuam inferiores aos registados na Zona Euro. O FMI estabilizou a previsão em 0,7%, pelo que o aumento prometido pelo Governo ao IAS e que vai afetar uma série de benefícios sociais pode não ser tão promissor.
No relatório, os técnicos do FMI deixam ainda algumas considerações sobre as medidas do passado. “Os diretores concordaram, na generalidade, que o ritmo de ajustamento orçamental foi apropriado; que tratar os bancos como empreendimentos viáveis foi uma escolha justificável na ausência de uma crise bancária; e que a restruturação da dívida soberana não teria sido uma opção realista durante a vigência do programa“, pode ler-se no press release.
Não especificando, o FMI deixa uma recomendação: existe “a necessidade de lidar com os condicionalismos legais ao desenho dos programas”. E um alerta para a Comissão Europeia, onde diz que existem “choques assimétricos que não sejam facilmente solucionáveis através da política monetária aplicada a todos os membros da união”, pedindo abordagens adaptadas aos países em questão.
Estas considerações do FMI fazem parte do novo relatório de monitorização a Portugal ao abrigo do Artigo 4. Os técnicos do Fundo Monetário Internacional estiveram em Lisboa entre 15 e 29 de junho. A equipa foi liderada por Subir Lall, o chefe da missão do FMI em Portugal.
Editado por Mónica Silvares
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