“E-fatura é o instrumento mais poderoso no combate à fraude fiscal dos últimos anos”

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais compara a oposição dos partidos e da opinião pública em relação ao SAF-T da contabilidade com as críticas de que foi alvo o e-fatura.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tinha pedido aos deputados que não deitassem fora todo o trabalho realizado na implementação do SAF-T da contabilidade e os partidos públicos juntaram-se para encontrar uma solução. Um dia depois da Assembleia da República ter aprovado um alívio do que ficou conhecido como o big brother fiscal, António Mendonça Mendes, em entrevista ao ECO24, programa de entrevistas do ECO e da TVI24, defende a medida, lembrando as críticas de que foi alvo o sistema do e-fatura.

Está previsto no programa do PS o aumento das deduções para as famílias que têm filhos. O que é que isto vai representar na prática?

O programa do PS está em discussão pública para que qualquer um possa fazer a sua apreciação. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não deve comentar nem o programa do PS nem o programa do PSD. Aquilo que tem sido sempre a linha de atuação do Governo tem sido uma linha de reforço dos rendimentos das pessoas. Essa medida em concreto, só para contextualizar, ela integra-se dentro do pilar da demografia. Temos um problema demográfico. É um problema muito visível na falta de mão-de-obra que nós temos já em alguns setores da economia.

O problema está identificado. Que tipo de soluções poderemos estar a falar?

Nós rejeitamos que as deduções em relação aos descendentes estejam associadas ao rendimento das pessoas. Isso é altamente regressivo, como demonstrou ser o coeficiente familiar. Por isso é que nós substituímos o coeficiente familiar pela dedução fixa que aproveita aquela faixa de rendimentos onde há mais descendentes, onde há cerca de 850 mil. É nesse contexto, de promoção de políticas de demografia, para estimular e apoiar a natalidade, que se pode equacionar nessa dimensão. É nesse contexto que em sede de discussão pública está inserido um propósito nessa dimensão, mas não gostaria nesta fase de comentar.

Enquanto secretário de Estado o que faria sentido que acontecesse?

Aquilo que nós fizemos em 2016, que foi colocar uma dedução fixa por descendente de 600 euros que substituiu o coeficiente familiar, faz-me sentido e acho que deve sempre ser olhado como um ponto de partida.

Do ponto de vista da transição energética, e aqui o ministro do Ambiente tem sido muito incisivo, que benefícios fiscais, que ideias fiscais estão a ser preparadas para a próxima legislatura?

Não comecemos, numa política pública, por saber qual é o benefício fiscal que vamos fazer. Esse é o erro que nos levou a ter 542 benefícios fiscais, 127 dos quais nem se sabe o que são. As políticas públicas têm de ser mais do que políticas fiscais. O enquadramento fiscal tem de ser coerente com as políticas públicas que eu tenho. Se eu tenho um objetivo de transição energética, eu não posso conviver com o sistema fiscal que tem benefícios perversos a essa mesma transição energética. Por isso, nesta legislatura, nós acabámos de forma responsável com a isenção do ISP na produção de eletricidade com carvão e coque de carvão. Se o fizéssemos de um dia para o outro seria alterar substancialmente o enquadramento. Fizemo-lo de forma faseada.

É quando nós estamos a tomar medidas de política fiscal que temos de ter o cuidado de que elas sirvam todas as políticas públicas. Se se justificar que os benefícios fiscais tenham um carácter temporário, que é necessário de forma temporária criar um benefício fiscal com aquele objetivo, então devemos avaliá-lo. O trabalho que nós agora fizemos, que é um trabalho em que para a criação de benefícios fiscais tem de haver uma avaliação prévia, e essa avaliação prévia tem de ter a dimensão da comparação para perceber se há outro instrumento de política pública que eventualmente seja mais eficaz. Muitas vezes esses benefícios fiscais são muito complexos do ponto de vista da sua implementação, tem um custo administrativo de implementação enorme, e que provavelmente seriam mais eficazes se fosse com subsidiação direta. São estas as análises que devem ser feitas.

Os incentivos fiscais que hoje existem, por exemplo, nos carros elétricos, deviam permanecer para o futuro ou deviam ser reajustados ou eventualmente até aumentados?

A tributação automóvel é um dos grandes desafios que temos nos próximos anos. Desde logo porque as cidades estão cada vez mais a fazer planos cicláveis, planos de mobilidade partilhada. Aquilo que é hoje a discussão é se a tributação automóvel não deve incidir mais sobre o uso do que propriamente na introdução no mercado. Somos um dos seis países da União Europeia que temos uma tributação automóvel, tanto no ISP como no IUC, tanto na entrada como na circulação, que tem a componente de cilindrada e a componente ambiental. Essa componente ambiental deve-se manter. A forma como nós introduzimos no nosso ordenamento jurídico, com total estabilidade e com total acordo do setor, a transição que foi muito relevante no ano passado, que foi o no novo sistema de medições das emissões, que fazia com que as emissões aumentassem muito, de um momento para o outro os cidadãos iam pagar mais imposto… A forma como nós o fizemos, não deixamos de ter a componente do CO2, e de ser a componente que não abdicamos de tributar no sentido de assegurar um futuro sustentável, mas fizemo-lo com moderação. É esta moderação que as políticas públicas e a política fiscal devem ter. Mas a política fiscal não é uma política isolada, está ao serviço da política pública.

Os portugueses vão ou não ser mais incentivados para ter carros elétricos?

HOJE tendo carros elétricos não há nenhum pagamento de imposto. Aquilo que às vezes se questiona é que os carros elétricos não são totalmente elétricos, há também os híbridos. E, portanto, é nessa dimensão que muitas vezes também se procura fazer essa análise. Agora, a tributação dos carros elétricos, além de não pagar imposto, ainda tem um incentivo financeiro à sua aquisição. Portugal é um país que nessa matéria está bastante à frente. Uma das questões que nós até resolvemos do ponto de vista interpretativo, também nos carros elétricos, é que os postos de abastecimento não pagam CAV. Temos de pensar a tributação automóvel neste novo paradigma, na mobilidade nas nossas cidades. Ela está evidentemente associada a um futuro sustentável, é isso que o Governo tem vindo a fazer paulatinamente e devemos aprofundar.

Porque é que o Fisco precisa de tanta informação agora vertida na legislação que esta semana teve alterações em sede parlamentar?

Aqui há uns anos tivemos uma enorme discussão sobre a implementação do e-fatura. O e-fatura é o instrumento mais poderoso no combate à fraude e à invasão fiscal que nós tivemos nos últimos anos. Quando nós temos o IVA a subir 10%, a receita fiscal a subir 10%… o e-fatura tem seguramente, porque todos os anos de forma consistente aumentamos o número de faturas comunicadas. E nessa altura uma das discussões que se colocou foi a questão da informação que estamos a passar. E arranjou-se a solução de encriptar a informação que não era necessária para as operações que a AT tem.

O SAF-T da contabilidade é um ficheiro que já existe. Todas as empresas têm esse ficheiro. Todas as empresas, se a AT no âmbito de uma inspeção quiser aceder, tem acesso a esse ficheiro. E as empresas têm todas uma obrigação anual que é a chamada IES, Informação Especial Simplificada. Apesar de ser entregue via Portal das Finanças, ela não se destina apenas à AT, mas também ao Ministério da Justiça, ao INE e ao Banco de Portugal. Quando o SAF-T tem um conjunto de informação que é transmitido para preenchimento da IES, essa informação não se destina na totalidade à Administração Fiscal, mas também ao Ministério da Justiça, ao Banco de Portugal e ao INE. O que nós colocámos foi uma garantia adicional: vai haver um decreto-lei que vai fixar todos os campos que são descaracterizados, que ficarão em branco e quando ele é transmitido, nem a AT nem as outras entidades terão acesso. Essa foi uma solução importante que nós fizemos, porque vai ajudar a simplificação.

Para travar o Big Brother fiscal que é hoje muito percecionado pelos portugueses.

Não é um Big Brother fiscal. É a informação que é necessária. Chegámos a uma excelente solução e esta legislatura, do ponto de vista parlamentar, é muito importante. Nós temos que tirar a crispação da vida política e ser capazes de chegar a boas soluções.

A tutela política perdeu o controlo da ação da AT?

O Governo tem a tutela sobre a AT e gere essa tutela dando as orientações de política fiscal e a autonomia na gestão de imposto que deve ser preservada. Mas autonomia não é sinónimo de irresponsabilidade em lado nenhum. E a AT é responsável não apenas perante a tutela, como perante todas as entidades que a auditam regularmente. E penso que a AT tem um nível de escrutínio muito grande. Os poderes que a AT tem decorrem da sua função, que é de arrecadação e gestão do imposto. Há uma componente de cobrança voluntária e felizmente que o padrão da esmagadora maioria dos portugueses é do cumprimento voluntário, mas há também uma componente da cobrança coerciva. Para que haja essa cobrança, o legislador dá um conjunto de instrumentos à AT que devem ser utilizados com proporcionalidade. Tenho vindo a tomar várias iniciativas e o Governo desde o início para equilibrar melhor essa relação entre o contribuinte e a AT. A expectativa que temos é que quando estamos a simplificar o cumprimento das obrigações por parte dos contribuintes, estamos a equilibrar essa relação.

Sobre a operação STOP, já tem um diretor para as Finanças do Porto?

Nos termos da lei, temos um regime de suplência. Quando saiu o diretor, ficou em regime de suplência a diretora-adjunta que nos termos da lei preenchia esse requisito. É a Dra. Albertina Bastos da Silva. Como a suplência é muito limitada, tem apenas 60 dias, e como esses 60 dias decorrem num período mais pré-eleitoral, achei importante que transformar este regime de suplência num regime de substituição que está na lei e designar a Dra. Albertina Bastos da Silva como diretora do Portugal em regime de substituição e simultaneamente solicitei à Cresap a abertura do concurso para o diretor de Finanças do Porto.

Os donativos recolhidos para esta criança que precisava de dois milhões de euros para um tratamento nos EUA vão ser sujeitos a imposto?

O que aconteceu à Matilde não é indiferente a ninguém em Portugal. Aquilo que os pais precisam neste momento é de toda a tranquilidade. Sobre este tema, quebrando uma regra de não comentar o caso concreto, mas quero dizer que de acordo com tudo aquilo que tenho visto e do que sei não me parece que esse caso em concreto justifique a aplicação da norma de incidência de Imposto de Selo sobre donativos acima de 500 euros. A norma foi criada num contexto em que se acabou com o imposto sucessório e se fez uma norma para evitar que através de doações falsas pudessem existir fraude e evasão fiscal. Sendo este o propósito do legislador, não me parece que essa situação se enquadre neste ponto. O que é relevante nesta fase é dar toda a tranquilidade aos pais da Matilde, para que se concentrem no que é mais importante que é a vida da Matilde.

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